A doença / Agentes causadores
A febre amarela é provocada por um arbovírus do género flavivirus. A doença é transmitida por diferentes espécies dos mosquitos Aedes e Haemogogus, que carregam o vírus de um hospedeiro para outro, principalmente entre macacos, de macacos para seres humanos, e de pessoa para pessoa. Existem três ciclos possíveis de transmissão:
• Silvestre: Ocorre em florestas tropicais. Nestes casos, a febre amarela ocorre em macacos que estão infectados por mosquitos silvestres. Em seguida, os macacos infectados transmitem o vírus para outros mosquitos que se alimentam deles. Os mosquitos infectados então picam humanos que adentram a floresta, resultando em eventuais casos de febre amarela.
• Intermediária: Ocorre em partes úmidas ou semi-úmidas da África, em que mosquitos semi-domésticos (que se reproduzem na floresta e acerca de domicílios) infectam tanto macacos, como seres humanos. Nestes casos, o aumento do contato entre as pessoas e os mosquitos infectados leva à transmissão da doença. Este tipo de transmissão é responsável por grande parte dos surtos de febre amarela que ocorrem na África. O surto pode levar a uma epidemia mais grave se a infecção ocorrer em uma área que abriga mosquitos domésticos e indivíduos não vacinados.
• Urbana: Grandes epidemias ocorrem quando pessoas infectadas introduzem o vírus em áreas densamente povoadas, com um elevado número de pessoas não imunizadas e mosquitos Aedes.Nestes casos, os mosquitos transmitem o vírus de pessoa a pessoa.
Sintomas
Os sintomas da febre amarela, em geral, aparecem entre o terceiro e o sexto dia após a picada do mosquito. As primeiras manifestações são febre alta, mal estar, dor de cabeça, dor muscular, cansaço e calafrios. Podem, ainda, surgir náuseas, vômitos e diarreia. Após três ou quatro dias, a maioria dos doentes (85%) recupera-se completamente e fica permanentemente imunizado contra a doença.
Cerca de 15% dos doentes infectados com febre amarela apresentam sintomas graves, que podem levar à morte em 50% dos casos. Além da febre, a pessoa pode apresentar dores abdominais, diarreia e vômitos. Surgem icterícia (olhos amarelados, semelhante à hepatite), manifestações hemorrágicas (equimoses, sangramentos no nariz e gengivas) e ocorre o funcionamento inadequado de órgãos vitais como fígado e rins. Como consequência, pode haver diminuição do volume urinário até a anúria total (ausência de urina na bexiga) e o coma. Metade das pessoas que apresenta sintomas graves morre dentro de 10 a 14 dias. As pessoas que sobrevivem recuperam-se sem danos significativos nos órgãos afetados.
Diagnóstico
A febre amarela é de difícil diagnóstico, especialmente durante os estágios iniciais da doença. Ela pode ser confundida com malária grave, febre hemorrágica da dengue, leptospirose, hepatite viral (especialmente as formas fulminantes de hepatite B e D), ou outras febres hemorrágicas (bolivianas, argentinas, venezuelanas e outros flavivírus, como Nilo Ocidental, o vírus Zika etc), assim como envenenamento. Os testes de sangue podem detectar anticorpos contra a febre amarela produzidos em resposta à infecção. Várias outras técnicas são utilizadas para identificar o vírus em amostras de sangue ou de tecido de fígado recolhidas após a morte.
Tratamento
Não há tratamento específico para a febre amarela. Os cuidados se limitam a tratar o quadro de desidratação, insuficiência respiratória e febre. Infecções bacterianas associadas podem ser tratadas com antibióticos. Este tipo de tratamento considerado de apoio pode melhorar as condições de pacientes mais gravemente afetados pela doença, mas raramente está disponível em áreas mais pobres.
Prevenção
São consideradas duas formas de prevenção: vacinação e controle do vetor (mosquito). A vacinação é principal medida de prevenção da febre amarela. Em áreas de alto risco, onde a cobertura vacinal é baixa, o reconhecimento imediato e o controle de surtos por meio da vacinação são fundamentais para evitar epidemias. Os surtos são controlados se a cobertura de vacinação nas regiões afetadas atingir pelo menos de 60% a 80% da população em risco.
A vacinação preventiva pode ser oferecida pela imunização infantil de rotina e campanhas de massa para aumentar a cobertura de vacinação em países em situação de risco, bem como para quem viaja para área endêmica da febre amarela. A OMS recomenda vacinação de rotina para crianças que vivem em áreas consideradas de risco para a doença.
