Início do conteúdo

10/08/2006

Teco-teco quase fez derrubar torre do Castelo da Fiocruz

Ricardo Valverde


Chefe do Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz (COC), o arquiteto Renato da Gama-Rosa Costa é um estudioso da história da ocupação do campus da Fiocruz, no bairro de Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Renato é autor, com o também arquiteto da COC Alexandre José de Souza Pessoa, do livro Um lugar para a ciência: a formação do campus de Manguinhos, publicação coordenada por Benedito Tadeu de Oliveira. Os dois contam, em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), como se deu a ocupação urbana de Manguinhos, comentam os estilos arquitetônicos presentes no campus e lembram curiosidades históricas como o cais no qual desembarcavam pesquisadores que chegavam pela Baía de Guanabara e o episódio em que se pensou em demolir uma das torres do Castelo Mourisco que é o símbolo da Fundação. Renato e Alexandre participaram da equipe que organizou a Semana do Patrimônio, que promoveu palestras, mesas-redondas, exposições e homenagens pelos 106 anos da Fiocruz e os 20 anos da COC. A Semana do Patrimônio terminou nesta quinta-feira (01/06), quando o presidente Paulo Buss descerrou uma placa instalada na frente do Castelo. A placa dá detalhes sobre a construção (ver abaixo).










Ana Limp/Fiocruz




Alexandre e Renato ao lado da placa sobre o Castelo Mourisco

Agência Fiocruz de Notícias (AFN): Como ocorreram a ocupação e a evolução urbana do bairro de Manguinhos? O que existia no local antes da instalação do Instituto Soroterápico Federal?

Renato: Esta era uma região de mangues, daí o bairro onde está a Fiocruz ter ganhado o nome de Manguinhos em alusão a esta peculiaridade geográfica. A partir de 1870 a região da freguesia de Inhaúma - onde hoje está a Fundação - começou a passar por um processo de urbanização e foi loteada para fins residenciais. Surgiram também as linhas de trem, dando origem aos subúrbios. Como o Rio passava por uma profunda reestruturação urbana e grandes transformações no Centro da cidade, parte da população que morava nas áreas centrais se deslocou para a periferia. A parada do Amorim, ao lado do campus, foi oficializada como estação ferroviária em 1910, muito provavelmente para atender ao fluxo de operários que vinham construir os laboratórios de Manguinhos.

Alexandre: Antes disso, a fazenda que o governo Floriano Peixoto comprou em 1892, de Alexandrina Rosa de Carvalho, e que veio a sediar o Instituto Soroterápico Federal - e que deu origem à Fiocruz - já estava abandonada. O objetivo era instalar no local fornos para incinerar lixo. Mas em 1899 o Barão de Pedro Affonso optou por Manguinhos para instalar o Instituto.


AFN: Como os pesquisadores chegavam a Manguinhos antes da construção da Avenida Brasil?

Renato: A Avenida Brasil foi construída nos anos 40. Antes da avenida, alguns vinham nos trens da Leopoldina Railway. Outros chegavam por via marítima, porque havia um cais ao lado do que atualmente é o prédio da Expansão do campus, do outro lado da Avenida Brasil.


AFN: Por que construir um castelo em estilo neomourisco?

Renato: Oswaldo Cruz simpatizava com o estilo, que estava muito em voga na Europa a partir dos anos 40 do século 19. Parques, cafés, clubes, teatros, casas de banhos, salas de fumo e outras construções foram erguidas seguindo os traços neomouriscos. O arquiteto que idealizou o Castelo, Luiz Moraes Júnior, era português e teve vivência com o estilo na Europa e, dessa forma, procurava dar suntuosidade ao Palácio da Ciência... Essa estética neo-árabe também ficou conhecida como alhambrismo, já que tinha como símbolo maior o Palácio de Alhambra, em Granada, na Espanha. Cruz não esteve pessoalmente lá, mas conhecia por livro.


AFN: Quais as singularidades arquitetônicas do Castelo?

Renato: A mais significativa é justamente o estilo oriental, neomourisco. Moraes Júnior usou muito ferro na estrutura, pôs elevador, telefone e até luz - o que surpreende, porque a Light só passou a oferecer o serviço de luz elétrica em Manguinhos a partir de 1923.


AFN: Que estilos de construção podem ser encontrados no campus?

Alexandre: Vários. Entre eles, o eclético (formado por todo o conjunto histórico da Fundação), o proto-moderno (o prédio onde funcionou a Fundação Rockfeller), o moderno (o Pavilhão de Cursos do Instituto Oswaldo Cruz, com seus painéis de Burle Marx), o pós-moderno (a Biblioteca de Manguinhos), entre outros.


AFN: Durante estas mais de dez décadas de ocupação da antiga Fazenda de Manguinhos, algumas construções foram demolidas. Quais foram elas e por que foram abaixo??

Alexandre: Muitos prédios vieram abaixo. Entre eles estão o Aquário de Água Salgada, construído em 1915 e que tinha ligação direta com o mar e onde eram estudados microorganismos aquáticos. O aquário, em estilo art nouveau, perdeu suas funções depois da construção da Avenida Brasil, já que a ligação com a Baía foi interrompida. Em ruínas, foi demolido nos anos 60. A antiga Cavalariça foi demolida na década de 80 e o Hospital Torres Homem, incorporado à Fundação, desapareceu nos anos 90. Mas diversas outras instalações foram demolidas com o passar dos anos. Por outro lado, já em 1922 o então diretor do Instituto Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, lutava pela manutenção de um campo de futebol dentro do terreno da instituição.


AFN: Por que houve a proposta de demolir uma das torres do Castelo?

Renato: O extinto Aeroclube de Manguinhos, inaugurado em 1936, estava situado em frente ao Pavilhão Mourisco. Os dirigentes do aeroclube alegavam que as torres do Castelo atrapalhavam os treinos de pilotagem, e chegaram a propor à direção do Instituto Oswaldo Cruz (antecessor da Fiocruz) a demolição das torres. Mas felizmente a solicitação foi rechaçada.


Leia mais:


Voltar ao topo Voltar