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24/09/2014

Cientistas investigam efeitos preventivos da ingestão de ômega 3 contra a asma

Isadora Marinho


Infusão de casca da mangueira e óleo de peixe para quem, de asma, se queixe. Parece ditado popular ou recomendação da avó, mas são os indicativos de estudos realizados no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Nas bancadas do Laboratório de Inflamação do IOC, Marco Aurélio Martins e Patrícia Silva investigam alternativas para alívio dos sintomas da doença saídas diretamente da cozinha. Os pesquisadores apostam no uso preventivo da mangiferina (substância com propriedades anti-inflamatórias e antiespasmódicas presente na casca de árvores como a mangueira) e do ômega 3, ácido graxo essencial encontrado em peixes como o atum e o salmão. Os resultados da etapa de testes com animais foram publicadas recentemente na revista científica Plos One.

De acordo com a pesquisadora, o estudo pode trazer alternativas às tradicionais 'bombinhas' usadas no controle da asma (foto: Gutemberg Brito)
 
 

Embora não tenha cura, a asma pode ser controlada com medicamentos de uso local e contínuo –   as famosas 'bombinhas', que agregam, em sua fórmula, fármacos broncodilatadores e anti-inflamatórios esteroidais, como o corticoide. No entanto, para os 5% a 10% dos pacientes que sofrem da forma grave da doença, a capacidade respiratória é tão reduzida que a medicação não consegue chegar aos pulmões. “Como provoca uma série de efeitos colaterais, o corticoide via oral é utilizado apenas em emergências. Mas há quadros clínicos tão severos que nem esta medida é eficaz. Essas pessoas podem correr risco de morte durante uma crise”, explica Patrícia.

Ômega 3: aliado na prevenção da asma

Em busca de novas alternativas de controle e prevenção para estes pacientes, a pesquisadora estuda os efeitos protetores do ômega 3 em camundongos. Os animais foram separados em dois grupos: o primeiro foi alimentado com uma ração onde a fonte de lipídio havia sido substituída pelo óleo de peixe, fonte de ômega 3. O outro, com ração normal. Após quatro semanas, os dois grupos foram submetidos a um desafio alérgico: foram expostos à albumina do ovo, proteína reconhecida como antígeno pelo sistema imune dos camundongos, provocando reações imunológicas. A asma, assim como a rinite e a urticária (irritação da pele), é um quadro de alergia local deflagrado pela resposta exagerada do sistema imune a um estímulo externo. Os agentes causadores podem ser poeira, pólen, odores fortes, mudança brusca de temperatura, alimentos ou medicamentos – cada paciente tem seu rol específico de hipersensibilidades. Nos testes com os animais, a albumina foi aspirada e, por isso, deflagrou a resposta alérgica específica da asma.

Nos animais alimentados com ômega 3, a crise alérgica foi minimizada em 60% em comparação ao outro grupo. A pesquisadora verificou, ainda, que houve redução da produção de muco, do infiltrado inflamatório e da contração dos brônquios, decorrentes da migração de eosinófilos para as vias aéreas. Os eosinófilos são células brancas do sistema imune responsáveis pela ação contra infecções, e estão diretamente associados aos quadros de asma e alergia. “Houve, ainda, menor depósito de componentes de matriz extracelular em torno dos brônquios. Este fenômeno visa reparar as lesões sofridas pelos dutos de ar durante uma crise, mas, a longo prazo, é responsável pelo enrijecimento das vias aéreas e, consequentemente, o agravamento da doença”, esclarece a especialista.

Além disso, a produção dos anticorpos anafiláticos, como o IgE e o IgG1 – este último específico dos camundongos – foi reduzido a 80%. “É um efeito cascata: tratando os animais de forma preventiva com ômega 3, reduzimos a sensibilização contra os antígenos, fazendo com que eles produzissem menos anticorpos, inibindo todas as etapas do ciclo alérgico”, destacou. O estudo foi realizado em parceria com as pesquisadoras Márcia Águila e Thereza Bargut do Laboratório de Morfometria, Metabolismo e Doenças Cardiovasculares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Os achados engrossam a lista dos benefícios proporcionados pelo ômega 3. “Além de reduzir os níveis de triglicerídeos, a pressão arterial, aterosclerose e aumentar o colesterol bom, os dados obtidos com testes em camundongos apontam que ele também pode amenizar processos inflamatórios crônicos das vias aéreas quando utilizado de forma preventiva”, resume Patrícia. A explicação é simples: quando o ômega 3 é processado metabolicamente pelo corpo, gera mediadores lipídicos menos inflamatórios – e são estes mediadores que vão participar da resposta imunológica.

