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15/09/2014

Pesquisador comenta plataforma que lida com ameaças de novos patógenos

Maíra Menezes / Ascom IOC


Diretor do Departamento de Referência em Vírus do Reino Unido (VRD, na sigla em inglês) até 2013, o virologista David Brown vai atuar por dois anos como pesquisador visitante sênior no Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). O cientista é um dos criadores de um método para diagnóstico do sarampo através da saliva e, nos últimos dez anos, trabalhou principalmente no enfrentamento de infecções novas e emergentes. No IOC, o foco de seu trabalho é a aplicação de novas técnicas de sequenciamento genético para estudar a transmissão das doenças virais. “Esse é um momento bastante empolgante na microbiologia voltada para a saúde pública, pois ainda estamos descobrindo as melhores formas de aplicar esta tecnologia, que pode impactar diretamente na nossa compreensão sobre a transmissão das doenças”, afirma o virologista. Reunindo diversos laboratórios, o departamento dirigido por Brown no Reino Unido é credenciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como Centro Colaborador para Apoio Diagnóstico e Laboratorial. O órgão também é designado pela OMS como Laboratório de Referência Internacional na Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e atua junto à entidade como Laboratório Especializado Global em Sarampo, Rubéola e Resistência do HIV a Drogas Antirretrovirais. Confira a entrevista.

Experiente no enfrentamento de viroses emergentes, David Brown afirma que a maioria dos países ocidentais tem procedimentos estabelecidos que podem controlar a propagação do vírus ebola (Foto: Gutemberg Brito)

 

Nos últimos anos, temos ouvido falar bastante sobre vírus que ameaçam se espalhar pelo planeta. Tivemos o alerta da gripe aviária, vivemos pandemia de gripe A e agora o ebola tomou as manchetes dos jornais. Novos vírus estão surgindo com mais frequência?
David Brown:
 Sempre houve viroses emergentes. Na maioria das vezes, estas doenças são causadas por vírus de animais que conseguem ultrapassar a barreira das espécies e infectar seres humanos. O vírus do sarampo, por exemplo, parece ter surgido a partir da mutação de um vírus animal cerca de três a quatro mil anos atrás. Mais recentemente, temos o caso do HIV, que acreditamos ter se originado em macacos. Ou seja, isso aconteceu diversas vezes ao longo da história humana. No entanto, estas infecções realmente parecem ter se tornado mais comuns nos últimos 50 anos.

O que pode explicar este fenômeno?
Brown: Isto se deve principalmente à facilidade do estabelecimento da transmissão homem a homem devido ao aumento populacional e mudanças comportamentais. Por causa das pressões econômicas, há muitos locais no mundo onde as pessoas estão entrando nas florestas, seja para desenvolver agricultura ou para caçar animais selvagens. Isso aumenta a probabilidade de infecções por novos vírus. Além disso, é claro, hoje temos uma capacidade maior para identificar os agentes causadores das infecções.

Os novos vírus estão no foco do seu trabalho atual?
Brown: Nos últimos dez anos, venho trabalhando especificamente no desenvolvimento de respostas para infecções novas e emergentes. No Reino Unido, a preocupação com este assunto começou quando assistimos à emergência da doença do príon, chamada de encefalopatia espongiforme bovina [no Brasil, a patologia ficou popularmente conhecida como ‘mal da vaca louca’]. Esta doença atingiu o gado e, por sorte, houve apenas um pequeno número de casos humanos. A partir deste surto terrível, começamos a pensar sobre como responder a este tipo de incidente. Criamos uma plataforma, que reúne profissionais com conhecimento médico e veterinário e formuladores de políticas públicas dos departamentos de Saúde e Agricultura. Este grupo se encontra regularmente para identificar possíveis ameaças e estabelecer formas de enfrentá-las.

Como são detectadas as ameaças?
Brown: Nós revisamos a literatura biomédica para verificar se há doenças com que devemos nos preocupar e seguimos um método para avaliar o risco das infecções. Por exemplo, neste momento, fala-se muito sobre a epidemia de ebola no oeste da África. Nesta região, este vírus causa grande preocupação porque o sistema de saúde e a infraestrutura locais têm deficiências. No entanto, há muitos itens que devem ser considerados para avaliar o risco desta doença. O primeiro é qual a probabilidade de este vírus chegar a um determinado país. No Reino Unido, temos laços razoavelmente fortes com a África ocidental. Já no Brasil, pelo que eu sei, é raro receber viajantes desta região. Além disso, existem procedimentos estabelecidos na maioria dos sistemas de saúde ocidentais que podem controlar a propagação do ebola.

