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07/04/2020

Conferência sobre Covid-19 marca aula inaugural do ProfSaúde

Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)


Em tempos de pandemia do novo coronavírus, a aula inaugural do ano acadêmico de 2020 do Mestrado Profissional em Saúde da Família (ProfSaúde) foi online. Mesmo à distância, o evento reuniu docentes e alunos das 22 instituições que compõem o programa em rede e já teve 15 mil visualizações no canal da Fiocruz no YouTube. A atividade debateu o papel da Atenção Primária à Saúde (APS) na resposta à Covid-19. Coube ao médico e pesquisador Estêvão Portela Nunes, vice-diretor de Serviços Clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), proferir a sessão científica da aula inaugural.

Antes da conferência, a mesa de abertura foi formada pelas presidentes da Fiocruz, Nísia Trindade Lima; da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo e Silva; da vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz e integrante da diretoria da Abrasco, Cristiani Machado; e das coordenadoras acadêmica e executiva, respectivamente, do ProfSaúde, Cristina Guilam e Carla Pacheco. A vice-presidente Cristiani Machado disse que o ProfSaúde é uma iniciativa bem-sucedida e extremamente relevante, que contribui para fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e a pesquisa em ciência e tecnologia. Para Gulnar Azevedo, “o mestrado é estruturante para o SUS, que não pode morrer e não vai morrer. O mundo está passando por um momento difícil, mas os sistemas públicos de saúde são a melhor resposta”. Ela lembrou que a Abrasco e as associações brasileiras de Bioética, Biossegurança e Medicina Tropical enviaram sugestões para o Ministério da Saúde para diminuir a contaminação nas unidades básicas de saúde (UBS). Gulnar afirmou que a atenção primária precisa se readequar à realidade atual. “É difícil pedir aos pacientes que fiquem em casa, porque sempre pregamos o atendimento integral e humanitário, mas é a maneira de diminuirmos a transmissão do coronavírus, Por isso temos que fortalecer o teleatendimento em todos os níveis”.

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, iniciou sua intervenção saudando a plateia virtual. Segundo ela, o momento é de preocupação em todo o mundo e o ProfSaúde mostra a importância de trabalhar em rede. “A pandemia terá efeitos a médio e longo prazo. Nestes dias, a sociedade valoriza cada vez mais a saúde e seus profissionais. Os desafios da atual conjuntura são muitos e entre eles está o de salvar vidas e também o SUS”.

Segundo Nísia, o momento é de preocupação em todo o mundo e o ProfSaúde mostra a importância de trabalhar em rede (imagem: Divulgação)

 

Em seguida ocorreu a conferência do pesquisador Estêvão Portela Nunes, que abordou a Covid-19. Segundo ele, no momento passado, presente e futuro se confundem e o que aconteceu há apenas um mês já está envelhecido e saiu do foco. Há menos de um mês, lembrou Nunes, jogos de futebol ainda estavam sendo disputados no Maracanã e a vida seguia seu curso normal. “O que estamos vivendo é algo sem precedentes para nossa geração”, afirmou o médico, que baseou sua apresentação no livro A peste, de Albert Camus.

O pesquisador disse que tudo a respeito do novo coronavírus é rápido. Até mesmo o seu código genético, que foi isolado em fevereiro, está disponível para os cientistas. Com isso, tornou-se possível, em qualquer lugar do mundo, começar a pensar em vacinas, kits de diagnóstico, medicamentos etc. “E já existe uma vacina, em fase 1, sendo testada nos Estados Unidos”.

Estêvão disse que o início da contaminação de seres humanos pela Covid-19 ocorreu em um mercado de frutos do mar em Wuhan, na China. “Esses mercados, muito comuns na Ásia, causam uma imensa mistura de seres vivos. Assim, outros animais conseguem transmitir facilmente seus vírus para nós, seres humanos. Os coronavírus demonstram alta capacidade de mutação e verificou-se que desde 2002 eles saltaram espécies com mais frequência”. Ele observou que os coronavírus circulam entre os humanos desde a década de 1960 e são responsáveis por cerca de 1/3 dos resfriados. Esses vírus se dividem em quatro gêneros: alfa, beta, delta e gama. Os dois primeiros infectam seres humanos.

O coronavírus (CoV) faz parte de uma grande família viral, que causa infecções respiratórias em seres humanos e em animais. Geralmente, infecções por coronavírus causam doenças respiratórias leves a moderada, semelhantes a um resfriado comum. Porém, alguns coronavírus podem causar síndromes respiratórias graves. Os coronavírus vêm, em geral, dos morcegos, que têm uma grande “biblioteca viral”, mas também chegam até nós por meio de hospedeiros intermediários, como os camelos, no caso da epidemia da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), que grassou no Oriente Médio em 2012, ou como as civetas, no caso da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), em 2002. O índice de fatalidade da Mers é de 34,4%, enquanto a da Sars é de 9,5% e a da Covid-19 fica entre 2% e 3%. A de ebola chega a 63%.

“O que estamos vivendo é algo sem precedentes para nossa geração”, afirmou Estêvão (imagem: Divulgação)

 

Estêvão comentou que o novo coronavírus é extremamente bem adaptado, já que na maioria dos casos não mata o hospedeiro, o que permite ao vírus se espalhar por uma grande população e por mais tempo. “O total de mortes não eé tão alto levando-se em conta o número de infectados, que têm uma grande capacidade de transmissão do vírus. Por isso o risco de uma pandemia, que é o que está acontecendo. E como existem as formas graves, temos o cenário formado para uma situação de caos”,

Ele disse que o novo coronavírus ampliou enormemente o conceito de quarentena, método historicamente usado para a contenção de doenças contagiosas para as quais não há medicação ou vacina. “O confinamento teve um grande impacto na China, o que incluiu o cancelamento do Ano Novo chinês. Milhões de pessoas foram forçadamente isoladas, o que parecia algo difícil de acontecer em outros países. Mas é o que está acontecendo”.

Sobre medicamentos conta a Covid-19, o pesquisador afirmou que a cloroquina, apressadamente apontada por alguns como uma solução para combater o novo coronavírus, até o momento apresentou dados apenas limitados no que diz respeito à eliminação viral, e em apenas seis pacientes, um número bastante pequeno. O Remdesivir, medicamento que salvou a vida de um paciente com a Covid-19 nos Estados Unidos, segundo o New England Journal of Medicine, sugere ter uma ação mais forte contra o novo coronavírus, segundo Estêvão.

O médico comentou que um dos legados da pandemia será a higienização das mãos. “Esse hábito não deve nunca mais deixar de fazer parte do nosso dia a dia, porque evita diversos problemas”.

De acordo com ele, “o SUS é a nossa expectativa e a nossa esperança. Mas os cortes orçamentários na Saúde representam um grande desafio para o SUS. Temos poucos leitos e poucas UTIs”. Para Estêvão, é fundamental fazer muitos testes, como estão fazendo países como a Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e o Japão.

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