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01/04/2006

Substâncias químicas podem ser responsáveis por surdez no trabalho

Raquel Aguiar






Por muito tempo o excesso de ruído foi considerado o único responsável por problemas auditivos ligados ao ambiente de trabalho. Apesar de pesquisas iniciadas na década 1980 indicarem que a exposição a substâncias químicas como metais e solventes pode causar, de forma lenta e gradual, perdas auditivas irreversíveis, o assunto ainda é pouco discutido. A pesquisadora e mestranda do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) da Fiocruz, Andréa Pires de Mello, orientada por William Waissmann, alerta que a legislação trabalhista não considera este risco. "Existem limites máximos de exposição ao ruído, mas não há normas para a exposição a substâncias químicas no que se refere aos possíveis danos auditivos", explica. "É fundamental não apenas estabelecer limites de segurança para a exposição isolada a estas substâncias, como também para a exposição combinada ao ruído, muito comum em fábricas, que pode potencializar os danos auditivos".

A semelhança entre o tipo de perda auditiva causada por ruído e por substâncias químicas pode ser uma das razões para a negligência em relação ao assunto. "Nos dois casos, a perda auditiva é neurosensorial e gradativa, atingindo inicialmente as freqüências de som agudas", explica Andréa. "O quadro evolui para perdas em outras freqüências sonoras, inclusive aquelas em que se concentra a fala. Também é possível ocorrerem zumbidos, antes mesmo da perda auditiva". Enquanto a exposição ao ruído lesa apenas estruturas do ouvido, a perda auditiva causada por substâncias químicas compromete também o sistema neurológico ligado aos sentidos. Não existe tratamento medicamentoso ou cirúrgico para este tipo de perda auditiva e o único recurso é o uso de prótese, muitas vezes de difícil adaptação.

No Brasil, a legislação trabalhista fixa em 85 decibéis o limite diário de exposição para oito horas de trabalho e exige avaliação médica periódica para os trabalhadores expostos a ruído. No mundo, existem recomendações sobre os limites de exposição a substâncias químicas, mas não há legislações específicas. "Muitas substâncias químicas novas são introduzidas no mercado sem que sejam feitos testes para a toxicidade auditiva", observa a pesquisadora. "Além disso, numerosas substâncias usadas na indústria há décadas também não foram testadas". O problema levou à criação na Europa, no ano passado, de uma comissão chamada Noise-Chem, que se dedica a estudar os efeitos dos produtos químicos industriais no sistema auditivo.


A pesquisadora ressalta que produtos químicos e ruídos são responsáveis por diversas doenças, e não apenas por patologias auditivas. "O chumbo, por exemplo, tem efeito neurotóxico e os solventes podem causar encefalopatia", afirma Andréa. "Já o ruído contribui para o desenvolvimento de hipertensão, transtornos digestivos e do sono". A médica esclarece que o principal aspecto do estudo sobre a relação entre substâncias químicas e perdas auditivas é a reivindicação de melhores condições de trabalho. "A perda auditiva induzida pelo ruído é 100% evitável e no entanto só cresce. Nos Estados Unidos, é a doença relacionada ao trabalho mais comum. No caso das substâncias químicas, é necessário avaliar seu potencial tóxico para então estabelecer padrões seguros de exposição isolada e combinada ao ruído. É bom lembrar que, muitas vezes, a perda auditiva antecede outras doenças ligadas à exposição a substâncias químicas, atuando como uma espécie de sinalizador".

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