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10/03/2015

Aula inaugural da Fiocruz discute o papel das políticas de publicação

Carolina Landi


Repensar o papel das políticas de publicação para que a ciência possa se tornar uma importante ferramenta de transformação para a cidadania. Essa foi a premissa da Aula Inaugural da Fiocruz, realizada na manhã de hoje (10/3), no auditório do Museu da Vida, no campus de Manguinhos, no Rio de Janeiro. O evento, cujo tema foi Ciência, sociedade e política de publicação, teve como conferencista a pesquisadora do Centro de Pesquisas em Geografia Ambiental da Universidade Autônoma do México, Hebe Vessuri - pioneira nos estudos sociais de ciência na América Latina e doutora em Antropologia Social pela Universidade de Oxford, na Inglaterra.


A aula inaugural do ano letivo da Fiocruz em 2015 teve como tema Ciência, sociedade de política de publicação (Foto: Peter Ilicciev)
 

O contexto de mudanças e transformações também marcou os discursos de abertura do evento, que contou com a presença do Presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha; da vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Nísia Trindade Lima, da presidente da Asfoc/SN, Justa Franco; do coordenador dos Programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Capes, Guilherme Werneck, e do doutorando Hermano Albuquerque, coordenador da Associação de Pós-Graduandos (APG) da Fiocruz.

Hermano Albuquerque abriu a sessão falando sobre o papel da APG na Fundação para garantir os direitos e benefícios dos pós-graduandos. Criada em 2012, a Associação conta com 11 membros de diferentes unidades (Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS)) e possui cinco linhas de atuação: articulação interna e externa, apoio à publicação, redes sociais (“para dialogar e descobrir novas demandas dos alunos”, conforme ressaltou o doutorando) e assistência. “Construímos ciência junto com os pesquisadores, mas com menos direitos. Cuidamos desde questões como habitação, alimentação e transporte, à atenção à saúde e reajuste de novas bolsas”, explicou. “É preciso repensar o papel do pós-graduando, que é um híbrido – já passou da fase de estudante, mas ainda não é um pesquisador. Não por acaso, nossa chapa foi ´desculpe o transtorno, estamos em reforma’.

“É muito importante essa troca entre alunos e pesquisadores”, endossou a presidente da Asfoc, Justa Franco, após uma saudação pelo Dia das Mulheres Troca essa que, para o coordenador das Pós-Graduações em Saúde Coletiva da Capes, Guilherme Werneck, considera fundamentais para que as mudanças no processo de produção científica sejam implementadas. De acordo com Werneck, a Fiocruz detém 15% dos cursos de pós-graduação em Saúde Coletiva do país, o que torna o debate fundamental para a avaliação e mudança de “um sistema ultrapassado que não reflete as atuais necessidades de pesquisa”.

Citando a chapa da APG/Fiocruz, “Desculpe o transtorno/Estamos em reforma”, a vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Nísia Trindade Lima, afirma que a aula reflete o momento atual da Fiocruz, no sentido de repensar a avaliação. “A Presidência está bastante engajada nesse movimento, com fóruns e espaços de discussão”.

O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, convidou a pensar que tipo de ciência a Fundação pode devolver para a sociedade, uma vez que “a Fiocruz tem um papel central em pensar temas sensíveis ao futuro do país”, e destacou as ações de ensino, pesquisa e formação em conjunto com o Ministério da Saúde. “A formação de recursos humanos para o SUS tem sido pouco objeto de reflexão. Hebe Vessuri sempre foi uma grande referência. A ciência se coloca como um desafio na dimensão da cidadania e para o debate das políticas públicas de saúde”.

Lançamento do Portal de Periódicos e homenagens

Após a abertura, a programação seguiu com o lançamento do Portal de Periódicos científicos da Fiocruz, projeto reúne num único endereço virtual todas as publicações produzidas pelas diferentes unidades da Fundação, como parte da Política de Acesso Aberto da Fundação e democratização da ciência. Foi exibido um vídeo com depoimentos dos editores das revistas científicas reunidas no espaço virtual. Ao final da exposição, Jaime Benchimol e Hooman Momen receberam placas de homenagem pelo trabalho à frente das publicações História, Ciências, Saúde – Manguinhos e Memórias do IOC, respectivamente.

Excelência versus qualidade

A exposição de Hebe Vessuri, que tem contribuído para o surgimento e consolidação do campo de estudos sociais da ciência e tecnologia na América Latina e a criação de programas de investigação e formação avançada em vários países, foi marcada por uma crítica aberta à competição científica. Ela abriu a conferência defendendo as mudanças de indicadores de qualidade, que hoje são realizadas pelo número de citações publicadas e a noção de excelência. “A intenção da ciência deveria ser a melhoria da qualidade de vida do cidadão. Isso não vai acontecer se existir apenas a competição intensa”, destacou.

Hebe Vessuri criticou a falta de reconhecimento das publicações científicas latino-americanas (Foto: Peter Ilicciev)
 

Além de limitar a ciência a um grupo restrito, Vessuri acredita que os parâmetros atuais de avaliação desestimulam a criatividade e a originalidade nos temas de pesquisa, pois seriam escolhidos apenas os que se “enquadram” à publicação. “Ser visto significa ser aceito pelo ‘clube de elite’, onde a entrada é ‘monitorada e controlada’. Nesse ‘clube de elite’, as publicações latino-americanas nascem em desvantagem pela “barreira” do idioma (espanhol e português). As revistas nacionais e locais devem lutar para ser reconhecidas”. Os efeitos dessa política de avaliação, segundo a pesquisadora, é deixar de fora questões importantes como, para citar o campo da saúde, as doenças negligenciadas.

Para Hebe Vessuri, o open access pode ser uma alternativa à internacionalização não ligada ao mainstream. “Esse movimento tem sido muito importante para a América Latina, que lançaram versões eletrônicas de suas publicações muito antes do open access, e tem sido adotadas pelo sistema de avaliação local”, informou. “A estrutura de poder científico está sendo modificada pelo open access, que questiona a natureza da ciência. Para os países em desenvolvimento, pode ajudar a destituir a avaliação tradicional”. 

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