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12/02/2015

Artigo avalia a imagem do Brasil nos relatos de viagens do comandante FitzRoy do HMS Beagle

Amanda de Sá


O que mais irritou o comandante britânico Robert FitzRoy em sua passagem pelo Brasil, descrita em seus relatos de viagens, foi a escravidão. Para ele, o tratamento dispensado aos negros escravizados era terrível, um indício do atraso civilizacional dos sul-americanos católicos, com péssimas consequências ao Brasil. FitzRoy, seguidor da corrente religiosa da Grã-Bretanha conhecida como humanitarianism - que defendia o tratamento igualitário de todos os seres humanos -, acreditava que a escravidão estava associada a duas decadências: moral e econômica. A visão do capitão do HMS Beagle sobre o país foi tema do artigo do historiador Gabriel Passetti, publicado na Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). 

Vista da montanha do Corcovado feita pelo comandante FitzRoy (imagem retirada do artigo)

 

Conforme apontou Passetti, o Brasil não era o foco principal dos serviços de mapeamento encomendados a FitzRoy e à equipe de engenheiros cartógrafos do Beagle. Entretanto, sua posição destacada na rota rumo ao Pacífico levou o almirantado a solicitar algumas cartas náuticas específicas: Salvador, Abrolhos, Cabo Frio, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Foi sobre esses locais que o comandante escreveu em seu relato de viagem e discorreu para estabelecer sua análise e construir uma linha interpretativa sobre a América do Sul e os sul-americanos.

Em sua passagem por Salvador, FitzRoy contrapôs a inacreditável natureza à sensação horrorosa do aportar na cidade, mantendo-se crítico e hostil ao desenho urbano, ao caos portuário, ao calor e à população negra e mulata seminua e muito distante de seus padrões idealizados de beleza e postura.

Catedral do Rio de Janeiro por FitzRoy (imagem retirada do artigo)

 

No Rio de Janeiro, o comandante aumentou a crítica. FitzRoy chegou a cidade um ano após a crise que levou à abdicação de dom Pedro I, momento em que a instabilidade política e social na capital – e nas províncias – ainda era latente. Seu relato sobre o Rio também tinha tom de decepção: “Poucos estrangeiros visitam a capital do Brasil sem se desapontar, ou mesmo enojar. Numerosos negros seminus desfilando por ruas estreitas – vistas e cheiros ofensivos em uma população nativa incivilizada e feia.”

Já em Santa Catarina, Robert enxergou o espírito empreendedor rejeitado, em sua análise, no restante do Brasil. Para ele, aquele era o exemplo de que era possível fazer o país prosperar – moral, econômica e civilizacionalmente – com o fim da escravidão, a abertura do país à imigração e a uma nova cultura do trabalho.

O objetivo das narrativas de FitzRoy, segundo o historiador, não era o de estabelecer crítica ampla às populações pobres e às cidades, mas sim contrapor esses “brancos dos trópicos” com outros brancos, os britânicos em seu Império em expansão. Para o comandante, uma característica marcante dos países da América do Sul visitados era a instabilidade social e política, sendo a escravidão a raiz de todos os problemas. Na opinião do capitão, a prática afetava o mundo do trabalho, as relações pessoais e familiares, a moral, a sociedade como um todo, levando a desigualdades sociais, à pobreza e à péssima exploração das riquezas naturais e das potencialidades humanas.

Segundo Passetti, os relatos dos viajantes eram bastante lidos no século 19. Junto com as descrições de locais e povos, vinham imagens sobre o atraso, a barbárie e a ineficiência. Escritos por membros das elites para seus semelhantes, esses textos, conforme explicou o historiador, reforçaram determinadas concepções de mundo e legitimaram a expansão da dominação europeia.

FitzRoy não foi o único comandante britânico a escrever sobre o Brasil. No entanto, foi exemplar e muito lido, tendo se tornado referência internacional sobre a navegação no extremo sul da América, requisitado para auxiliar na organização de viagens de outros países, como os Estados Unidos. Outros seguiram análises distintas sobre a sociedade, a política e a economia vistas, mas os escritos de Robert foram bastante disseminados.

De acordo com Pessetti, não é possível afirmar que todos os viajantes entenderam o que viram de forma semelhante, até porque vinham de origens sociais distintas. Aspectos pessoais, convicções políticas e religiosas interferiam diretamente no olhar e na forma de escrever. FitzRoy foi um desses viajantes, porém sua singularidade, na opinião do historiador, foi de relevante impacto entre seus contemporâneos – na Marinha e na política.

Leia na íntegra o artigo O Brasil no relato de viagens do comandante Robert FitzRoy do HMS Beagle, 1828-1839.

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