06/11/2012
Informe Ensp
Com o objetivo de analisar a dinâmica dos espaços públicos de saúde, segundo os referenciais da promoção da saúde e seus desdobramentos, a pesquisadora Inês Reis, do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), defendeu a tese Espaços públicos invisíveis: perdas e conquistas na promoção da saúde. O trabalho de doutorado foi realizado no Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e defendido neste ano. Segundo Inês, esta pesquisa aponta para a importância do desenvolvimento de novos estudos sobre técnicas de baixo custo e alta eficácia no fortalecimento de espaços públicos, reconhecendo as relações do agir em conjunto, que motivem a participação e a multiplicação de saberes dos usuários. Ela aborda ainda a crise que os Centros de Saúde Escola de todo o país vêm sofrendo. Confira, abaixo, entrevista com a pesquisadora.
Como nasceu a ideia do estudo sobre este tema e qual foi seu foco principal?
Inês Reis: Esta tese foi motivada por mais de 20 anos de experiência e estudos voltados para a saúde pública. Ela retrata a busca por compreender e enfrentar alguns aspectos expressos na questão social, que persistem e crescem em um mundo globalizado, em especial no Ocidente. O vínculo com a promoção da saúde contribuiu para a preocupação em associar as salas de espera dos serviços de saúde pública no Brasil a funções educativas e humanitárias. Deve-se pensar o uso deste espaço não somente como um paliativo para ocupação do tempo, mas sim como um espaço público de expressão das relações do agir em conjunto fundamentado na pluralidade, liberdade, transparência, diálogo, solidariedade, e na educação cidadã conscientizadora e transformadora. Que seja construído participativamente com base na troca de saberes técnicos e populares para o incentivo à cidadania e ao bem comum.
Os objetivos do trabalho foram previamente pactuados com a gestão do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da Ensp e estão relacionados com a análise da dinâmica dos espaços públicos de saúde. Seus objetivos foram desenvolvidos segundo os referenciais da promoção da saúde e seus desdobramentos, estudando as correlações entre os conceitos, as políticas públicas e a práxis no espaço público na Atenção Básica de Saúde (ABS), buscando identificar caminhos que incentivem o aproveitamento do espaço público da ABS como promotora de saúde, de práxis institucional, profissional, acadêmica e científica. Como o campo empírico foi estudar os Centros de Saúde Escola do Brasil, descobriu-se inesperadamente que muitos destes estavam em crise. Então, incluiu-se também o objetivo de buscar entender aquela realidade, fato que tem gerado amplos debates na área e entre os profissionais dos centros.
Qual a relevância desta temática para o trabalho cotidiano dos Centros de Saúde Escola?
Inês: A sala de espera no sistema de saúde brasileiro tem uma grande dimensão social quando se considera que os cidadãos que nela circulam costumam pertencer a camadas de menor poder aquisitivo, morar em locais com precária infraestrutura e condição de vida. Além disso, normalmente, eles apresentam dificuldade de acesso às informações e ao exercício da cidadania.
Em pesquisa bibliográfica feita no Banco de Dissertações e Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), desde sua criação em 1987, e na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), o resultado encontrado apontou a invisibilidade da sala de espera como um espaço público de educação transformadora, de promoção da saúde na condição de possibilidade de enfrentamento dos determinantes sociais de saúde. As salas de espera expõem a questão social, a organização institucional e as relações de poder. Os cidadãos são portadores de direitos e deveres a serem respeitados e garantidos. Logo, é um imperativo ético que eles sejam acolhidos. Portanto, devem-se criar oportunidades que favoreçam a comunicação, a participação, a educação para a saúde, o exercício da cidadania e até a capacitação para geração de renda, como já fizemos no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria/Ensp.
Como se deu o desenvolvimento da pesquisa?
