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27/11/2014

Contra a dengue, um caminho inovador que utiliza duas estratégias de imunização

Isadora Marinho / Ascom IOC


Na busca de uma vacina contra a dengue, a pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Ada Alves sempre trafegou na contramão de outros cientistas. Ela lidera, desde 2008, o único estudo no mundo que combina duas estratégias de imunização contra a doença em uma mesma vacina: a abordagem de vacina de DNA e o uso de um vírus quimérico de febre amarela contendo genes de dengue. A proposta da vacina combinada, que inverte o ditado popular ao usar duas cajadadas para acertar o mesmo coelho, tem patentes depositadas em dez países, incluindo o Brasil e a União Europeia. Estudos realizados com camundongos comprovaram que o uso conjugado das duas técnicas conseguiu proteger 100% dos animais testados. Em 2015, serão iniciados os experimentos com primatas.

Para comprovar a eficácia do método inovador, a equipe do IOC/Fiocruz já construiu as vacinas dos outros sorotipos de dengue e, atualmente, realiza estudos com células
 

Cenário atual

As vacinas contra a dengue atualmente em desenvolvimento enfocam o processo de produção de anticorpos como alvo de atuação. Os dados publicados até o momento, porém, têm demonstrado limitações destas abordagens, que envolvem grupos de pesquisa em diversos países. Ada explica que os obstáculos para alcançar a vacina ideal podem estar relacionados à própria dinâmica da doença.

“No caso da dengue, não são apenas os anticorpos os responsáveis por proteger a pessoa infectada: há outras proteínas envolvidas no processo, que atuam na mediação das respostas do organismo no nível celular. No entanto, os projetos de vacinas que hoje estão em etapas mais adiantadas apostam, principalmente, na resposta de anticorpos”, explica a chefe do Laboratório de Biotecnologia e Fisiologia de Infecções Virais do IOC. Outro desafio é que uma vacina contra dengue precisa imunizar simultaneamente contra todos os sorotipos do vírus, pois a cada nova infecção aumentam as chances de quadros graves.

Para uma doença complexa, a saída seria produzir uma vacina igualmente complexa. “Nosso objetivo é provocar uma resposta de anticorpos associada a uma resposta de nível celular de amplo espectro”, Ada pontua. A proposta soma duas tecnologias, associando uma vacina de vírus quimérico a uma vacina de DNA. Elas atuam de formas diferentes, mas têm em comum o uso da engenharia genética em seu processo de produção. Para entender como este ‘mix’ funciona, é preciso ter em mente o conceito fundamental de uma vacina: provocar uma proteção contra agentes causadores de doenças, de forma que, num possível contato, o organismo reaja como se já soubesse o que deve fazer para se blindar.

Receita

Para construir o componente quimérico da vacina combinada, os pesquisadores recorreram a uma velha conhecida: a vacina contra febre amarela. Tecnologia utilizada com sucesso há décadas, ela é a base para combinações genéticas e funciona como uma espécie de ‘plataforma’. Após um processo de ‘corte e cola’, os cientistas introduzem genes dos vírus da dengue no vírus vacinal da febre amarela, que estimula a produção de anticorpos contra a dengue.

Já o componente da vacina de DNA funciona simulando a presença do agente causador da doença. Para isso, os pesquisadores utilizam estruturas chamadas plasmídeos, que são preenchidas com um pedaço do gene do vírus da dengue e funcionam como um ‘serviço de entrega’. Na vacina desenvolvida pela equipe de Ada, os trechos de genes utilizados são responsáveis por expressar proteínas do vírus da dengue, como a proteína estrutural E, por exemplo, presente na superfície do vírus. O sistema imunológico entende a presença da proteína como um sinal de que algo deve ser combatido.

Fase de testes

Para testar a eficácia da vacina combinada, três grupos de camundongos foram utilizados. Um deles recebeu apenas a vacina de DNA, enquanto o outro recebeu a vacina quimérica. No terceiro grupo, ambas foram utilizadas. Em seguida, os animais foram infectados com o sorotipo 2 do vírus da dengue, utilizado como padrão em estudos, numa etapa conhecida como ‘desafio’. Em sua maioria, os grupos que receberam apenas a vacina de DNA ou apenas a vacina de quimera sobreviveram, mas desenvolveram sequelas. Isso é sinal de que a resposta gerada não foi 100% protetora e de que o vírus conseguiu se estabelecer. Já os camundongos que receberam a vacina combinada não apresentaram qualquer sintoma da doença.

