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10/03/2015

Um manifesto em defesa da equidade em saúde

Fernanda Marques / Ascom Editora Fiocruz


“A equidade na saúde e na assistência à saúde não tem sido plenamente alcançada nos últimos anos. Ainda que, em muitos sistemas de saúde, a equidade seja declarada como um objetivo importante, em vários deles, ela tem sido pouco concretizada no âmbito das políticas adotadas.” É com esse alerta que os professores Di McIntyre, da Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul), e Gavin Mooney, da Universidade Curtin (Austrália), iniciam a apresentação da coletânea Aspectos Econômicos da Equidade em Saúde, originalmente publicada pela Cambridge University Press e agora disponibilizada para o leitor de língua portuguesa pela Editora Fiocruz. No livro, os autores fazem uma profunda crítica à globalização neoliberal e apontam alternativas. “Todos os autores oferecem sugestões positivas de como a equidade em saúde poderá testemunhar um futuro mais positivo. Há esperança”, concluem os organizadores.

Para começar, em vez de fornecerem uma definição de equidade, McIntyre e Mooney preferem problematizar o conceito. Equidade se refere à igualdade de acesso ou à igualdade de uso para necessidades iguais? Afinal, uma oportunidade igual de utilização não necessariamente se traduz numa igualdade efetiva de uso. E, mesmo que fosse possível responder inequivocamente a essa questão, muitas outras surgiriam. O que é uma necessidade? Necessidade é apenas associada à doença ou também à prevenção? A equidade é em saúde, em nível social mais amplo, ou na assistência à saúde, considerados particularmente os serviços? A equidade é horizontal, ou seja, tratamento igual de iguais, ou ela é vertical, isto é, tratamento desigual, porém equitativo, de desiguais?

“É flagrantemente injusto que pessoas com os mesmos problemas sejam tratadas de maneiras diferentes. É isso que tem impulsionado a maioria das políticas de equidade na assistência à saúde, pelo menos em relação à prestação dos serviços. Ao mesmo tempo, tratar igualmente pessoas que são desiguais também é injusto, porém é uma injustiça mais complicada”, lembram McIntyre e Mooney. Estabelecer os parâmetros da diferença e definir os critérios de prioridade não é uma tarefa fácil e envolve subjetividades. “Como quer que se defina a equidade, ela não será a mesma em todos os países, culturas ou sociedades. É improvável que exista uma definição universalmente válida”, destacam os organizadores.

Existe, portanto, uma dimensão cultural que precisa ser levada em conta, até porque “é possível que os melhores defensores da equidade sejam os cidadãos”. Entretanto, a equidade vertical enfrenta uma resistência política. “Em termos políticos, é difícil defender a equidade vertical, que é, em essência, uma forma de discriminação positiva. Ela envolve de maneira mais explícita e em maior grau a redistribuição de recursos dos sadios para os doentes e, quase com certeza, dos ricos para os pobres. Nos últimos anos, especialmente com a disseminação do neoliberalismo e seu apoio ao Estado mínimo, poucos governos se dispuseram a usar o sistema tributário para promover essa redistribuição. O crescimento do setor privado exacerbou os problemas”, avaliam McIntyre e Mooney.

Os organizadores são bastante críticos ao neoliberalismo, considerado prejudicial à saúde e aos sistemas de saúde. E colocam o desafio: “não sendo o neoliberalismo, será o quê?”. Defendem, pois, mecanismos de redistribuição de recursos e benefícios, com ênfase no financiamento e fornecimento públicos de um leque de serviços sociais, especialmente educação e saúde. Reconhecem, porém, as resistências para um desenvolvimento equitativo. “Não há dúvida de que os membros da sociedade que correm o risco de sair perdendo num sistema de saúde redistributivo, como os grupos de renda mais alta e os prestadores de serviços de saúde privados, hão de se opor aos esforços de alteração do status quo”, lembram.

Para fazer frente aos obstáculos, o livro reúne rica argumentação e estimula o debate sobre a equidade em saúde, com o objetivo de que ela deixe de ser apenas retórica nas políticas de saúde. A hora é mais do que oportuna para esse debate. “No momento em que se aproxima uma data emblemática, na qual se definirão a Agenda do Desenvolvimento pós-2015 das Nações Unidas e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) – processo no qual a equidade é evocada por representantes de alguns Estados-membros e largamente pela sociedade civil global –, nada mais oportuno que se debruçar sobre as reflexões conceituais e sobre os casos que nos proporcionam os autores dos 11 capítulos que constituem esta publicação”, avalia o coordenador geral do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), Paulo Buss, que assina a orelha do livro.

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