05/04/2012
Filipe Leonel
É possível prever a ocorrência de doenças a partir de um sistema de informação que demonstre em qual momento se pode estar numa situação de risco, quando uma doença que circula no ambiente silvestre rompe a barreira biológica e acomete humanos? Sim, é possível. E a Fiocruz tem um papel importante nessa construção. A criação do Centro de Informação em Saúde Silvestre (Ciss), um sistema desenvolvido no âmbito do Projeto Nacional de Ações Integradas Público-Privadas para a Biodiversidade (Probio 2), tem por objetivo consolidar informações sobre agentes etiológicos que circulam na fauna silvestre com possibilidades de romper a barreira biológica para humanos. Ligado à Presidência da Fiocruz e coordenado por um grupo de pesquisadores da instituição, o Ciss, dentre outros aspectos, analisará os desequilíbrios que as atividades humanas exercem sobre os ecossistemas naturais.
A pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Márcia Chame dos Santos é uma das responsáveis pelo projeto. Ela, que pertence ao Departamento de Endemias Samuel Pessoa e coordena o programa Biodiversidade & Saúde da Fiocruz, concedeu entrevista ao Informe Ensp em que cita o desenvolvimento do Ciss, sua importância para o ecossistema e a inserção nas questões que serão discutidas na Rio+20.
A Fiocruz está trabalhando na construção de um sistema de informação que integre diversas informações dos ecossistemas e da biodiversidade brasileira com fins estratégicos de organizar esses dados, elaborar diagnósticos e disseminar essas informações e conceitos relevantes sobre eles. Como surgiu o trabalho?
Márcia Chame: O Centro de Informação em Saúde Silvestre (Ciss) é uma criação exclusiva da Fiocruz, que tem por objetivo consolidar informações sobre agentes etiológicos que circulam na fauna silvestre com possibilidades de romper a barreira biológica para humanos, correlacionar esses dados a alterações ambientais e identificar ecossistemas favoráveis a essas ocorrências, além de compartilhar informações com várias instâncias do governo e instituições privadas. Seu desenvolvimento envolve uma série de parcerias, no âmbito do Projeto Nacional de Ações Integradas Público-Privadas para a Biodiversidade (Probio 2), cuja coordenação é do Ministério do Meio Ambiente.
Já tivemos uma primeira experiência no Probio 1, quando houve um avanço grande nas questões ambientais, principalmente relacionadas à criação de unidades de conservação e à elaboração de plano de manejo de espécies. Na oportunidade, a Fiocruz participou do projeto ajudando o país a elaborar o 1º Informe Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, com a participação de 53 pesquisadores da instituição, que atuaram nesse levantamento das espécies que afetam a saúde humana. Portanto, avançamos bastante nesses aspectos, mas a grande questão é que, apesar dos ganhos na questão ambiental, ainda é um desafio controlar a perda da biodiversidade.
E como foi a criação do Probio 2?
Márcia: O Probio 2 foi concebido para promover a priorização e a integração da conservação e do uso sustentável da biodiversidade (transversalização) nas principais estratégias de planejamento e práticas dos setores público e privado, em nível nacional; e consolidar e fortalecer a capacidade institucional do país de produzir e disseminar informações e conceitos relevantes sobre a biodiversidade. São parceiros do projeto os ministérios do Meio Ambiente, da Saúde, da Ciência e Tecnologia e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, além do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a Embrapa, a Fiocruz e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FunBio), que organiza as parcerias com o setor privado. Então, trata-se de um projeto com um desenho complexo, em que cada um dos parceiros traçou uma missão para "transversalizar" a biodiversidade nos seus setores. O objetivo é que se transforme a experiência em políticas públicas e que o projeto auxilie o fortalecimento de instituições que venham a contribuir com esse processo.
Qual é a atuação da Fiocruz no projeto? Que tipo de inovação ele traz?
Márcia: Dentro do escopo do projeto na Fiocruz, identificamos que uma das questões centrais na relação entre biodiversidade e saúde é o avanço que as atividades humanas exercem sobre os ecossistemas naturais. Esse avanço gera uma série de desequilíbrios e problemas, como a simplificação dos ecossistemas, a perda de biodiversidade, a aproximação entre espécies em decorrência da fragmentação e do isolamento dos ambientes naturais, ou seja, várias situações que promovem a emergência de doenças. As doenças que antes estavam exclusivamente ligadas ao seu ciclo silvestre na natureza, agora acabam acometendo as pessoas.
Estamos montando uma rede capaz de suportar diagnósticos de forma confiável de maneira que as informações de qualidade que chegarem ao Ciss sejam cruzadas com dados ambientais. A ideia não é só ter um grande banco de dados; queremos também utilizar o geoprocessamento, correlacionando-o com as mudanças ambientais, para criar modelos de previsão da ocorrência de doenças. Serão modelos sentinela que nos mostrarão em qual momento se pode estar numa situação de risco, quando uma doença que circula no ambiente silvestre pode romper a barreira biológica e acometer humanos. Essa é uma contribuição institucional interessante. É esforço institucional, uma vez que contamos com a inestimável contribuição de pesquisadores que trabalham com o tema, temos unidades em todos os biomas brasileiros e queremos organizar essas informações.
A senhora comentou o envolvimento das unidades regionais da Fiocruz, mas quantos são os pesquisadores envolvidos no projeto?
Márcia: Hoje temos um núcleo pequeno, embora já tenhamos feito um levantamento em 2009 de todos os pesquisadores e especialistas envolvidos com o tema no Brasil, além de um workshop, onde reunimos 132 pesquisadores de 53 instituições de todo o país. Mapeamos o conhecimento e área de atuação desses pesquisadores e temos algo em torno de 39 mapas para publicação. Isso demanda um grande tempo e, principalmente, um consenso nas discussões, para agregar a experiência e expertise de cada um.
Este ano o Brasil sediará a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, cujo objetivo é assegurar um comprometimento político com o desenvolvimento sustentável e contará com a presença de chefes de Estado e de Governo. Que contribuição esse trabalho pode dar para a conferência?
Márcia: Essa demanda na qual estamos trabalhando não é apenas do Brasil, é uma demanda do mundo. Muitos dos nossos problemas, como a falta de organização das informações e a capacidade de diagnóstico rápido em animais no campo são problemas mundiais. Isso é interessante porque não estamos enfrentando algo que já foi superado pelos países do Primeiro Mundo; muito pelo contrário. Temos a possibilidade de agregar uma nova forma de organizar os dados. Nosso sistema de saúde é capilarizado em todos os municípios, o país é gigantesco, possuímos uma megabiodiversidade; portanto, se formos capazes de reunir todas essas informações teremos uma riqueza de dados muito relevante.
O foco da Rio+20 é rediscutir os caminhos de sustentabilidade, do desenvolvimento, e a gente percebe claramente que, para um país como o nosso, a conservação da biodiversidade tem que ser vista como geração de riqueza. Esse é o grande foco. Além disso, quando temos ecossistemas bem conservados, uma boa biodiversidade, o efeito é de diluição das doenças sobre as pessoas. Biodiversidade faz bem à saúde.
Publicado em 5/4/2012.