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24/05/2005

Vermes do gênero Echinostoma são encontrados em múmia brasileira

Adriana Melo


Os exames das fezes de uma múmia encontrada no vale do rio Peruaçu, no norte de Minas Gerais, mostraram a presença de ovos do verme Echinostoma sp. É a primeira vez que esses helmintos são encontrados em coprólitos (fezes fossilizadas). É também o primeiro registro de infecção por vermes do gênero Echinostoma em humanos na América do Sul. O estudo faz parte de um projeto da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), que há mais de 20 anos procura definir a origem, emergência e desaparecimento de doenças infecto-parasitárias na América pré-colombiana. O objetivo é descobrir quais doenças já existiam aqui e quais foram introduzidas no período colonial.


No Brasil existem 25 espécies do gênero Echinostoma que parasitam hospedeiros vertebrados, em geral carnívoros, mas nenhuma delas está adaptada ao parasitismo no homem. Isso levanta a hipótese de que a infecção humana teria sido introduzida no Novo Mundo no período pré-colombiano - a múmia estudada viveu entre 600 e 1.200 anos atrás - e por algum motivo teria desaparecido sem deixar vestígios. Não seria a primeira vez que uma doença some espontaneamente. O verme Dracunculus medinensis, por exemplo, veio ao Brasil junto com os escravos africanos, chegou a ser comum no Nordeste e desapareceu por razões desconhecidas.


Os coprólitos analisados foram retirados da cavidade pélvica e do reto de um corpo mumificado naturalmente, encontrado em uma cova de formato oval junto com outras cinco múmias. A região onde estavam as múmias fica dentro da Área de Preservação Ambiental das Cavernas do Peruaçu e tem vegetação típica de cerrado. Para ocorrer a mumificação natural, é necessário haver a perda rápida de água, o que é favorecido pelo clima seco. Regiões de clima seco e frio - como os Andes, o Alasca e a Sibéria - ou de clima seco e temperatura variando entre muito frio e muito quente - como é o caso do norte de Minas Gerais - são os locais onde são encontradas mais freqüentemente as múmias.


Para examinar os coprólitos, primeiro é necessário reidratá-los. Para isso é utilizada uma solução fisiológica de trifosfato de sódio. Depois as fezes são observadas ao microscópio. "Os ovos de helmintos são identificados por exames de morfologia e de morfometria", explica o paleoparasitologista Adauto Araújo, que orientou a aluna Luciana Sianto na pesquisa. "Por serem muito semelhantes fisicamente, ovos de algumas espécies só são diferenciados pelo tamanho. Eles são fotografados digitalmente e depois comparados a ovos de vários vermes por meio de um programa de computador. Assim, definimos que se tratavam de ovos do gênero Echinostoma".


Não foi possível identificar a espécie de verme a que pertencem os ovos. A equinostomíase é uma doença comum em alguns países da Ásia, onde afeta humanos. O parasitismo é geralmente assintomático, mas quando a carga parasitária é grande pode causar cólicas intestinais e diarréia. A contaminação se dá pela ingestão de peixes, rãs ou moluscos (hospedeiros intermediários do helminto) contaminados e mal cozidos. Na Ásia a infecção é causada principalmente por E. ilocanum, cujos ovos têm o mesmo tamanho e são morfologicamente idênticos aos encontrados nos coprólitos - apesar disso, é muito pouco provável que estes pertençam àquela espécie. Outra espécie, E. luisreyi, recentemente descoberta em um molusco no Brasil, também tem ovos semelhantes.


Além dos ovos de Echinostoma também foram encontrados nos coprólitos ovos de ancilostomídeos, popularmente conhecidos como "verme do amarelão". Esses parasitas já haviam sido encontrados em coprólitos e são comuns no Brasil até hoje. Mas sua presença em fezes da época pré-colombiana levanta uma outra questão: como são vermes que têm parte do ciclo de vida livre - ou seja, para se desenvolver precisam passar algum tempo no solo - não poderiam ter sido trazidos para a América pelos primeiros homens que vieram da Ásia atravessando o Estreito de Behring. Não resistiriam ao frio. Isso sugere uma outra via de colonização do continente ou, pelo menos, o contato dos homens que viviam aqui com outros povos antes da chegada dos europeus.


O estudo dos coprólitos também pode revelar outras informações sobre os povos antigos. São freqüentemente encontrados nos coprólitos pólen, sementes e ossos de animais que dão pistas sobre a alimentação dessas populações. No caso das múmias de Minas Gerais, fibras e grãos de amido indicam que a mandioca fazia parte da dieta. Também foram descobertos tecidos de uma planta, provavelmente da família Myrtaceae, a mesma da pitanga, além de ossos de peixe. "Sabemos que era um povo agricultor, que cultivava seus alimentos. Também comiam peixes e caramujos", diz Araújo.



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