Em 20 de janeiro de 2023 o Ministério da Saúde (MS) decretou estado de emergência para combater a falta de assistência sanitária que vem atingindo os yanomamis, em Roraima. Pouco antes, a revelação da tragédia chocou o Brasil e o mundo. Fotos de indígenas subnutridos, esquálidos e enfermos causaram indignação e expuseram a total negligência e o descaso com que esse povo originário – mas não somente os yanomamis – foi tratado nos últimos anos, por parte das autoridades que deveriam protegê-los, apesar das numerosas denúncias de desassistência e abandono feitas aos órgãos estatais e aos veículos de imprensa. Vítimas da extração de madeira e do garimpo ilegais em seu território, os yanomamis sofrem com os efeitos do solo e da água contaminados, da floresta devastada e da disseminação desenfreada de doenças levadas pelos forasteiros.
Foto: Iago Barreto (Fiocruz Ceará).Este especial da Agência Fiocruz de Notícias sobre Saúde Indígena apresenta algumas das ações e pesquisas de diversas unidades da Fiocruz em relação aos yanomamis e outros povos originários, faz um balanço do contexto histórico da crise e aborda a importância da decretação da emergência sanitária. Estudos focam o estado nutricional de crianças yanomamis e analisam como está a saúde dos pequenos indígenas.
Outros estudos mostram que a população indígena tem uma proporção menor de pessoas com esquema vacinal completo (48,7%) do que não-indígenas (74,8%) e ainda que crianças indígenas têm 14 vezes mais chances de morrer por diarreia. Esse risco é 72% maior para crianças pretas em comparação com brancas. Em função desse quadro grave, um projeto vai examinar a qualidade de amostras de água para consumo humano nas aldeias, com o objetivo de reduzir a incidência de doenças e a mortalidade infantil.
Um artigo descreve o contexto de criação e a atuação do Serviço de Proteção ao Ìndio (SPI), primeiro órgão criado pelo governo brasileiro dedicado às causas indígenas, em 1910. De acordo com o texto, “negligente, Estado foi, por vezes, conivente com práticas que aniquilaram indígenas". Também ganha destaque um projeto da Fiocruz que amplia o conhecimento sobre os efeitos das plantas medicinais utilizadas para o tratamento da tuberculose pelas etnias guarani e kaiowá.
Na área da educação, o Especial aborda um curso para profissionais de saúde de regiões indígenas, que também produz materiais educativos, e outro que prepara para o Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia. O curso será oferecido pela primeira vez a indígenas da região de fronteira do Alto Solimões, no segundo semestre de 2023.
Foto: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
O Especial apresenta um projeto que busca fortalecer ações de reflorestamento, agricultura e cuidado em saúde em territórios indígenas do Nordeste e gera criação de uma plataforma de conteúdos audiovisuais. O material conta ainda com links para publicações que podem ser baixadas gratuitamente e recursos como vídeos e galeria de imagens, que trazem um pouco mais d0 cotidiano dos povos originários, historicamente relegados ao desemparo, à exploração e ao preconceito.
Consta deste especial a ação institucional da Fiocruz até aqui e as novas perspectivas de colaboração da Fundação na resposta a essa grave crise sanitária. Um glossário destaca alguns dos tópicos mais importantes em relação à vida dos povos indígenas.
A Terra Indígena Yanomami foi oficialmente demarcada em 1991 e homologada e registrada em 1992, garantindo assim aos indígenas o direito constitucional ao uso exclusivo de 96.650 quilômetros quadrados localizados em Roraima e no Amazonas. Os yanomamis são um grupo de aproximadamente 30 mil indígenas – destes, cerca de 5 mil são crianças – que vivem em cerca de 250 aldeias na Floresta Amazônica, na fronteira entre Venezuela e Brasil. Compõem-se de quatro subgrupos: yanomae, yanõmami, sanima e ninam. Cada subgrupo fala uma língua própria e juntas formam a família linguística yanomami.
Foto: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
O etnônimo “yanomami” foi produzido pelos antropólogos a partir da palavra “yanõmami”, que na expressão “yanõmami thëpë” significa “seres humanos”. Essa expressão se opõe às categorias “yaro” (animais de caça) e “yai” (seres invisíveis ou sem nome), mas também “napë” (inimigo, estranho, não-índio).
Até o fim do século 19 os yanomamis mantinham contato apenas com outros grupos indígenas vizinhos. No Brasil, os primeiros encontros diretos de grupos yanomamis com representantes da fronteira extrativista local (balateiros, piaçabeiros e caçadores), bem como com soldados da Comissão de Limites e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) ou viajantes estrangeiros, ocorreram nas décadas de 1910 a 1940.
Foto: ONU.
Entre os anos 1940 e meados dos anos 1960, a abertura de alguns postos do SPI e, sobretudo, de várias missões religiosas, estabeleceu os primeiros pontos de contato permanente. Estes postos constituíram uma rede de polos de sedentarização, fonte regular de objetos manufaturados e de alguma assistência sanitária, mas também, muitas vezes, origem de graves surtos epidêmicos (sarampo, gripe e coqueluche). Uma das muitas tragédias que se abateram sobre os povos indígenas desde o início da colonização e que, agora, mais uma vez se repete. Não foi por falta de aviso.
Texto: Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)
07/02/2023.
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