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12/07/2013

Cooperação com fundação francesa promete reduzir casos de leishmaniose no Brasil

Danielle Monteiro


A leishmaniose é uma das doenças negligenciadas que mais afeta países em desenvolvimento. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são notificados por ano dois milhões de casos novos da enfermidade no mundo. E o Brasil não foge desse contexto: 90% dos casos registrados na América Latina ocorrem no país, segundo dados do Ministério da Saúde. No Sudeste, a doença tem crescido e quase dobrou de 2000 a 2011; porém, as regiões mais afetadas ainda são a Norte e Nordeste que, juntas, respondem pela maior parte dos casos (71%, entre 1992 e 2011). Essa realidade vivenciada pelas regiões brasileiras motivou o Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM/Fiocruz Pernambuco), em parceria com a Fundação Sanofi Espoir, a criar o Programa Multidisciplinar de Saúde, que tem como principal objetivo o combate à doença no país. A iniciativa faz parte do Programa Mundial de Acesso a Medicamentos do Grupo Sanofi.

Iniciado em 2003, o projeto conseguiu reduzir em cerca de 80% os casos de leishmaniose em cinco municípios do estado de Pernambuco. Em breve, a ação será levada ao Ceará, inicialmente aos municípios de Baturité e Pacoti, localizados a cerca de 100 km de Fortaleza. Com a expansão do programa, os participantes esperam repetir o sucesso da iniciativa.  A coordenadora e executora do projeto, Otamires Silva, contou como ele tem sido conduzido e falou sobre suas expectativas quanto à ampliação da iniciativa a outras regiões brasileiras.

Como surgiu a ideia de selar essa parceria com a Fundação Sanofi Espoir voltada ao combate à leishmaniose?

Otamires Silva: Desenvolvi minha tese de doutorado na Universidade Pierre et Marie Curie e os trabalhos práticos sobre leishmaniose foram desenvolvidos no Laboratório de Parasitologia do Hospital Pitié Salpêtrière, em Paris, onde passei quatro anos. Fui indicada e apresentada pelo meu orientador de tese, Loic Monjour, ao grupo Sanofi para desenvolver um projeto de pesquisa sobre leishmanioses no Brasil. O projeto de pesquisas inicial foi apresentado ao comitê em Paris, em 2003, sendo aprovado e financiado por um ano com direito a ser renovado por mais outro. O projeto foi desenvolvido inicialmente no município de São Vicente Férrer e depois ampliado para mais quatro municípios: Macaparana, Goiana, Água Preta e Timbaúba. Todos na Zona da Mata de Pernambuco, com casos humanos de leishmaniose tegumentar. O projeto de pesquisa que teria uma duração de mais ou menos dois anos teve uma duração de nove anos. De acordo com os resultados obtidos, me foi sugerido apresentar um projeto de pesquisas em outras áreas, aplicando a mesma metodologia, o mesmo modelo. E em junho de 2012, o projeto foi julgado entre 17 outros projetos, sendo somente dois aprovados: o nosso e outro da Índia.

Quais são os principais objetivos do programa?

Otamires: O projeto tem por objetivo reforçar as capacidades locais e melhorar a saúde pública em particular nos domínios seguintes; a formação e reciclagem do pessoal da saúde alvo sobre o conhecimento das doenças endêmicas da região; a educação sanitária; a avaliação da evolução e das modalidades de transmissão das leishmanioses no meio urbano e rural; o acompanhamento dos doentes antes, durante e após o tratamento, notadamente por registro fotográfico por meio de testes de laboratório e das visitas domiciliares; e ações de controle dos reservatórios de transmissão (cão doméstico – exames parasitológico direto e sorológico) e de vetores  de transmissão (flebótomos).

Qual o papel de cada uma das partes no programa? E por que a Sanofi foi escolhida como parceira?

Otamires: A Fiocruz funciona como parceira operacional. A Fundação Sanofi Espoir é um grupo forte na área de medicamentos. São eles que fabricam a Glucantime, medicação usada para tratamento da leishmaniose. Por isso a escolha. Além do mais, eles financiam nosso projeto de pesquisa.

O programa será estendido a algumas regiões endêmicas no Ceará.  Há previsão de ampliar essa ação a outros estados do país?

Otamires: Sim, esperamos ampliá-la. Vamos desenvolver o projeto de pesquisas inicialmente em duas áreas endêmicas do Ceará: Baturité e Pacoti, procurando aplicar o mesmo modelo utilizado nos cinco municípios de Pernambuco. Durante o desenvolvimento do projeto nessas áreas selecionadas, vamos analisar os resultados com pretensão de expandir para outras áreas já visitadas no Ceará. O importante é chamar a atenção da população, sensibilizar os moradores, garantir o acompanhamento próximo dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate às Endemias (ACE) e criar um núcleo de capacitação de profissionais de saúde para disseminar o conhecimento em outras regiões endêmicas.