Inês: A pesquisa de campo foi quali-quantitativa. Nela foram utilizados multimétodos de coleta de dados (visita de campo, entrevista individual e em grupo, entrevista telefônica, validação de questionário por e-mail, diário de campo, fotografia e filmagem dos locais visitados). O estudo foi realizado em todos os Centros de Saúde Escola (CSE) do Brasil relacionados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), entre 2009 e 2010. Total de 17 unidades, incluindo o CSEGSF/Ensp. Ao todo, foram entrevistados 91 cidadãos, sendo 24 gestores, 35 profissionais de saúde e 32 usuários. A seleção dos usuários foi aleatória nos três CSE visitados, e dos gestores e profissionais foi por meio de informante-chave. Alcançou-se mais do dobro de entrevistas pretendidas, surpreendendo a adesão à pesquisa.
A pesquisa já apontou resultados? Quais os principais encontrados?
Inês: A pesquisa chegou a resultados inéditos, pois realizou o primeiro levantamento sobre os CSE do Brasil. Descobriu-se que 59% dos CSE do Brasil estavam em crise na fase de coleta de dados, e 18% deixaram de levar o nome “escola”, embora todos continuassem a receber alunos. Isso foi um dado inesperado. Apresentou o perfil dos CSE relacionado à infraestrutura, instalações, organização da demanda espontânea e agendada, serviços prestados, atendimentos individuais e em grupo, equipe profissional, carga horária dos trabalhadores, vínculo empregatício e política de desenvolvimento de recursos humanos, tempo de espera pelo atendimento e, ainda, uma avaliação dos usuários das três unidades visitadas. Verificou-se que 74% dos CSE tinham sites. Sendo analisados seus conteúdos, percebemos que alguns poucos faziam agendamento on-line.
A pesquisa identificou a percepção de gestores, profissionais de saúde e usuários sobre o conceito “Promoção da Saúde” e quais práticas correlacionam a educação à promoção da saúde. Mesmo tratando-se de centros formadores para o SUS, os resultados apontaram que a mudança de modelo ainda é um processo em construção frente às teorias, cartas e políticas nacionais e internacionais da Promoção da Saúde. A tese trouxe, ainda, três figuras inéditas sintetizando todas as principais cartas internacionais de promoção da saúde; esquema lógico do SUS; e esquema metodológico de pesquisa quali-quantitativa.
Você poderia falar sobre a crise dos CSE e como ela acontece?
Inês: Antes de começar a pesquisa de campo, verificou-se uma mudança entre o CNES no ano de 2009 e 2010: três Centros de Saúde Escola foram municipalizados e perderam o nome “escola”– um deles foi informado sobre esse fato durante a entrevista. A partir disso, resolveu-se acrescentar uma pergunta aos gestores sobre a manutenção dos Centros como unidade escola. O resultado encontrado foi que 59% dos CSE estão em crise na fase de coleta de dados.
Os depoimentos colhidos durante a pesquisa mostram algumas razões para esta crise. Eles apontam que: 76% dos treze Centros de Saúde Escola foram criados antes da existência do SUS, ou seja, antes da proposta de municipalização da Atenção Básica de Saúde. Há ausência de discussão sobre o papel dos CSE na rede de saúde, pois o Ministério da Saúde, nos últimos anos, vem priorizando a implantação da Estratégia da Saúde da Família (ESF), trazendo mudanças significativas para a organização da Atenção Básica e a consequente redundância entre CSE, ESF e Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf). A existência de uma disputa pela partilha da responsabilidade na manutenção dos CSE, uma vez que as instituições de ensino se interessavam por atividades em campos de ensino e pesquisa, acabava custeando o atendimento à população. E isto deveria ser assumido pelo município, acarretando assim uma disputa pela gestão do processo; a existência de relações trabalhistas desiguais para os mesmos cargos e responsabilidades, oriundas do incentivo à terceirização de mão de obra da Equipe de Saúde da Família, a ampliação de campos de estágio para outras unidades que tinham ESF. E o agravamento da situação quando há interferência político-partidária nas decisões.