Asmáticos diabéticos: um caso à parte

Enquanto isso, na sala ao lado, o chefe do Laboratório de Inflamação do IOC, Marco Aurélio Martins, estuda outro grupo especial de asmáticos: os portadores de diabetes. “Um dos efeitos colaterais do corticoide, anti-inflamatório esteroidal utilizado para debelar crises, é a desregulação metabólica: ou seja, ele agrava o quadro da diabetes. No Brasil, muitos sofrem de ambas as doenças”, pontua Martins. Com o envelhecimento da população brasileira e o aumento do sedentarismo, a tendência é de que este grupo cresça. Segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, o índice de novos casos da diabetes aumentou 40% entre 2006 e 2012, ano em que, pela primeira vez, o número de pessoas com sobrepeso ultrapassou a metade da população, chegando a 51%.

Os pesquisadores planejam investigar o potencial do ômega 3 e da mangiferina enquanto medidas de prevenção de crises (foto: Gutemberg Brito)

 

Foi neste cenário que o pesquisador iniciou estudos sobre a mangiferina, um composto extraído da casca do tronco da mangueira. Comumente utilizada como fitoterápico no Caribe contra agravos de diferentes ordens, a substância não apresenta efeitos colaterais conhecidos. Estudos realizados por pesquisadores em Cuba apontaram sua eficácia como antioxidante, protetor do aparelho gástrico, anti-inflamatório e anti-diabetogênico. A mangiferina também é usada contra asma, câncer e doenças da pele.

Na primeira etapa da pesquisa, Martins utilizou sistemas de órgão isolado, testando o composto em anéis de traqueias de cobaias asmáticas. A mangiferina foi administrada e, em seguida, os sistemas de órgão isolado foram expostos a antígenos, com a finalidade de provocar uma reação alérgica. Equipamentos especiais conseguiram registrar que a contração foi menor nos sistemas tratados com o composto.

Na etapa seguinte, foram utilizados modelos experimentais de camundongos, que receberam mangiferina por via oral antes de serem submetidos ao desafio alérgico. Assim como no estudo com o ômega 3, o infiltrado inflamatório, caracterizado pela migração de células que promovem a hiperreatividade e contração das vias aéreas, não ocorreu no grupo que havia tomada a mangiferina. “Foi observado um quadro muito atenuado, no qual a mangiferina exerceu o papel de agente anti-inflamatório e de broncodilatador, prevenindo a crise”, explica.

De acordo com o pesquisador, isso acontece porque a substância estimula a produção de óxido nítrico (NO) pelas células epiteliais que ‘pavimentam’ as vias aéreas. Isso leva a um aumento de GMP cíclico, sinalizador responsável por bloquear a entrada de cálcio nas células. “A contração muscular depende principalmente dos níveis de cálcio dentro das células. Se a concentração é baixa, a musculatura lisa relaxa. A mangiferina ajuda a manter a musculatura relaxada e, consequentemente, menos hiperreativa aos estímulos”, assinala.

“No estudo, mostramos, de forma inédita, os mecanismos pelos quais a mangiferina inibe o espasmo, a contração e a inflamação do músculo respiratório liso, componentes principais da doença asmática. Agora, estamos nos preparando para avaliar se ela age, simultaneamente, contra os sintomas da diabetes e da asma em camundongos acometidos pelos dois agravos”, antecipa.

Novas alternativas

Ambos os pesquisadores planejam investigar o potencial do ômega 3 e da mangiferina enquanto medidas profiláticas, ou seja, como prevenção para crises. “Existe uma preocupação da área médica e científica pela busca de novas alternativas aos medicamentos corticoides, principalmente devido ao grupo de pacientes que não respondem aos anti-inflamatórios esteroidais”, aponta Martins. Por ora, como no ditado popular, os dados apontam que prevenir pode ser melhor que remediar. “No entanto, ainda precisamos de muitos estudos para definir de que forma estas substâncias podem ser inseridas na alimentação de forma segura, a fim de reproduzir os efeitos benéficos. Qualquer princípio ativo, seja ele de origem natural ou sintético, pode acarretar danos para o organismo se não for utilizado de forma e na quantidade correta”, alerta o pesquisador.

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