Já identificada em mais de 100 países, a dengue acomete, anualmente, de 50 a 100 milhões de pessoas no mundo. A doença é causada por quatro sorotipos de vírus – DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 –, sendo que a presença simultânea de dois ou mais deles no mesmo ambiente aumenta os riscos de complicações como a febre hemorrágica. Nesse contexto, o estudo das modificações sofridas pelo RNA viral torna-se essencial para compreender seu comportamento e evolução. Pesquisadores da Fiocruz compararam, pela primeira vez, milhares de seqüências genéticas do vírus da dengue descritas ao redor do mundo em busca de pistas sobre as áreas que mais sofreram mutações (polimorfismos) e o que isso pode indicar sobre a patogenicidade dos diferentes sorotipos do vírus.
|
O mosquito inocula o vírus no corpo humano por meio da sua saliva (Arte: TDR/OMS) |
Mais de três mil seqüências foram extraídas do banco de dados público do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL). Os passos seguintes foram identificar uma seqüência completa de cada sorotipo do vírus para tomar como referência, comparar com as outras para averiguar as áreas que sofreram mutações e, por fim, determinar a taxa de polimorfismos. Entre as regiões do RNA viral investigadas, destacou-se a que se relaciona com a RNA polimerase, enzima que catalisa a síntese do material genético do vírus.
“Observamos que o vírus DENV-2 apresentou uma taxa de mutação, em média, duas vezes maior que a dos outros tipos e até quatro vezes maior que a do DENV-1”, descreve o geneticista Nicolas Carels, coordenador do projeto e pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz. “É interessante notar também que, como as seqüências que comparamos vêm do mundo inteiro, os resultados apontam para o comportamento desse sorotipo em nível global. O DENV-2, em comparação aos outros tipos, tem mais capacidade de sofrer mutações e gerar novas cepas virulentas”.
A conseqüência é que o esforço no desenvolvimento de uma vacina contra a dengue, por exemplo com a utilização de vírus atenuados, tende a ser vencido mais rapidamente pelo DENV-2. “Como a maior variabilidade entre os tipos está associada à maior taxa de mutação observada, é possível pensar que, em um contexto seletivo, maior mutabilidade possa ser relacionada com maior virulência e adaptabilidade”, explica Carels.
Agora, a equipe do IOC trabalha na modelagem molecular da polimerase do DENV-2 para investigar o que pode ter sido afetado em sua estrutura e que proporcionou as elevadas taxas de polimorfismo. O trabalho está sendo desenvolvido em parceria com o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), de Petrópolis, e a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), em Ilhéus (BA).