A vacina proporciona imunidade eficaz contra a febre amarela dentro de 7-10 dias para 95% dos vacinados. Uma única dose é suficiente para conferir imunidade por toda a vida, não sendo necessária dose de reforço. Efeitos colaterais mais sérios são extremamente raros.
No entanto, segundo a agência regulamentadora americana FDA (Food and Drug Administration) deve-se evitar vacinar crianças com menos de nove meses de idade, em função do risco de encefalite. Desde 1945, foram relatados dois casos de encefalite associada à vacina em crianças de 6 e 7 meses; 14 casos em crianças com menos de quatro meses de idade; e sete casos em crianças com idade superior a três anos (incluindo dois casos fatais em pessoas com idade entre 3 e 53 anos). Como os estudos e a experiência de vacinação em crianças com menos de seis meses é limitado e os registros da administração de vacinas por faixa etária não estão disponíveis, não é possível o cálculo exato da taxa de encefalite associada à vacinação pela idade.
No que respeito à utilização da vacina de febre amarela em pessoas com mais de 60 anos de idade, é de notar que, enquanto o risco de febre associada à vacina contra a doença viscerotrópico amarela em pessoas com mais de 60 anos de idade, é mais elevada do que em idades mais jovens, o risco global permanece baixo. A vacinação deve ser administrada após uma cuidadosa avaliação do risco-benefício, considerando o risco de adquirir a doença da febre amarela contra o risco de um potencial evento adverso grave após a imunização.
Outros grupos para os quais a vacina não é recomendada incluem gestantes (salvo em momentos de surto, quando o risco de infecção torna-se alto), pessoas com alergia à proteína de ovo, ou pessoas que sofrem de imunodeficiências graves (ex.: Aids).
Em algumas situações, o controle do mosquito é vital até que a vacinação ocorra. Principalmente em áreas urbanas, o risco de transmissão da febre amarela pode ser significativamente reduzido pela eliminação de potenciais criadouros do mosquito e aplicação de inseticidas na própria água em que os mosquitos se desenvolvem em seus estágios iniciais. A combinação das estratégias de aplicação de inseticidas para eliminar os mosquitos já em sua fase adulta com campanhas de vacinação de emergência tem se mostrado eficaz durante as epidemias urbanas para reduzir ou interromper a transmissão da febre amarela.
Historicamente, as campanhas de controle do mosquito eliminaram com sucesso o Aedes aegypti, vetor da febre amarela urbana da maioria dos países do continente da América do Sul e Central. No entanto, esta espécie de mosquito tem recolonizado diversas áreas urbanas nessas regiões, podendo representar novamente um risco de febre amarela urbana.
Panorama geral da doença no Brasil
A febre amarela é encontrada nas regiões tropicais da África e América do Sul. Na África, é endêmica em 34 países. Na América do Sul, nos últimos 20 anos, sua ocorrência tem sido registrada em nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Paraguai, Peru, Venezuela e Argentina.
A doença tem caráter sazonal, ocorrendo com maior frequência entre os meses de janeiro a abril, quando fatores ambientais propiciam o aumento da densidade vetorial. No Brasil, no período de 1989 a 2008 ocorreram 540 casos com 236 óbitos. O maior número de registros foi em Minas Gerais (n=109), seguido de Goias (n=90), Maranhão (n=90), Pará (n=83), e Amazonas (n=43).
O papel da Fiocruz
O Complexo Tecnológico de Vacinas do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos/Fiocruz) garante a autossuficiência em vacinas essenciais para o calendário básico de imunização do Ministério da Saúde. Biomanguinhos é reconhecido internacionalmente como fabricante da vacina febre amarela (antiamarílica). As preparações vacinais são obtidas em seus laboratórios, desde 1937, a partir da cepa atenuada 17D do vírus da febre amarela.
A Fiocruz também conta cursos de mestrado e doutorado acadêmicos em Biologia Parasitária e um laboratório de referência em flavivirus (Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz), que realiza pesquisa, desenvolvimento tecnológico, inovação e formação de recursos humanos relacionados à biologia molecular desses vírus, busca caracterizar geneticamente as amostras de vírus da dengue isoladas no país e atua ainda como centro de referência no esclarecimento de casos suspeitos de dengue e febre amarela, em apoio à vigilância epidemiológica desses agravos nos Estados do Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais.
Texto revisado pelo pesquisador:
Reinaldo Martins, consultor científico de Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz)
Outras fontes:
Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
Coordenação de Vigilância das Doenças Transmitidas por Vetores Antropozoonoses (Covev)
Organização Mundial da Saúde (WHO)