13/09/2017
Matheus Cruz e Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)
A Fiocruz promoveu, na segunda-feira (11/9), a roda de conversa Novo modelo de transferência de recursos na Saúde – Uma reflexão, no Salão Internacional da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz). O objetivo do evento foi discutir as novas mudanças no financiamento da saúde, a partir do projeto SUS Legal, proposto pelo Ministério da Saúde. As reflexões foram feitas a partir de uma das primeiras medidas do projeto, que foi aprovada na Comissão Intergestora Tripartite. Os repasses, antes realizados em seis blocos temáticos, passam a ser feitos em duas modalidades: custeio e investimento.
Objetivo do evento foi discutir as novas mudanças no financiamento da saúde, a partir do projeto SUS Legal (foto: Virgínia Damas, Ensp/Fiocruz)
Na mesa de abertura do evento, o diretor da Ensp/Fiocruz, Hermano Castro, ressaltou a importância do debate no cenário do teto nos gastos públicos. “O país cresce, mas não pode aumentar o investimento público. Se não pode fazer isso, ocorre um desinvestimento no setor da Saúde, um desmonte do SUS. O que sabemos é que essa situação certamente vai precarizar alguns setores, principalmente na área de atenção básica”, afirmou.
O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Marco Menezes, também destacou o debate como parte importante do processo de transformação. “Devemos pensar, como o Hermano já disse, um projeto nacional em que a saúde de fato seja encarada como investimento, e não como custeio”, observou.
Segundo a pesquisadora do Centro de Estudos Políticas e Informações sobre Determinantes Sociais da Saúde (Cepi-DSS) Patrícia Ribeiro, que coordenou a roda de conversas, é de grande relevância que, a partir de diálogos como o da Ensp/Fiocruz, sejam evidenciadas as diferentes perspectivas sobre a temática. De acordo com Patrícia, o projeto SUS Legal está elaborando maneiras de financiar a gestão descentralizada do SUS a partir dos repasses e de outros recursos de estados e municípios. Segundo ela, a discussão sempre foi permeada de tensões porque os atores têm perspectivas e objetivos distintos quando vão negociar recursos para financiamento. “Sempre que se discute financiamento da gestão descentralizada é tenso, sobretudo, porque o que está em jogo, em geral, é com quem vai ficar o comando sobre o gasto”, avaliou.
Após a participação de Patrícia, para contextualizar e abrir a roda de conversa, o diretor substituto do Departamento de Articulação Interfederativa da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, Grégory dos Passos Carvalho, apresentou o novo modelo de repasse, que segundo ele tornará as ações orçamentárias menos complexas. Carvalho afirmou que desde 1990 houve 882 formas restritas de aplicações de recursos federais, com saldo acumulado entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões nas contas de estados, municípios e do Distrito Federal referentes a recursos federais. “Determinações normativas impedem que o planejamento local aborde a realidade sanitária do território e impõem ações não necessárias ou insuficientes. As contradições e vazios normativos impedem monitoramento, avaliação e controle e o verticalismo de repasses fragmenta os sistemas de informação e impedem o planejamento integrado”. De acordo com o diretor, “o repasse será realizado de maneira regular e automática e o processo de planejamento e orçamento será ascendente, devendo partir das necessidades de saúde da população no território”.
Para o economista Francisco Rózsa Funcia, consultor e professor do Instituto Mauá de Tecnologia e da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, o Brasil não está num bom momento para implantar mudanças dessa magnitude no financiamento da Saúde. “Apesar de existir uma demanda histórica para descentralizar e flexibilizar e que respeite as esferas de governo, o país vive uma crise econômica e política graves, que geram instabilidade e também enfraquece essa discussão. Há ainda uma crise fiscal, que reduz recursos. Costumo ironizar que a Emenda Constitucional 95 só deveria ser aprovada caso a população se mantivesse a mesma... Ainda assim, manteríamos os problemas que já existem no setor”.
O pesquisador Francisco Cardoso, do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, disse que “o governo atual tem baixa legitimidade para reformas”, embora o tema do financiamento precise ser enfrentado. “Outro problema é que o planejamento na Saúde vem sendo solapado há muitos anos. E também não vejo, nos estados, novos quadros discutindo o assunto”. Para Cardoso, é imperioso aumentar recursos para enfrentar as iniquidades e diminuir as desigualdades. “E para fazer isso necessitamos de muito dinheiro. O SUS cumpre um papel extremamente relevante, sobretudo em lugares como Rio e São Paulo, que são barris de pólvora”.
O representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Rene Santos, disse que é urgente fortalecer o planejamento na Saúde e melhorar a governança e o pacto federativo, para que seja possível consolidar o SUS de maneira definitiva e dar respostas à população. “Mas também é importante olhara para os estados, que são bem diversos. Não se pode fazer tudo a partir de Brasília”. Em seguida, a representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Maria Laura, afirmou em sua participação que “os recursos precisam ser investidos no SUS. Não pode haver tantos desvios no Sistema, que passa por um momento de ameaças”.
O chefe de Gabinete da Presidência da Fiocruz, Valcler Fernandes, lembrou sua experiência como gestor nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e ressaltou a importância de valorizar o planejamento. Mas ele concordou com a maioria dos debatedores ao afirmar que o contexto atual não é o mais propício para fazer a mudança proposta. “Os ministérios estão com orçamentos bem reduzidos, o que também impacta no SUS”, disse Fernandes, sugerindo que as rodas de conversa virem rotina.
O SUS Legal foi apresentado em fevereiro, pelo ministro da Saúde, Ricardo Barros, que na ocasião detalhou a proposta pactuada na última reunião entre a pasta, o Conass e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Pela proposta, os repasses, antes realizados em seis blocos temáticos, passam a ser feitos em duas modalidades: custeio e investimento. Com o modelo atual, muitos recursos estão paralisados – mais de R$ 5,7 bilhões em 2016. Além disso, o projeto pretende “enxugar” as mais de 17 mil portarias relacionadas ao SUS, sendo 707 portarias normativas. A soma dos artigos dessas portarias corresponde a cinco vezes o número de artigos do Código Civil brasileiro.