22/12/2016
Glauber Gonçalves (COC/Fiocruz)
No ano do 15º aniversário da lei da reforma psiquiátrica, a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 23, n. 4, out/dez 2016) lança uma edição dedicada à saúde mental. Disponível integralmente para acesso no portal SciELO, o novo número reúne 12 artigos que abordam temas que vão das relações entre catolicismo, psicanálise e fascismo na Itália durante o período entreguerras, às chamadas neurodisciplinas da cultura, como a neuroantropologia e a neurociência cultural, passando ainda por uma análise da obra O alienista, de autoria de Machado de Assis.
O artigo que abre a edição discute os efeitos das mudanças na classificação e no entendimento das doenças mentais ocorridos desde a publicação da terceira revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), pela Associação Psiquiátrica Norte-Americana em 1980. O documento aboliu as grandes categorias que eram patrimônio comum da psicanálise e da psiquiatria – psicose, neurose e perversão – e introduziu em seu lugar uma classificação dita ateórica com base, em tese, apenas em sintomas empiricamente observáveis.
Figura central da psicologia italiana, especialmente nas décadas de 1930 e 1940, o padre franciscano Agostino Gemelli, tem parte de sua trajetória analisada por um artigo deste número da revista. O religioso desempenhou importante papel nas articulações entre o mundo católico e o fascismo. O autor enfoca as estratégias de construção profissional de Gemelli, especialmente a modo como sua ligação com o poder político e eclesiástico permitiu sua crescente relevância na psicologia italiana. O texto destaca a tensão entre a relativa abertura do religioso e o seu compromisso com ideologias autoritárias.
Disciplinas surgidas a partir dos anos 1990 na interface entre neurociência e ciências sociais e humanas são o foco do artigo Cultura: pelo cérebro ou no cérebro?. Os autores oferecem uma visão geral da neuroantropologia e da neurociência cultural e discutem estudos representativos dessa área, analisando sua relevância para a compreensão da cultura. Outro artigo, que se debruça sobre a obra de Machado de Assis, traz um mergulho na historiografia das práticas de intervenção psiquiátricas vigentes no Brasil nos séculos 19 e 20 e os aportes teóricos e lógicas de poder e sociabilidades que lhes davam sustentação.
História, Ciências, Saúde – Manguinhos publica uma série de artigos dedicados ao contexto espanhol. Um dos trabalhos investiga a importância das viagens e das redes profissionais nas origens da psiquiatra no país ibérico. Integram ainda este número um estudo sobre os debates travados durante a ditadura franquista sobre a inclusão de pessoas com deficiência intelectual na sociedade, além de uma análise dos discursos sobre a cura na medicina mental espanhola entre 1890-1917, marcados por um maior pessimismo terapêutico na comparação com as décadas anteriores.
Completam a edição uma discussão sobre novas possibilidades de análise da história da psiquiatria no Brasil a partir de uma pesquisa feita com fichas de entrada do Hospício de Pedro II entre 1883 e 1889; um artigo sobre o uso médico das técnicas de avaliação psicológica de lactantes em Buenos Aires; além de um estudo sobre as investigações levadas a cabo no início do século 20 a respeito da natureza de fenômenos psíquicos/espirituais; uma análise sobre o livro Simulación de la locura, publicado em 1903 pelo psiquiatra argentino José Ingenieros; e um trabalho sobre as relações entre ginástica e saúde no Rio de Janeiro do século 19.
Publicados diariamente de 1994 a 2002 no jornal Correio Popular, de Campinas, os quadrinhos Os cientistas são analisados em um dos textos da seção Imagens. Produzidos por jornalistas e pesquisadores brasileiros, Os Cientistas apresentaram a prática científica de modo crítico e irreverente, expondo a insegurança e as frustrações dos cientistas, além dos conflitos entre eles e a dificuldade de comunicação com outros grupos, como os jornalistas. Essa sessão inclui ainda uma análise sobre a presença de registros sobre trabalhadores com sinais de varíola no acervo da Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul entre 1933 e 1944.
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