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18/02/2020

Transferência de renda pode aumentar cura para hanseníase

Fiocruz Bahia


O maior estudo de acompanhamento individual de pessoas com hanseníase do mundo gerou novos resultados: a adesão ao tratamento aumenta em cerca de 22% e a cura em 26% quando a pessoa com hanseníase é beneficiária do Programa Bolsa Família. Entre crianças menores de 15 anos, este efeito é ainda maior: a adesão ao tratamento e a cura da hanseníase aumentam em cerca de 55% se a criança faz parte de uma família beneficiária do programa. Esses achados foram publicados na edição de fevereiro da revista científica The Lancet Infectious Diseases, uma das mais conceituadas no mundo na área de saúde.

O estudo liderado pela pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) Júlia Pescarini mostra que pessoas com hanseníase diagnosticadas enquanto estão recebendo a transferência de renda condicionada têm uma chance aumentada de realizar todo o tratamento, que dura até um ano. Além disso, estar em uma família que recebe o benefício amplia as chances do indivíduo (adulto ou criança) se curar.

Para obterem resultados, os pesquisadores analisaram os dados individuais de pessoas com diagnóstico de hanseníase entre 2007 e 2014. No total, foram analisadas 11.456 pessoas recém diagnosticadas com hanseníase. Desses, 8.750 que receberam o benefício do Bolsa Família foram comparados com o restante das pessoas que não receberam.

Além do Cidacs, o estudo contou com a participação de pesquisadores da London School of Hygiene & Tropical Medicine e Health Data Research, no Reino Unido, do Instituto de Saúde Coletiva e do Instituto de Matemática Estatística da Universidade Federal da Bahia, da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília (UnB) e da Fiocruz Brasília.

Efeitos

O estudo liderado por Pescarini, pesquisadora do Cidacs e doutora em epidemiologia pela Universidade de São Paulo (USP), mostra que geralmente a adesão e a cura da hanseníase variam de acordo com a forma da doença. Na forma paucibacilar (até cinco lesões) o tratamento dura entre seis e nove meses e a proporção de indivíduos que se curam é maior. Já quem desenvolve a forma multibacilar (mais de cinco lesões) pode ficar um ano ou mais recebendo a medicação, o que aumenta as chances de abandonar o tratamento. Na pesquisa, os autores encontraram que o efeito do Programa Bolsa Família parece ser mais evidente quanto mais longo é o tratamento.

Além disso, o estudo indica que as condições socioeconômicas (baixa renda, falta de informação e a habitação precária) são consolidadas cientificamente como determinantes para desenvolvimento, tratamento e cura da hanseníase, ou mesmo ter sequelas permanentes desencadeadas pela doença.

“Nesse sentido, o efeito do programa Bolsa Família pode estar associado ao fato de que famílias beneficiárias possuem maior segurança alimentar e que as crianças incluídas no programa precisam cumprir certas condicionalidades. Isso inclui alta adesão escolar e ir com frequência ao Posto de Saúde para o monitoramento do crescimento e para cumprir o calendário de vacinação, o que gera mais exposição aos serviços de saúde”, explica Pescarini.

Além disso, a autora sugere que o beneficio de renda do programa pode colaborar para redução dos gastos indiretos do tratamento, como deslocamento até o posto de saúde, o que melhoraria a adesão ao tratamento da hanseníase.

Estudos anteriores

O estudo realizado no Cidacs faz parte da Coorte de 100 Milhões de Brasileiros – uma plataforma de pesquisa do Cidacs que avalia o impacto de políticas sociais usando os dados do Cadastro Único para Programas Sociais a partir de cruzamentos com diversos sistemas de informações em saúde. Para este estudo, os pesquisadores analisaram bases de dados com informações individuais de 33 milhões de pessoas que utilizaram algum benefício social entre 2007 e 2014, dos quais quase 24 mil eram pessoas com a enfermidade. O tamanho da amostra com dados individuais torna esse o maior estudo já realizado sobre o tema.

No ano passado, o grupo de pesquisadores publicou outros achados sobre o tema, como os fatores socioeconômicos que elevam a possibilidade de o indivíduo desenvolver hanseníase: as chances dobram quando há ausência de renda, escolaridade e/ou condições inadequadas de habitação. Além disso, a magnitude do estudo permitiu que, pela primeira vez, pudessem ser analisados critérios étnicos com precisão. Após ajustadas todas as outras características, a análise indicou que pessoas autodeclaradas pretas e pardas são mais propensas a ter a doença do que as brancas.

Outros dados encontrados mostram que o risco de uma criança contrair hanseníase na região Norte do Brasil é 34 vezes maior do que no Sul. Moradores do Norte ou Centro-Oeste têm de cinco a oito vezes mais chances de contrair a doença, sendo o Nordeste a terceira região de incidência. O risco de hanseníase é 40% maior nas pessoas em situação de pobreza em relação a indivíduos com renda acima de um salário mínimo.

Hanseníase

A hanseníase é uma doença crônica e infectocontagiosa causada pela Mycobacterium leprae, e atinge, ainda hoje, 200 mil pessoas, sendo que a cada dez novos casos no mundo, um acontece no Brasil, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS). No Brasil, em 1976 foi determinado o uso da palavra hanseníase para se referir a doença, pelo estigma que a denominação lepra causava aos pacientes. Todo o tratamento é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de forma totalmente gratuita a todos os pacientes diagnosticados.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que uma vez confirmado o caso, o paciente deve começar imediatamente o tratamento medicamentoso: a poliquimioterapia (PQT) com antibióticos, cuja duração varia segundo a forma clínica da doença, a idade do paciente e sua tolerância ao medicamento.

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