Considerando estes fatores, qual a sua avaliação sobre o risco do ebola no Reino Unido e no Brasil?
Brown: O ebola é um vírus que conhecemos desde meados dos anos 1970 e que já provocou muitos surtos. Na maioria das vezes, a doença foi contida com procedimentos tradicionais para o controle de infecções, ou seja, isolamento de pacientes infectados, uso de equipamentos de proteção pela equipe de saúde e acompanhamento das pessoas que tiveram contato com o doente. Desta vez, parece que o surto inicial no oeste da África não foi imediatamente identificado, e a doença se espalhou. Além das falhas de infraestrutura, esta região foi marcada por uma guerra civil e diversos conflitos nos últimos 30 anos. Há dificuldades de comunicação com a comunidade, que contribuem para a transmissão continuada da doença, assim como a falta de confiança no sistema de saúde. No entanto, não há nenhuma evidência de que o vírus tenha mudado, e os métodos tradicionais de controle da infecção devem funcionar. No Brasil ou na Europa, caso um paciente infectado seja identificado, ele deve ser adequadamente tratado e a doença, contida.

Como deve ser abordada a comunicação em uma situação de epidemia?
Brown: É preciso fornecer informações para as pessoas, de forma que elas entendam quais os riscos da doença e o que deve ser feito para prevenir sua disseminação. Este é um aspecto muito importante da resposta a infecções emergentes. Foi uma das coisas que aprendemos no Reino Unido após a epidemia de encefalopatia espongiforme bovina. Na época, o governo tentou assegurar às pessoas que não havia risco, mas é preciso considerar que as percepções sobre risco variam. Assim, é necessário apresentar os dados disponíveis. Todos se preocupam ao ver as fotos aterrorizantes dos pacientes infectados pelo ebola na África, mas creio que, no Brasil e na maioria dos países, as pessoas são perfeitamente capazes de entender as informações divulgadas.

Além da comunicação, o que mais é importante na reação a um novo vírus?
Brown: Embora as infecções variem, os padrões de resposta são muito similares. Basicamente, é preciso avaliar o risco, ter serviços clínicos que possam atender aos pacientes e controlar a transmissão, o que envolve diretamente a comunicação com a comunidade. Outro ponto chave é ter uma relação estabelecida entre cientistas e formuladores de políticas públicas, para que as medidas de controle tenham o embasamento científico adequado e todos possam falar com uma mesma voz. Nos últimos dez anos, estas foram as tarefas às quais mais me dediquei: participar e contribuir, no Reino Unido, neste grupo que se reúne regularmente para se preparar para enfrentar novas infecções e desenvolver abordagens padronizadas para responder de forma rápida e efetiva a elas.

Qual o foco do seu trabalho no IOC?
Brown: Estou colaborando com o Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo, concentrado principalmente no uso das novas técnicas disponíveis para estudar a transmissão destas infecções. Nos últimos anos, uma das tecnologias mais valiosas para a aplicação da microbiologia na saúde pública é a possibilidade de ler o código genético de vírus e bactérias. Há cerca de 15 anos, o sequenciamento do DNA era muito difícil e demorado, mas houve uma revolução nesta tecnologia. Hoje, com apenas uma máquina pode-se sequenciar o genoma completo de um vírus ou bactéria muito rapidamente. Há um grande potencial para os programas de saúde pública, porque podemos acompanhar a transmissão das doenças e identificar as linhagens mais agressivas dos vírus. A Fiocruz adquiriu recentemente seu primeiro equipamento deste tipo e estamos avaliando como introduzir essa linha de pesquisa de forma eficiente.

De que forma o sequenciamento do genoma dos vírus contribui para a saúde pública?
Brown: Podemos pensar no exemplo do sarampo. Como outros vírus, seu genoma apresenta pequenas variações em diversas partes do mundo. Geralmente, analisamos apenas uma parte do material genético destes vírus e isso não permite distinguir cepas similares. Mas as variações são identificadas pelo sequenciamento completo do genoma e podemos usar isso para determinar qual a relação entre as diferentes cepas do mesmo vírus. Desta forma, é possível descrever o padrão de infecção existente. A mesma tecnologia está disponível para bactérias e outros agentes infecciosos. Na minha opinião, esse é um momento bastante excitante na microbiologia voltada para a saúde pública, pois ainda estamos descobrindo as melhores formas de aplicar esta tecnologia, que pode impactar diretamente na nossa compreensão sobre a transmissão das doenças. É importante que instituições como a Fiocruz se organizem para ter uma liderança neste processo no Brasil.

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