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30/03/2020

A Segurança em Saúde e a Covid-19

Raphael Padula, Gustavo Souto de Noronha e José Carvalho de Noronha*


Em 2015, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio da iniciativa Saúde Amanhã, publicou um estudo que argumenta sobre como poderíamos estar mais preparados para uma epidemia tão grave como a que vivemos. O pacto de austeridade iniciado em 2015, coadunado ao predomínio do neoliberalismo desde 2016, levou a indústria brasileira a inexistir na prática. No caso dos medicamentos, temos boas montadoras que os produzem medicamentos a partir insumos (IFAs) importados em quase sua totalidade. Se nosso caminho eram os serviços, como nos faltam máscaras e luvas simples?

Segurança Sanitária quer dizer que o país não pode ficar refém de importações. A segurança em saúde deve ser tratada como um tema de segurança e desenvolvimento nacional. Segurança de saúde deve ser compreendida como a capacidade do Brasil produzir dentro do país os bens e serviços de saúde que atendam às necessidades de sua população, de forma a universalizar o acesso não apenas em tempos de guerra ou paz, mas em situações de crises como uma pandemia global. É preciso o domínio de tecnologias, capacidade financeira e produtiva, e mobilização de recursos em tempo hábil, reduzindo ao mínimo possível de importações, cuja origem deve ser diversificada, como rotas comerciais de abastecimento e fontes de financiamento. É preciso um projeto nacional para a construção da autonomia estratégica em saúde, que tenha a capacidade e coesão política interna para articular diferentes setores. 

O Complexo Econômico Industrial da Saúde (Ceis) tem papel estratégico tanto no âmbito socioeconômico quanto político-estratégico e guarda estreita interligação com a base industrial de defesa. Em situações como a pandemia da Covid-19, um Ceis estruturado diminuiria a vulnerabilidade econômica e política do país. Garantiria acesso igualitário à saúde tanto aos mais ricos quanto aos mais pobres, essencial para manter a estabilidade e coesão política e social. 

Além da pandemia, a economia mundial envia sinais de uma crise pelo menos tão severa quanto a de 2008. O cenário geopolítico internacional está mais próximo do cada um por si do que da cooperação coordenada. A combinação das crises sanitária e econômica, num cenário em que muitas divergências interestatais se exacerbam, deve influir na reflexão sobre a inserção do Brasil frente ao mundo. Nossa inserção deve partir de nossos interesses, de forma pragmática, que não corresponde à subordinação incondicional a qualquer país. O maior mercado para bens industriais brasileiros para a escala necessária para o desenvolvimento do Ceis está na América do Sul. Os maiores parceiros potenciais em termos de crescimento de mercado, universalização do acesso à saúde, desenvolvimento de tecnologias flexibilizando o regime de patentes do Trips, estão nos países do Brics (Rússia, China e Índia). É possível construir um Ceis que contribua para nossa autonomia estratégica em tempos de crise, e buscar nossa segurança sanitária e independência política no sistema internacional.

*Raphael Padula é coordenador e professor da pós-graduação em Economia Política Internacional do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Gustavo Souto de Noronha é economista e professor da Universidade Estácio de Sá (Unesa)

José Carvalho de Noronha é coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã da Fiocruz

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