Início do conteúdo

10/08/2006

Veterinária comenta lei que pode proibir pesquisas com animais

Pablo Ferreira













Ana Limp/Fiocruz


A veterinária Yara Barreira Salem está no Brasil para contribuir com o desenvolvimento de procedimentos operacionais e de biossegurança em biotérios, junto ao curso de biossegurança em biotérios da Escola Politécnica de Saúde da Fiocruz e os procedimentos de operação do futuro Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS) que está sendo implementado pela Fiocruz. Considerada uma das maiores autoridades em biotérios de experimentação no mundo, Yara está acostumada a ver ações de ONGs e demais organizações no enfrentamento ao uso de animais em pesquisa na Europa. Em sua opinião, os confrontos entre defensores de animais e cientistas é fruto da falta de informação dos primeiros e resistência em divulgar seu trabalho de modo claro pelos segundos. A Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro está para votar novamente um projeto de lei - vetado pelo prefeito e que retornou ao Legislativo - que impede a experimentação animal.


Yara é doutorada pelo Instituto Nacional Politécnico de Toulouse, França. É pesquisadora junto ao Inserm (sigla em francês para Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica), também na França, e recentemente foi laureada com o Grand Prix Inserm, prêmio que recompensa o conhecimento destacado em Boas Práticas Laboratoriais e em Biotérios de Experimentação.


Agência Fiocruz de Notícias (AFN): Qual a importância da experimentação animal?

Yara Barreira: É através dela que conseguimos evoluir do ponto de vista científico. Achar medicamentos e vacinas para tratar e fazer a terapêutica de Humanos e animais.


AFN: Qual a conseqüência de uma possível proibição do uso de animais em experiências?

YB: Retardaria muito o desenvolvimento científico. Talvez num só no futuro possamos diminuir drasticamente o uso de animais nos experimentos científicos. Aliás, hoje em dia já temos vários métodos alternativos (cultura de células e diagnóstico por imagem e etc) e sofisticados com matemática e estatística, evitando ao máximo a utilização de animais, mas chega um momento que apesar de todos esses métodos não podem substituir o organismo vivo. Por isso somos obrigados, para estudar um mecanismo de funcionamento de uma doença ou de uma medicação, a utilizar um número mínimo de animais.


AFN: A senhora tem acompanhado a situação sobre experimentos com animais no município do Rio?

YB: Cheguei há pouco, mas soube que há possibilidade de se aprovar uma lei municipal pedindo a proibição total do uso de animais em experimentação cientifica.


AFN: E qual sua análise sobre a situação?

YB: Parece-me que essa proposta de lei é muito extremista por prever a proibição total do uso de animais. Até o dia que tivermos outros métodos para substituição de animais, é impossível realizar experimentos sem eles. Uma proibição total significaria um enorme retardo na evolução científica e no número de futuros medicamentos ou vacinas, com conseqüências muito negativas. Mas tenho certeza que essa lei será modificada até chegarmos a um ponto comum entre o extremo que proíbe completamente o uso de animais e outro que é sua utilização sem controle. O ideal é uma lei de âmbito nacional que permita o uso de animais dentro de uma situação muita bem controlada.


AFN: A senhora tem conhecimento de algum país ou lugar onde a experimentação animal tenha sido completamente proibida?

YB: Não. Na Inglaterra se busca ao máximo alternativas ao uso de animais, mas mesmo lá ainda se faz experimentos com animais. Infelizmente não existe lugar no mundo onde se consiga substituir totalmente seu uso.



AFN: Como é a situação na França?

YB: Por fazer parte da Europa, a França baseou-se em diretivas européias que foram traduzidas para o direito de cada país. Lá há uma legislação que existe desde 1986 que regulamenta o uso dos animais, a formação dos profissionais que com eles trabalharão e suas instalações.



AFN: Na França existe uma lei nacional?

YB: Sim. E essa lei trata da formação de profissionais e técnicos. Todos os pesquisadores que vão trabalhar com animais são obrigados a se especializar nisso. Essa formação é nacional e ministrada pelas escolas de veterinária. Permite ao pesquisador ter uma autorização para trabalhar com animais, tendo que renová-la de cinco em cinco anos.


AFN: A senhora poderia comentar as atividades da associação de proteção aos animais de Brigitte Bardot?

