21/07/2021
Javier Abi-Saab (Agência Fiocruz de Notícias)
O conceito da segurança sanitária global precisa mudar; atualmente ele está relacionado com a proteção das fronteiras nacionais ao invés de proteger os indivíduos e garantir o acesso universal à saúde. Esta afirmação foi feita pela professora de assuntos internacionais Sakiko Fukuda-Parr, da New School, de Nova York, durante o seminário avançado Tratado internacional sobre pandemias ou sobre saúde global? que ocorreu nesta quarta-feira (21/7) e foi organizado pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz (Cris/Fiocruz).
Para Sakiko, existe um pensamento predominantemente militar que privilegia a securitização, os interesses e as respostas nacionais quando deveria ser priorizada uma resposta coletiva global. “Este paradigma é marcadamente colonial, centrado nas preocupações das grandes potências do Norte frente a supostas ameaças de novas doenças que teriam origem na Ásia, África e América Latina”, afirmou a professora, para quem o tratado internacional sobre pandemias seria uma oportunidade para mudar descolonizar este paradigma fazendo surgir um outro focado na segurança humana universal.
O contexto histórico do tratado internacional sobre pandemias foi oferecido por Paulo Buss, coordenador do Cris/Fiocruz e mediador da mesa. Buss explicou que, a resolução 74.7 da Assembleia Mundial de Saúde criou, em maio de 2021, um grupo de trabalho para o fortalecimento da preparação e resposta da OMS frente a emergências sanitárias. Esse grupo de trabalho deve apresentar a proposta de um tratado cuja abrangência é debatida pelos especialistas. Para Buss, uma das grandes questões é se o mesmo estará limitado ao setor saúde ou se servirá para avançar numa percepção mais ampla de saúde que envolva, entre outras coisas, os determinantes sociais, econômicos e ambientais da saúde.
O acadêmico em saúde e justiça Eric Friedman, da Universidade de Georgetown, defendeu a proposta de um tratado cuja abrangência faça cumprir o direito à saúde. “Se bem o tratado da pandemia pode ajudar, ele ficaria limitado a ela e à sua não expansão. Devemos buscar responder às causas raízes e às inequidades, focando na co-responsabilidade, participação e transparência dos diversos atores”. Friedman enfatizou que o tratado é uma oportunidade de engajamento para a sociedade civil e finalizou levantando o que considera uma pergunta fundamental: “queremos que o legado da Covid-19 seja apenas uma abordagem mais efetiva para evitar efeitos devastadores de outras pandemias, mas voltando a um mundo com ainda mais fome, desigualdade e falta de acesso à saúde; ou podemos fazer melhor?”.
O representante do South Centre de Genebra, Vitor Ido, enfatizou que o tratado deve reforçar o papel da OMS, organização que desde sua criação sofre com esforços explícitos de alguns estados-membros para enfraquecê-la. “A pandemia nos lembra mais uma vez a fragilidade da OMS e que ela não tem os mecanismos para cumprir suas normas e diretrizes”, disse Ido apontando que essa incapacidade e desordem podem não ser casuais e sim orquestradas por um movimento que busca o enfraquecimento da organização em benefício de interesses particulares. Para o pesquisador, existem certas tentativas de debater o tratado da pandemia praticamente ignorando as questões que afetam o sul global, incluindo o modelo de financiamento da saúde, o problema da propriedade intelectual e o acesso à tecnologia.