Início do conteúdo

20/07/2018

Suicídio na infância e adolescência: é preciso romper o silêncio

Everton Lima (IFF/Fiocruz)


O suicídio é uma ação voluntária e intencional de quem encara a morte como a única solução para cessar um sofrimento que se torna incontrolável. De acordo com informações disponíveis no site do Ministério da Saúde (MS), trata-se de “um fenômeno complexo que pode afetar indivíduos de diferentes origens, classes sociais, idades, orientações sexuais e identidades de gênero”. Dados divulgados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade em 2017 informam que, no Brasil, uma média de 11 mil pessoas tiram a própria vida por ano, sendo essa a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. No período de 2010 a 2015, uma análise identificou que os maiores índices de suicídio estão na Região Sul (23%), onde estão concentrados apenas 14% da população, enquanto o Sudeste concentra 38% dos suicídios e 42% da população do país.

A crescente preocupação com o tema fez a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelecer, no Plano de Ação em Saúde Mental, lançado em 2013, a meta de reduzir em 10% os óbitos por suicídio até 2020. Uma das medidas para alcançar tal objetivo é ampliar o serviço do Centro de Valorização da Vida, que já atende gratuitamente 23 estados. Pelo telefone (188), os cidadãos têm assistência, sob total sigilo, em momentos de crise e auxílio para prevenção ao suicídio. Somente em 2017, foram recebidas 2 milhões de chamadas, o dobro do registrado no ano anterior. Para abordar diversos aspectos do tema, como a cautela para lidar com os casos e a influência das redes sociais na ampliação do debate, o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (IFF/Fiocruz) convidou o pediatra e psiquiatra da infância e adolescência, Orli Carvalho.

IFF/Fiocruz: O suicídio tem relação com transtornos mentais?

Orli Carvalho: Existe uma vertente, mais da Biomedicina, de remeter o suicídio, enquanto desfecho, aos transtornos mentais, pois há uma lógica de que 90% dos casos teriam esses transtornos associados. Porém, não posso afirmar que todo mundo que comete suicídio estava doente em termos psiquiátricos. O que é possível dizer é que se trata de uma manifestação clara de sofrimento psíquico, uma confluência máxima de dor, perturbação e pressão.

IFF/Fiocruz: Como são analisados os casos?

Orli Carvalho: É complicado estabelecer uma linha causal para identificar os motivos pelos quais os eventos aconteceram, já que são multifatoriais e fenômenos complexos e pluridimensionais. Como sugere a Teoria de Causalidade Complexa, tudo pode ser causa e consequência, por isso é necessário agir com precaução ao acontecerem os casos e não ter pressa em responder às demandas de achar suas razões ou dar diagnósticos com rapidez.

IFF/Fiocruz: Qual o papel da mídia ao comunicar um caso?

Orli Carvalho: A Organização Mundial da Saúde (OMS) é muito clara em orientar como se deve noticiar um caso, evitando o destaque gráfico ao óbito, os detalhes sobre a vítima e os métodos utilizados, e privilegiando as informações sobre as possibilidades de prevenção e enfrentamento de novos casos, além do cuidado com os sobreviventes (posvenção). Os meios de comunicação têm grande abrangência, em especial, as redes sociais. Uma vez que esses veículos existem, não é pertinente bani-los, mas nos atentarmos para um bom uso deles.

IFF/Fiocruz: Você acredita que o tema deixou de ser encarado como um tabu?

Orli Carvalho: Tínhamos um silêncio que corroborava um tabu. Com o advento das redes sociais, o conhecimento sobre o suicídio é ampliado, mas a forma como as informações se espalham pode ser perigosa. No entanto, não podemos negar a relevância da internet, pois ela leva o assunto ao grande público, como aconteceu, recentemente, com o jogo Baleia Azul e a série 13 Reasons Why, que trouxeram a discussão para as escolas e para dentro das casas. Porém, tal como a morte, em nossa sociedade, o suicídio ainda é um tabu, ou um duplo tabu, por ser a morte autoprovocada.

IFF/Fiocruz: Que mecanismos você ressalta para a prevenção do suicídio?

Orli Carvalho: Na área da saúde, precisamos valorizar, principalmente, o atendimento de emergência e a Atenção Básica, que devem estar atentos àquelas que seriam as mais claras ou as primeiras manifestações de um sujeito em sofrimento. Em se tratando da pediatria, alterações no comportamento e funcionalidade global, como as diversas manifestações de agressividade, irritabilidade, queda do rendimento escolar ou desinteresse em atividades, até então, prazerosas, sinalizam à família, à escola e aos profissionais de saúde que a criança ou o adolescente não estão bem. Reconhecer, valorizar e conduzir adequadamente tais manifestações é uma etapa importante para tentarmos evitar comportamentos autolesivos como o suicídio.

Saiba mais:

Para ter acesso à campanha Saber, Agir e Prevenir, lançada pelo Ministério da Saúde em setembro de 2017, clique aqui. O objetivo da campanha foi reforçar a prevenção ao suicídio apesar de sua complexidade. Materiais informativos para o público em geral, jornalistas e profissionais de saúde contêm orientações como: onde procurar ajuda, quais são os sinais de alerta, o que podemos fazer e o que não podemos sob uma situação de risco de suicídio, entre outras informações relevantes.

A Associação de Psiquiatria do Rio de Grande do Sul (APRS), motivada pelas inúmeras notícias veiculadas na mídia e disseminadas nas redes digitais e aplicativos de mensagens sobre o Jogo da Baleia Azul e o seriado 13 Reasons Why, desenvolveu 13 orientações para a comunidade, no formato “mito” ou “verdade”, sobre suicídio na adolescência.

Voltar ao topo Voltar