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02/02/2023

Aldeia Koyakati: Fiocruz contribui com implantação de agroflorestas

Bel Levy (ArticulaFito/Fiocruz)


A castanha-do-Pará, espécie nativa da Amazônia ameaçada de extinção, é hoje símbolo de conservação ambiental e de recuperação de áreas degradadas na Aldeia Koyakati, localizada na Terra Indígena Mãe Maria, em Bom Jesus do Tocantins, na região Sudeste do Pará. Ao lado de árvores de andiroba, açaí, café, banana, urucum, jenipapo, jucá, mogno brasileiro, mogno africano, cupuaçu, marmelo, margaridão e bacaba, ela compõe sistemas agroflorestais criados e mantidos por mais de 300 indígenas da etnia Gavião Kykatêjê com o apoio do projeto ArticulaFito – Cadeias de Valor em Plantas Medicinais, uma iniciativa da Fiocruz em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). A experiência gerou artigos científicos publicados na Revista Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia e nos anais do 12º Congresso Brasileiro de Sistemas Agroflorestais.

Aldeia Koyakati, localizada na Terra Indígena Mãe Maria, em Bom Jesus do Tocantins, na região Sudeste do Pará (foto: Pedro Gorender / ArticulaFito)

 

A coordenadora técnica e executiva do projeto ArticulaFito, Joseane Costa, explica que a implantação de Unidades de Experimentação Agroecológica (UEA) em territórios indígenas é uma das ações desenvolvidas para promover o fortalecimento da cadeia de valor das amêndoas de castanha-do-Pará, mapeada pelo ArticulaFito no maior diagnóstico do potencial produtivo de plantas medicinais já realizado no Brasil. “O fomento a cadeias de valor nos territórios é estratégico para promover a segurança alimentar, a conservação ambiental, a geração de trabalho e renda e a promoção da saúde de populações vulnerabilizadas, como os povos indígenas”, afirma Joseane.

A partir da metodologia Value-Links-Biodiversidade, desenvolvida pela Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ, na sigla em alemão), o projeto ArticulaFito realizou o diagnóstico participativo de 33 cadeias de valor em plantas medicinais, aromáticas, condimentares e alimentícias, envolvendo agricultores familiares, extrativistas, representantes da indústria, do comércio e de instituições públicas, além de nossa equipe técnica. “Nesse processo, elaboramos coletivamente as visões de futuro das cadeias de valor e identificamos os problemas e as oportunidades para concretizá-las. No caso da cadeia de valor da amêndoa da castanha-do-Pará, que tem o povo indígena Gavião Kykatêjê em sua base produtiva, a redução dos castanhais, a escassa assistência técnica especializada, a falta de capacitação e o baixo nível de organização produtiva foram os principais gargalos identificados. Para superá-los, traçamos um plano de ação que inclui, entre outras estratégias, a implantação de sistemas agroflorestais que contribuam com a preservação e expansão dos castanhais, a conservação ambiental, a valorização dos saberes tradicionais e o engajamento dos membros da comunidade no extrativismo sustentável da castanha-do-Pará, uma prática ancestral dessa etnia”, resume Joseane.

Homologada pelo Governo Federal em 20 de agosto de 1986, a Terra Indígena Mãe Maria é descrita pelo Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil como a mais densa e conservada do Sudeste do Pará, porém, está ameaçada pelo arco do desmatamento e marcada por graves conflitos socioambientais. Em uma área de 62.488 hectares localizada entre os municípios de Marabá e Bom Jesus do Tocantins, no Pará, a oeste do rio Flexeiras e a leste do rio Jacundá, vivem pelo menos 700 habitantes, organizados em três grupos indígenas integrantes do povo Gavião: Gavião Akrãtikatêjê, Gavião Kykatêjê e Gavião Parkatêjê (foto: Pedro Gorender / ArticulaFito)
 
 

O trabalho de implantação de agroflorestas na Terra Indígena Mãe Maria teve início em outubro de 2021, com a realização de uma oficina de capacitação sobre o tema conduzida pela articuladora regional do ArticulaFito no Sul e Sudeste do Pará, a engenheira agrônoma Keylah Borges, em parceria com o Ideflor-Bio e a Escola Estadual Mê Akre Koyakati, localizada na Aldeia Koyakati. “A interação dos saberes técnicos e tradicionais promove ações sustentáveis, de acordo com as demandas de cada território, considerando o solo, os materiais locais, a cultura e tradição das comunidades.Todas as etapas do projeto, do mapeamento das cadeias de valor à elaboração e execução dos planos de ação para cada uma delas, são desenvolvidas de forma participativa, com o protagonismo de agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais que estão nas bases produtivas desses sistemas”, destaca Joseane.

