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06/03/2023

Bolsa Família gera fator de proteção de até 31% para morte materna

Karina Costa (Cidacs/Fiocruz Bahia)


Publicado no Journal of the American Medical Association (Jamma) Network, um estudo do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) quantificou o risco de morte em mulheres mais vulnerabilizadas e apontou uma taxa geral de proteção para morte materna de 18% em mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF). Fruto da tese de doutorado da epidemiologista Flávia Jôse Alves, associada ao Cidacs/Fiocruz Bahia e pesquisadora na Harvard Medical School, a pesquisa indica que o programa social tem papel crucial na saúde materno-infantil. 

Em 1990, a cada 100 mil nascidos vivos, 120 mães iam a óbito. Em 2013, esse número já era de 69 óbitos, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2019, esse número chegou a 57, mas voltou a retroceder a 107 em 2022. A partir do cruzamento de dados do Sistema Nacional de Nascidos Vivos (Sinasc) com o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), a pesquisa também analisou que 7.912.067 milhões de mulheres que tiveram um parto entre 2004 a 2015, mas que 4.056 foram a óbito. Associado a outras estratégias estatísticas, esse cruzamento (chamado linkage por similaridades) revela que quanto maior o tempo de recebimento do programa, maior a proteção, gerando uma taxa de proteção de até 31% quando o benefício se deu por tempo maior ou igual a nove anos antes até a gestação. 

A análise sobre o tempo de cobertura e o impacto na saúde mostra que mulheres que até o dia do parto tinham entre um e quatro anos recebendo Bolsa Família tiveram taxa de proteção de 15 % para morte materna. Já aquelas cobertas entre cinco e oito anos tiveram um fator de proteção de 30%. Esses dados indicam que o recebimento do PBF atua, assim, na construção de uma condição de vida melhor para as mulheres aumentando suas chances de sobrevivência.

A mortalidade infantil e a morte materna são indicadores de fatores socioeconômicos, explica Flávia. De acordo com a pesquisadora, embora o Brasil tenha alcançado os objetivos na redução da mortalidade infantil e reduzido a mortalidade das mulheres nessas condições, ainda falta muito. “Há situações em que o risco é semelhante ao encontrado em países com condições de pobreza maior que o Brasil. Isso diz muito de como as mulheres são tratadas”, comenta a pesquisadora, que doutora em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA).

A morte materna é aquela que acontece durante a gestação ou até 42 dias após o parto. A análise observa mulheres que vivem em condições de renda, escolaridade, etnia, localidade semelhantes e mostra que o programa social afeta diretamente nos desfechos, reduzindo os riscos para as mulheres beneficiárias. Além da análise individuada, a pesquisa revela maior proteção para mulheres quando o município tem uma alta taxa de cobertura, ou seja, quando os órgãos públicos conseguem cadastrar a quantidade próxima da população estimada que teria direito ao benefício na localidade.

Na investigação, a pesquisa compara grupo de mulheres que passaram por mais ou menos de quatro consultas de pré-natal. "O que a gente sabe é que as principais causas de morte estão associadas a morbidades como hipertensão e diabetes gestacional, fatores podem ser devidamente controlados com intervenção adequada durante a gestação. O Bolsa Família condiciona as mulheres a realizarem exatas consultas, fazendo com que elas estejam mais expostas aos cuidados ofertados nos serviços de saúde", aponta a pesquisadora. 

O Bolsa Família é um programa de benefício condicionado e exige das mulheres a realização de uma quantidade mínima de consultas pré-natal. Além disso, exige que as crianças inscritas tenham frequência escolar e sejam acompanhadas por serviços de saúde. Também é necessário que essas crianças sigam o calendário vacinal (criado em 2003). O estudo observou mulheres que receberam o benefício condicionado durante toda a gestação e os filhos que nasceram vivos. 

Aumento na pandemia

A luta pela redução da mortalidade materna sofreu bruscas perdas nos anos de pandemia. Se em 2019 as taxas estavam acima do preconizado pelos órgãos de saúde internacionais e eram 57 mortes para cada 100 mil nascidos vivos, quatro vezes mais do que a média dos países desenvolvidos (12/100 mil), o contexto mais recente não foi favorável para as mulheres. Em 2020, o número de mortes materna chegou a 71 para cada 100 mil e chegou a 107 em 2021 reaproximando o país de uma realidade de 30 anos atrás.

Os dados mostram que, embora o Brasil tenha avançado no combate à morte materna, com a implementação de políticas sociais e melhoria das condições de vida, o país ainda encontra na redução da mortalidade materna um objetivo não alcançado. “Isso diz muito de como as mulheres são tratadas, porque tivemos muitos avanços no combate a mortalidade infantil, mas com as mulheres ainda temos esses resultados”, conclui Flávia. 

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