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03/08/2018

Simpósio sobre Esquistossomose discute ações de saneamento

Agatha Ariel, Lucas Rocha e Vinicius Ferreira


Para bloquear o ciclo de transmissão de uma doença como a esquistossomose, diretamente associada à contaminação da água, como não priorizar o saneamento? A relevância de ações intersetoriais, em que infraestrutura e saúde pública dialogam, foi alvo de debate no segundo dia do 15º Simpósio Internacional sobre Esquistossomose, promovido pela Fiocruz e que terminou nesta sexta-feira (3/8), no Rio de Janeiro. O tema do saneamento esteve em pauta na conferência do pesquisador Léo Heller, do Instituto René Rachou (Fiocruz Minas) e relator especial dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário da Organização das Nações Unidas (ONU). A sessão foi presidida por Constança Barbosa, pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco). Heller enfatizou a relevância de investigações dedicadas à dimensão local de transmissão da esquistossomose e destacou a importância de repensar a metodologia de pesquisas que avaliam a qualidade do saneamento a partir de residências fixas. “A unidade de medida das pesquisas é a casa, porém muitas pessoas não têm casa ou passam boa parte do dia fora. E, mesmo dentro da casa, a população não é homogênea, pois há especificidades, como deficientes e idosos”, exemplificou. Acesse aqui a cobertura especial.

A conferência do relator especial do Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário da ONU, Léo Heller, foi uma das atividades do segundo dia do Simpósio (Foto: Gutemberg Brito)

 

Ele destacou, ainda, a necessidade de considerar populações vulneráveis. “Precisamos olhar de forma mais cuidadosa e específica para pessoas com determinadas carências – pessoas em situação de rua, refugiados, imigrantes, indígenas, entre outros grupos”, pontuou, defendendo que se parta da visão do todo, porém com um olhar que considere as particularidades. A pesquisadora Constança Barbosa reconheceu os avanços nas áreas da quimioterapia, genética, imunologia e terapêutica, porém reforçou que, sem mudanças no ambiente, o ciclo de transmissão da doença não é interrompido. “O tratamento salva vidas, mas apenas se torna completamente efetivo quando aliado ao saneamento”, defendeu, argumentando o saneamento básico é uma medida central para prevenção da doença. “Lutamos politicamente para que haja mais investimentos nesta área, pois a produção de um ambiente saudável garante saúde para a totalidade da polução. Desta forma, atingiremos a esquistossomose e todas as outras doenças que se propagam por veiculação hídrica”, concluiu.

Saneamento em pauta

O assunto também esteve em pauta na mesa-redonda sobre epidemiologia e controle da doença, que contou com a participação dos especialistas Alexandre Silva, doutorando na Universidade Nova de Lisboa (Portugal), Louis-Albert Tchuem Tchuenté, do Centro para Esquistossomose e Parasitologia (Camarões), e Santiago Nicholls, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), sob coordenação do pesquisador Otávio Pieri, do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

Alexandre apresentou resultados de uma pesquisa sobre a estratégia de tratamento em massa para esquistossomose no estado de Pernambuco, onde a doença atinge 102 dos 185 municípios de forma endêmica, com uma taxa de prevalência que varia de 0,2% a 70% nestas populações. Iniciada em 2011, a iniciativa foi adotada em cidades com prevalência da doença acima de 10%, associada a outras estratégias de saúde da família. Um total de 119 localidades de 30 municípios integraram a pesquisa apresentada pelo especialista da Universidade Nova de Lisboa.

Com até três rodadas de tratamento, a média de cobertura alcançou cerca de 74% da população alvo. Como resultado, 99 localidades tiveram os dados de prevalência da doença reduzidos a níveis considerados de moderados a baixos. O especialista chamou atenção, porém, para a necessidade de ações de saneamento. "Se não forem realizadas melhorias na infraestrutura sanitária das cidades, as taxas de prevalência da doença voltarão a aumentar", ponderou.

A situação da doença na África – que concentra 90% dos casos de esquistossomose no mundo – foi assunto para o especialista Louis-Albert Tchuem Tchuenté, do Centro para Esquistossomose e Parasitologia, de Camarões. O continente conta com quatro das seis espécies de parasitos capazes de transmitir a doença para humanos, o que representa um importante desafio para a eliminação da doença na região. Atentos a essa realidade, especialistas se empenharam em testar a administração coletiva do tratamento, como Tchuem Tchuenté relatou. Denominado ‘PHASE’, o projeto engloba tratamento preventivo, educação em saúde, acesso ao saneamento e à água potável, além do controle dos moluscos no ambiente.

Como resultado, houve redução na taxa de prevalência da doença de 63%, em 2000, para 3%, em 2007. No entanto, estudos recentes mostraram uma elevação no nível de infectados, ultrapassando 45% em alguns locais. “Não adianta tratar se não sanear. Como será possível eliminar a esquistossomose sem investir em infraestrutura? Como interromper a transmissão e manter os níveis de infecção zerados sem mudanças na realidade local?”, indagou o pesquisador.

Nas Américas, o Schistosoma mansoni, única espécie do parasito presente no continente, é endêmico no Brasil, Venezuela e Caribe. Cerca de 25 milhões de pessoas estão em risco de contrair a infecção na região, sendo 90% no Brasil. Estima-se que 1,6 milhão de crianças em idade escolar, principalmente brasileiras e venezuelanas, necessitem do tratamento preventivo com Praziquantel.

Segundo o especialista da Opas, Santiago Nicholls, os países considerados endêmicos têm apresentado progressos nos últimos anos. “A redução da prevalência do agravo é reflexo de investimentos em saneamento básico e abastecimento de água potável, além de melhorias nos níveis de renda e qualidade de vida da população e a disponibilidade do medicamento para o tratamento”, destacou.

Em relação ao conjunto das geohelmintoses, estimativas da entidade apontam que, nas Américas, 44 milhões de crianças estavam em risco de contrair este tipo de infecção pelo contato com solo contaminado. Em contrapartida, dados indicam que quase 8 milhões de crianças em idade pré-escolar e 23 milhões de crianças em idade escolar vivendo em áreas de risco foram tratadas em 2016, atingindo a cobertura regional de 64% e 74% respectivamente.

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