De olho em pecados e tsunamis

A estratégia da vacina combinada busca fazer frente a dois fenômenos imunológicos envolvidos em formas graves da dengue. O primeiro, relacionado à produção de anticorpos, se chama ‘enhancement (aumento, em inglês) da replicação viral’. O segundo, conhecido como ‘pecado antigênico original’, é regulado pela resposta celular. “Ambos estão associados à morte de pacientes por dengue”, pontua a pesquisadora. 

O fenômeno do ‘enhancement da replicação viral’ sugere que, em uma nova infecção, a replicação do vírus é ampliada, favorecido pela ação dos anticorpos produzidos para combater uma infecção anterior. Já segundo o conceito de ‘pecado antigênico original’, os linfócitos T de memória, produzidos durante uma infecção anterior, estimulam a produção de mais linfócitos no momento em que uma nova infecção acontece. Como não são específicos para destruir o patógeno, eles acabam induzindo uma produção descontrolada de citocinas inflamatórias. O resultado é um fenômeno chamado ‘tsunami de citocinas’, resultando no ataque às proteínas do próprio corpo. Danos aos tecidos, choque e hemorragias podem ocorrer nestes casos. “Por esses motivos, uma vacina contra a dengue que não seja 100% segura e eficaz contra todos os sorotipos pode colocar em risco a vida das pessoas”, conclui Ada.

Próximos passos

Para comprovar a eficácia do método inovador, a equipe de Ada já construiu as vacinas dos outros sorotipos de dengue e, atualmente, realiza estudos com células. Em seguida, realizará os testes em camundongos. Já os testes da vacina combinada com primatas estão previstos para o primeiro semestre de 2015. Para isso, foi estabelecida uma parceria entre o IOC e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), por meio do grupo coordenado pelos doutores Marcos da Silva Freire, Ricardo Galler e Renato Sergio Marchevsky. Foi em Bio-Manguinhos que Alda, em 1998, dava os primeiros passos na investigação de vacinas de DNA atuando como pesquisadora visitante.

Para aperfeiçoar ainda mais a proposta da vacina combinada, o grupo estuda uma versão do componente da vacina de DNA baseado na proteína não-estrutural NS1. Ada indica que, por estar presente na membrana que envolve o vírus, a proteína estrutural E é a primeira a interagir com os receptores da célula que irá ser infectada e, por esse motivo, é o principal alvo de investigação de quem trabalha com o tema. Já a proteína NS1, produzida após a invasão da célula, é menos conhecida e desempenharia um papel fundamental na instalação da doença. “Nossa aposta é de que a vacina verdadeiramente eficaz contra a dengue trará, em sua fórmula, o vírus quimérico febre amarela/dengue conjugado com duas vacinas de DNA: uma baseada na proteína E e outra na proteína NS1. Assim, poderíamos provocar uma resposta de anticorpos e celular de amplo espectro”, explica a pesquisadora.

Em virtude disso, os testes com modelos experimentais de macacos irão englobar, também, a avaliação da eficácia da vacina de DNA com NS1. Será a primeira vez em que uma vacina baseada nesta proteína será testada em primatas não-humanos no IOC.

Diferenciais

Uma vez comprovada a eficiência da estratégia na fase de testes com primatas, a equipe de Ada dará início à construção das fórmulas quiméricas e de DNA com o material genético específico de cada um dos sorotipos. “No final, teremos uma vacina combinada composta por quatro fórmulas, correspondendo a cada um dos sorotipos da dengue. Embora a doença seja uma só, ela é causada por vírus que guardam diferenças entre si”, diz. De acordo com a pesquisadora, o sucesso nos testes realizados com o DENV-2 indicam a viabilidade da estratégia com os outros sorotipos. “Mais um diferencial da nossa vacina em relação a outras iniciativas em andamento refere-se ao número de doses. Enquanto existem propostas envolvendo três doses, nós imunizamos os animais, com sucesso, em apenas duas”, completa.

No caso da vacina candidata da multionacional Sanofi, por exemplo, foram construídos quatro vírus quiméricos febre amarela/dengue. No entanto, em 2012, após dois anos de testes clínicos realizados com crianças na Tailândia, imunizadas com três doses, constatou-se que não foi gerada proteção para o DENV-2, o tipo mais comum na região na época do estudo. Já os resultados dos testes realizados na América Latina, divulgados em novembro de 2014, não especificam qual foi a taxa de proteção entre os que tomaram as três doses nem qual foi a proteção por sorotipo em cada país. Já a vacina desenvolvida pela parceria entre o Instituto Butantã e os National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, começou, recentemente, a ser testada no Brasil em humanos, após os bem-sucedidos testes com um grupo de voluntários norte-americanos. Essa é a primeira das três fases clínicas a serem realizadas. Trata-se de uma estratégia similar à desenvolvida pela Sanofi, com utilização de vírus atenuados dos quatro sorotipos da dengue em forma de quimera.

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