Os achados reforçaram que as instituições de ensino precisam de serviços com infraestrutura e profissionais tecnicamente preparados, além de necessitar de regularidade e abertura para receber um quantitativo expressivo de alunos e pesquisadores. Isto não vinha ocorrendo com alguns convênios municipais, gerando insegurança no meio acadêmico. Os dados apontaram ainda que, a priori, os serviços não estavam preparados para receber alunos e as Secretarias Municipais de Saúde não tinham como prioridade a valorização do ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Nem todo profissional tinha perfil e/ou desejava ser preceptor, agravado pelo fato de que sua produção era centrada principalmente no quantitativo assistencial, sem tempo para as demais atividades.
Portanto, acredito que esta crise precisa ser enfrentada pelo bem da população, dos gastos públicos e do fortalecimento eficaz de uma rede-escola.
Esta tese já apresentou resultados? Eles apontam novas perspectivas?
Inês: Os dados encontrados apontam para a importância do desenvolvimento de novos estudos sobre técnicas de baixo custo e alta eficácia no fortalecimento de espaços públicos, reconhecendo as relações do agir em conjunto que motivem a participação e a multiplicação de saberes dos usuários.
Desenvolver atividades educativas transformadoras, em especial em sala de espera, exige técnicas especificas. Portanto, esta tese mostra lacunas que precisam ser enfrentadas e, considerando a nossa missão institucional, este é um campo fértil para a pesquisa, o ensino e o desenvolvimento de tecnologias de práticas relacionadas à promoção da saúde, que possam ser replicados, utilizando as multimídias presenciais e virtuais. Outro aspecto importante é trazer para o debate a busca de soluções conjuntas do papel dos CSE no fortalecimento da formação de recursos humanos para o SUS.
Como os resultados deste estudo se relacionam com o trabalho desenvolvido no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da Ensp/Fiocruz?
Inês: Verificou-se que o trabalho desenvolvido na sala de espera do nosso Centro de Saúde Escola, desde o início dos anos 2000, foi um trabalho de vanguarda e, até hoje, inédito. Por isso, defendo que ele precisa ser recuperado como atividade permanente, como mais uma estratégia da Atenção Primária de Saúde para o enfrentamento dos Determinantes Sociais da Saúde, fortalecendo a população usuária do SUS e contribuindo para a qualificação dos profissionais de saúde.
Os gestores envolvidos no estudo destacaram a necessidade do fortalecimento do compromisso das unidades com o ensino-pesquisa-serviço-comunidade, e a proximidade entre o processo de trabalho e a formação profissional focada tanto nos cursos técnicos quanto nos de graduação e pós-graduação.
Eles indicaram também a importância de parcerias sólidas para o SUS, em que os vínculos dos profissionais dos Centros de Saúde Escola não estão à mercê de momentos políticos. A rede-escola está em formação, e a ausência de Centros de Saúde Escola poderá prejudicar a qualidade do ensino e da pesquisa enquanto a rede-escola não se estruturar. Além disso, a demanda da população está reprimida e há trabalho para todos.
Uma ampla discussão coordenada por instância federal, com avaliação e monitoramento deste processo de transição, pode ser frutífera para o SUS. A fala de um dos gestores envolvidos no estudo exemplifica muito bem isso quando ele afirma que “o Centro de Saúde Escola é um desafio e constrói a Reforma Sanitária que temos de enfrentar e redirecionar. Isso porque seu papel não pode deixar de ser assumido. Se puder ampliar essa discussão para outros Centros de Saúde Escola, será melhor ainda, pois o Ministério da Saúde poderia assumir isso. A discussão está isolada e se perdendo. Será bom se a Fiocruz ficar à frente disso”.
A direção do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria/Ensp/Fiocruz está discutindo a possibilidade da realização de uma oficina com os demais Centros de Saúde Escola para buscarmos caminhos resolutivos para estas questões abordadas.
Publicado em 6/11/2012.