O arquiteto e pesquisador do Departamento de Patrimônio Histórico da Casa de Oswaldo Cruz (DPH/COC) Renato Gama-Rosa dará uma aula teórica no Departamento de Arquitectura de uma das mais antigas instituições de ensino do mundo, a Universidade de Coimbra (edifício do Colégio das Artes). O tema da aula – marcada para 5 de novembro – será Dos Sanatórios: Galerias de Cura / expressão de modernidade construtiva e faz parte de seu pós-doutorado naquela instituição, intitulado Projetos para saúde: arquitetura sanatorial no Brasil e em Portugal. Segundo Gama-Rosa, a aula integra a disciplina Projecto V – Arquitectura e Memória: Reciclagens Urbanas de Paulo Providência, tutor de seu pós-doutorado na universidade, a mais antiga de Portugal – foi fundada em 1290. O pesquisador do DPH/COC explica que foi convidado para falar sobre o tema da arquitetura sanatorial, dando enfoque nas galerias de cura como espaço de expressão da modernidade. Gama-Rosa acrescenta que vai aproveitar para tocar no tema da preservação do patrimônio da saúde, já que a disciplina fala de memória e de reciclagens urbanas.
Pesquisador foi convidado para falar sobre o tema da arquitetura sanatorial, dando enfoque nas galerias de cura como espaço de expressão da modernidade. Foto: Hospital João de Almada
Na aula, ele pretende abordar, sobretudo, os sanatórios construídos no período do Estado Novo brasileiro (1930-1945) e português (1926-1974), quando este tipo de arquitetura procurou responder ao tratamento das tuberculoses pulmonar e óssea, oferecendo os espaços das galerias de cura para a recuperação dos doentes.
“Os autores dos projetos tiraram partido desses espaços tornando-os a expressão da modernidade em arquitetura”, destaca. Especialista em História da Arquitetura e Urbanismo, Renato Gama-Rosa revela, também, que, no Brasil, esse período privilegia a atuação da equipe de arquitetos e engenheiros da Divisão de Obras do Ministério da Educação e Saúde e, em Portugal, dos arquitetos ligados à Assistência Nacional aos Tuberculosos (ANT).
“Desses arquitetos portugueses, destaco Vasco Regaleira, autor do projeto de construção de sanatórios distritais por todo Portugal. Dos 9 projetados, consegui achar ao menos três deles construídos e funcionando como hospitais: o Sanatório de Viseu, o D. Manuel II, de Vila Nova de Gaia e o João de Almada, do Funchal, Ilha da Madeira”, revela ao se referir às pesquisas já realizadas sobre o tema.
A obra de Regaleira (1897-1968) destacou-se, fundamentalmente, durante o período do Estado Novo. Mas, ele também atuou na chamada arquitetura religiosa, sendo responsável pelos projetos de vários destes edifícios nas décadas de 1940 e 1950, em Portugal continental e nas áreas ultramarinas, trabalhando dentro de um idioma tradicionalista/historicista consonante com o estilo oficial do Estado Novo (Português Suave).
Renato Gama-Rosa Costa graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e fez doutorado em Prourb pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e no Institut d’Urbanisme de Paris. Em seu trabalho, o pesquisador atua, principalmente, nos temas: Rio de Janeiro, história, arquitetura e urbanismo, patrimônio cultural, arquitetura de instituições de saúde-história e história urbana.
De acordo com os organizadores do evento na Universidade de Coimbra, nas últimas décadas, cresceu de modo significativo, tanto no Brasil quanto em Portugal, as coletas documentais e os estudos de caso em torno de construções de sanatórios, por parte de investigadores em Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas. Simultaneamente, as ações de preservação da “arquitetura da saúde” vêm ganhando fôlego, através de entidades e instituições públicas preocupadas com a sua conservação e proteção, como, por exemplo, o DOCOMOMO - uma organização não-governamental, com representação em mais de quarenta países, fundada em 1988, na cidade de Eindhoven na Holanda. Atualmente, o DOCOMOMO está sediada em Barcelona (Espanha), na Fundació Mies van der Rohe, e é um organismo assessor do World Heritage Center da Unesco, órgão das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura.
Em 2004, a ação conjunta da Direção de Arquitectura e do Patrimônio no Ministério da Cultura e da Comunicação e do Centro de Altos Estudos de Chaillot (França) promoveu a primeira Jornada dedicada à História e à Reabilitação dos Sanatórios para Tuberculosos construídos entre as duas grandes guerras. Na América Latina, destacam-se as ações promovidas pela Rede História e Património Cultural da Saúde. No Brasil, a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) coordena a Rede, em parceria com outras instituições nacionais e internacionais.
Resultado dessa iniciativa, e com apoio do laboratório farmacêutico Pfizer do Brasil, a COC lançou a coleção “História & Patrimônio da Saúde”, com livros publicados pelas Editoras Manole e Fiocruz, abrangendo 150 anos (1808-1958). O objetivo é realizar um levantamento do patrimônio arquitetônico-histórico de hospitais, outras instituições de assistência médica e de institutos de pesquisa científica. Entre 2011 e 2012, foram lançados os volumes “História da Saúde” dedicados à Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina. Em 2008 a editora Fiocruz já havia lançado uma edição dedicada ao Rio de Janeiro.
Além da questão patrimonial, os sanatórios revelam uma forma de projetar de extrema complexidade e que, para Beatriz Colomina, teria influenciado a própria arquitetura do século 20, moldada pela obsessão médica com a tuberculose. Em destaque nessas arquiteturas está a função terapêutica das galerias de cura, espaços estruturados anteriormente em ferro e que ao utilizarem o betão armado (uma mistura que visa preencher a forma de uma estrutura dando-lhe resistência) adquiriram a expressão mais autêntica e francamente moderna a ponto de merecer especial referência dos historiadores da arquitetura.
Na avaliação dos especialistas da universidade portuguesa, a pesquisa comparada entre exemplos no Brasil e em Portugal poderá trazer luz sobre novas leituras da modernidade, e permitirá reconsiderar um conjunto de sanatórios, construídos nas décadas de 1930 e 1940, injustamente esquecidos pelos historiadores da arquitetura “moderna”.