A articuladora regional do ArticulaFito na região Sul e Sudeste do Pará explica que o processo de implantação dos sistemas agroflorestais ocorre de forma combinada à capacitação dos membros da comunidade indígena, com atividades teóricas e práticas pensadas em conjunto com a Escola Estadual Mê Akre Koyakati. “Durante as oficinas de capacitação, a equipe técnica do projeto; o cacique Ropré Kwyktykre Kwykti Homprynti; o diretor, o corpo docente e os alunos da escola da aldeia conversam e encontram, juntos, as melhores estratégias para todos os processos. Assim, todas as espécies implantadas foram escolhidas de acordo com o interesse dos indígenas”, informa Keylah.

“As oficinas de capacitação do ArticulaFito são sempre muito proveitosas. Aprendemos como se cultivam as plantas, o que devemos colocar nas sementes para protegê-las de insetos, como regar, como colher... São aprendizados importantes para a nossa comunidade, que já estamos colocando em prática, para que num futuro próximo essas plantas não faltem mais em nosso território”, avalia o diretor da Escola Estadual Mê Akre Koyakati, Deuzimar Tarracanã Karajá. 

Até o momento, a Aldeia Koyakati já conta com dois tipos de Unidades de Experimentação Agroecológica (UEA): um Sistema Agroflorestal Biodiverso (SAF Biodiverso) e um Módulo de Enriquecimento da Mata com Castanha-do-Pará (Eflora). “O primeiro combina as espécies de árvores e de arbustos plantados pela iniciativa às já existentes na região, de forma integrada a cultivos agrícolas e à criação de animais. O segundo consiste na capacitação em enriquecimento da floresta nativa, com ênfase no fortalecimento do extrativismo da castanha-do-Pará e do cupuaçu, bem como na inclusão do mogno brasileiro, espécie florestal em extinção. O enriquecimento do bosque é uma estratégia para a restauração florestal de uma área já muito explorada. O mogno brasileiro é uma espécie em extinção e a castanha-do-Pará e o cupuaçu, além de alimentos, são tradicionalmente usados no cuidado à saúde”, descreve Keylah. 

Joseane conta que o povo Gavião é reconhecido pela autonomia na organização de suas atividades produtivas e na gestão de suas terras e pelo manejo sustentável da castanha-do-Pará, o que tem garantido o seu sustento econômico até hoje. “A Terra Indígena Mãe Maria é historicamente afetada pelos modelos de desenvolvimento da região, como a construção de barragens, hidrelétricas, hidrovias, rodovias, ferrovias, terminais portuários e aeroportos, que geram impactos socioambientais como alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território; assoreamento de recursos hídricos; desmatamento; queimadas; irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental; inundações e enchentes; invasões e danos a áreas protegidas e unidades de conservação; poluição atmosférica, sonora e dos recursos hídricos. Nesse contexto, os danos à saúde são evidentes: acidentes dos mais variados tipos, desnutrição, falta de atendimento médico, insegurança alimentar e piora na qualidade de vida”, aponta. 

Processo de implantação dos sistemas agroflorestais ocorre de forma combinada à capacitação dos membros da comunidade indígena (foto: Pedro Gorender / ArticulaFito)

 

A pesquisadora explica que o projeto ArticulaFito atua na perspectiva da Saúde Coletiva – e da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990) - em que alimentação, moradia, saneamento básico, ambiente, trabalho, renda, educação, atividade física, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços essenciais são inseparáveis. “Nossos principais objetivos são promover a saúde de agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais e a sua inclusão social e produtiva por meio do fortalecimento das cadeias de valor em plantas medicinais, aromáticas, condimentares e alimentícias mapeadas pelo projeto. Dessa forma, todas as nossas ações estão alinhadas ao Programa Bioeconomia Brasil-Sociobiodiversidade e à Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, dentre outras políticas nacionais e locais”, conclui a coordenadora técnica e executiva do ArticulaFito.

Saiba mais sobre sistemas agroflorestais:

Oficina de Capacitação Virtual do ArticulaFito: Produção de Plantas Medicinais em Sistemas Agroflorestais
 
 

Oficina de Capacitação Virtual do ArticulaFito: Sistemas Agroflorestais na Prática

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