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30/01/2017

Combate à febre amarela exige investimento em infraestrutura sanitária

Haendel Gomes (COC/Fiocruz)


A atual crise sanitária ligada à febre amarela é resultado de uma série de fatores já bem conhecidos por historiadores das ciências e da saúde e de áreas envolvidas no controle da doença. O crescimento desordenado das cidades, a falta de saneamento básico – um problema também observado no início do século 20 –, e a persistência de outros determinantes sociais são alguns dos entraves ao combate da febre apontados pelo historiador Marcos Cueto, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).

“Soluções como pedir [à população] para eliminar os reservatórios de larvas dos mosquitos são necessárias, mas paliativas. É preciso pensar em investimentos na infraestrutura sanitária da população urbana”, afirma Cueto, que é autor, juntamente com Steven Palmer, do livro Medicina e Saúde Pública na América Latina: uma história, publicado recentemente em português pela editora Fiocruz.

O historiador ressalta o papel desempenhado pela Fundação Rockefeller no combate à febre amarela ao longo do século 20 no país. Cueto lembrou que a instituição norte-americana recebia apoio de muitos políticos em sua empreitada de eliminar a doença das cidades e portos mais importantes do Brasil uma vez que “o motor da economia era a exportação de matérias-primas”.

Editor científico da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, publicada pela COC/Fiocruz, Cueto ressalta que o enfrentamento à febre amarela não pode ser pensado a partir de soluções simples e de curta duração. “Precisamos de uma combinação da melhor ciência e do conhecimento sanitário, da participação das comunidades afetadas e a decisão política para enfrentar os problemas da pobreza que contribuem para os surtos epidêmicos de febre amarela”, avalia.

Como os estudos históricos sobre a febre amarela podem contribuir na elaboração de políticas públicas de combate à doença?

Marcos Cueto: Problemas complexos – que têm uma longa história – não podem ter soluções simples de curta duração. Precisamos de uma combinação da melhor ciência e conhecimento sanitário, da participação das comunidades afetadas e de uma decisão política para enfrentar os problemas de pobreza urbana que fazem com que existam surtos epidêmicos da febre. Os historiadores não vão dar lições aos sanitaristas, mas podem mostrar que, em situações de crise sanitária no passado, existiram – como agora – uma tentação a soluções autoritárias, confiantes somente na tecnologia, e que não resolviam os determinantes sociais e políticos da febre amarela.

Se, diferentemente do início do século 20, hoje temos uma vacina contra a febre amarela e dispomos de uma área urbana mais desenvolvida do que na época de Oswaldo Cruz, por que ainda convivemos com a ameaça da doença?

Marcos Cueto: O saneamento urbano é de novo um problema. No começo do século 20, a maioria da população nacional não morava nas cidades. Agora, sim. O crescimento urbano foi desordenado e mais rápido que o incremento da infraestrutura sanitária. Os sanitaristas sempre foram conscientes que a vacina não era suficiente. Além disso, faziam controle vetorial e procuravam promover sistemas de água e esgoto nas favelas.

Então, melhores políticas de saneamento podem contribuir hoje no controle de doenças como febre amarela, dengue e chikungunya?

Marcos Cueto: Sem dúvida. Na maioria das favelas e zonas rurais, os sistemas para obter água são precários e geralmente pouco sanitários – e por isso há reservatórios de larvas. Soluções como pedir [à população] para eliminar os reservatórios de larvas dos mosquitos são necessárias, mas paliativas. É preciso pensar em investimentos na infraestrutura sanitária da população urbana. Essa foi uma das recomendações de Michael Marmot na Comissão de Determinantes Sociais de Saúde formada pela Organização Mundial de Saúde.

Qual foi a importância da Fundação Rockefeller no combate à febre amarela no Brasil e em outros países da América do Sul?

Marcos Cueto: As campanhas da Fundação Rockefeller na América Latina aconteceram entre 1918 e 1928 e, sem dúvida, ajudaram a fazer desaparecer a febre das cidades e portos mais importantes. Foram apoiadas por muitos políticos, porque o motor da economia era a exportação de matérias-primas. Além disso, a Rockefeller formou uma geração de sanitaristas nos métodos norte-americanos em um momento em que a maioria de médicos achava que Paris era a meca da medicina, e o francês, o latim da ciência. Depois das campanhas da Rockefeller, foi mais clara a influência do modelo de educação médica norte-americana no Brasil e na América Latina.

Quais eram as diferenças do combate ao mosquito Aedes aegypti feito pelos especialistas da Fundação Rockefeller e os agentes sanitários brasileiros nas três primeiras décadas do século 20? O que era a teoria do "foco-chave"?

Marcos Cueto: Segundo a Rockefeller, o ataque tinha que se concentrar nas larvas e nos grandes centros urbanos – centros-chave. Eles acreditavam que se colocassem peixes de rio em recipientes domésticos de água, reduziriam a níveis insignificantes as larvas do Aedes. Também achavam que cidades pequenas não podiam sustentar a infecção e que o melhor era concentrar esforços e controlar os surtos nas cidades grandes. Os brasileiros davam importância à fumigação, que era dirigida a eliminar os mosquitos adultos. Em parte, por uma negociação com os sanitaristas brasileiros e a Rockefeller, o resultado foi uma combinação de luta contra as larvas e luta contra os mosquitos adultos. A ideia dos centros-chave estava errada. Em fins da década de 1920, cientistas da Rockefeller, brasileiros e de outros países de América Latina descobrem que a febre pode sim sustentar-se endemicamente nas pequenas cidades e áreas rurais, que existe um hospedeiro elusivo na Amazônia – os macacos – e que, além do Aedes aegypti, existem outras espécies de Aedes que podem transmitir a doença. Por isso, nos anos 1940, a erradicação da febre nunca foi um alvo, como o foi a erradicação da malária.

As estratégias de Oswaldo Cruz ainda devem servir como exemplo a ser seguido nos dias de hoje?

Marcos Cueto: [Devem servir] sobretudo [como] uma inspiração e uma demonstração de que boas respostas políticas precisam de boa ciência, tecnologia e saúde pública. A isso temos que acrescentar a participação nas respostas das comunidades afetadas e os agentes comunitários de saúde.

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