YB: A associação de Bardot é a mais bem organizada sob o ponto de vista jurídico na França. Porém ela não trata só da experimentação animal. Atualmente, aliás, ela se preocupa muito mais com o maltrato aos animais sob o ponto de vista econômico, como a matança das focas na Antártida para fazer peles ou tudo que é utilizado na parte de cosméticos ou produtos de beleza, mesmo a Fundação Bardot já reconhece que em algumas situações é imperativo o uso de animais.


AFN: Bardot mais atrapalha ou contribui para o uso de animais em experimentos?

YB: No início ela atrapalhava, agora ela contribui, já tendo, inclusive, visitado vários biotérios pelo país. Hoje em dia, na França, toda instituição tem sua comissão de ética no uso de animais em experimentações e todas essas comissões, sejam elas de laboratórios privados, sejam de instituições públicas, sempre têm um representante de organizações da sociedade civil.


AFN: O que mudou a postura de Bardot?

YB: O conhecimento. Temos medo daquilo que não conhecemos e quando temos medo, nos tornamos agressivos. A partir do momento que ela travou conhecimento e se informou melhor sobre o uso de animais, a relação dela com a comunidade científica melhorou muito. Essa melhora também contou com a colaboração da comunidade científica que se abriu para o debate. A sociedade não conhece a experimentação animal, então tem medo e desconfia do que ocorre nos laboratórios. Principalmente quando os cientistas trabalham fechados e não comunicam aquilo que fazem. Aí se pensa que há algo a esconder. A partir do momento que se trabalha com qualidade e mostra-se o que se faz, com precisão e correção, a situação muda. Ninguém faz experimentação com animais por prazer. Não se torturam animais em laboratórios, isso não existe. Assim, é importantíssimo que a comunidade científica divulgue o que faz nos laboratórios. Para isso é preciso, por exemplo, trabalhar em associação com advogados e jornalistas, que poderão prestar desde uma assessoria jurídica até ensinar como se portar em uma coletiva ou se comunicar com a sociedade.


AFN: A experimentação em animais também pode ser benéfica para os próprios animais, não?

YB: Onde trabalho, 80% da experimentação animal é feita para o homem. Porém, 20% do volume dessa experimentação se destina à medicina veterinária, para desenvolver medicamentos para animais. Além disso, em alguns casos, sobretudo para os pequenos animais de companhia, como cães e gatos, os animais beneficiam-se daqueles 80% de experimentação utilizados para o homem, pois os médicos veterinários utilizam uma quantidade enorme de medicamentos humanos para os animais. Conseqüentemente, a experimentação utilizada para os humanos acaba por também servir indiretamente aos animais.





AFN: Quais são as condições ideais de vida para animais destinados à pesquisa?

YB: Onde trabalho, os pesquisadores costumam dizer que nosso biotério é um hotel cinco estrelas, porque eles, pesquisadores, não têm o luxo que os animais têm. Estes vivem com temperatura controlada, música ambiente, têm brinquedinhos, não se pode falar alto perto deles para não estressá-los. Inclusive, certamente nossos animais são muito mais bem tratados que muitos cães e gatos que sofrem traumas e maus tratos de proprietários, que batem, que espancam, que prendem os bichos em correntes.


AFN: Recentemente, a Fiocruz convidou os 50 vereadores da Câmara Municipal do Rio de Janeiro para visitar seus biotérios, mas apenas três compareceram. A senhora não crê que essa postura dos políticos seja prejudicial?

YB: É natural que numa primeira etapa muitos não se sintam implicados, não querem entender ou se envolver porque provavelmente pensam ser um problema negativo. Mas espero que os três que vieram divulguem com os colegas o que ocorre aqui dentro. A melhor maneira de combater a ignorância é a abrir os biotérios para visitas e explicar como se trabalha lá. Depois que esse intercâmbio passa a ser uma rotina, as coisas ficam muito mais fáceis.


AFN: De 1 a 10, que nota a senhora dá aos biotérios de experimentação da Fiocruz?

YB: Os biotérios de experimentação animal são ótimos! Creio ser a elite do país, sinceramente eu daria 10. Visitei-os ano passado e não há nenhum problema, têm padrão internacional. Posso dizer que não deixam nada a desejar aos europeus. Até brincando com o pessoal daqui, quando venho dar palestras, costumo dizer que deveríamos mudar de assunto, pois o que irei ensinar?


AFN: A senhora tem animal de estimação?

YB: Tenho um gato que adoro. Eu tinha três, mas dois morreram de velhice, infelizmente.

Voltar ao topo Voltar