Estão incluídas no programa ações de combate ao mosquito? E de que forma?

Otamires: Sim. Os flebótomos (vetores responsáveis por transmitir a doença) serão trabalhados nesse programa, e vamos trabalhar em equipe. Em Baturité, já existe um laboratório da antiga Funasa com pessoal que já vem trabalhando com os vetores, além de pesquisadores do Ceará que lecionam nas universidades e desenvolvem pesquisas com seus estudantes de mestrado e doutorado.

E que outras ações são contempladas pelo programa?

Otamires: Como medidas preventivas o programa visa os seguintes pilares: melhoria no diagnóstico; capacitação de profissionais de saúde; e campanhas de alerta e sensibilização da população. Para garantir o diagnóstico nos municípios e áreas vizinhas, o programa implantará um laboratório de diagnóstico sorológico e parasitológico humano e animal. Outra iniciativa é o treinamento dos ACS, ACE e de profissionais da saúde que trabalham nos Programas de Saúde da Família (PSFs). Nas escolas, vamos trabalhar com os alunos, pois as crianças, como boas disseminadoras de informação, também receberão orientações, auxiliadas por material de apoio para reforçar a conscientização sobre a doença. A integração das autoridades públicas da região nesse processo garantem incisivamente os efeitos do Programa Multidisciplinar de Leishmaniose.

Ainda como prevenção, indicamos o uso de mosquiteiros (de malha fina), repelentes, assim como telas em portas e janelas das residências. E limpar diariamente o entorno da casa, não acumular pedaços de madeira, garrafas, pedras e restos de alimentos apodrecidos, além de recolher o lixo em sacos plásticos, enterrar ou incinerar. Ao saber de alguma ocorrência de contaminação na vizinhança, é preciso solicitar a presença do ACE para aplicação de inseticida (borrifação) nas áreas internas e externas da casa. É preciso também acompanhar atentamente a saúde do animal doméstico (cão), importantes reservatórios considerados membros da família. São medidas simples que ajudam a evitar a proliferação do mosquito (flebótomo) e da contaminação.

Já foi dado início ao programa no Ceará? Se sim, quais dessas ações já foram implantadas até agora?

Otamires: Sim, o programa já teve início com o levantamento da estrutura do sistema de saúde de cada localidade visitada, com as prefeituras municipais e secretarias de saúde, conversando com todo pessoal da área médica que faz parte do Programa de Saúde da Família (médicos, enfermeiros, Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias), observando as necessidades das estruturas e de condições de trabalho no atendimento aos pacientes. Nestas visitas, observamos as necessidades (que, infelizmente, são muitas) relacionadas ao conhecimento da doença, diagnóstico, prevenção e tratamento. Finalmente, escolhemos duas localidades para início das atividades: Baturité e Pacoti.

Em maio deste ano, iniciamos a campanha do programa com a presença de autoridades nacionais e internacionais. Visitamos o Hospital São José, localizado em Fortaleza e que serve de referência aos municípios; visitamos o laboratório da Funasa em Baturité, onde vamos implantar o laboratório de diagnóstico humano e animal, anotando as deficiências de materiais e de equipamentos; visitamos uma Unidade Básica de Saúde acompanhada pelo médico local realizando um dos diagnósticos – Teste de Montenegro; distribuímos alguns mosquiteiros nas residências visitadas; e, no auditório local, reunimos todos os ACS e ACE das duas localidades para distribuição de sacolas que usarão durante as visitas domiciliares e camisas para uso diário.

A iniciativa conseguiu reduzir em cerca de 80% os casos da doença em cinco municípios da Zona da Mata Norte em Pernambuco.  A que se deve essa conquista?

Otamires: A leishmaniose é uma doença negligenciada e um problema de saúde pública que não é difícil de ser tratado. Priorizamos o diagnóstico específico para o encaminhamento rápido dos pacientes ao tratamento e promovemos a formação dos profissionais da saúde. A maior dificuldade dos profissionais da saúde está relacionado ao diagnóstico da doença. Ela tem cura, mas o tratamento depende do diagnóstico rápido e específico. Apenas medicamento não é suficiente. O governo brasileiro já faz um esforço grande de distribuir o medicamento, mas o programa não envolve apenas um médico ou um medicamento.

Quanto de redução no número de casos da enfermidade se espera com a implantação do programa no Ceará? Qual a previsão de término do programa no estado e quando devem surgirr os resultados?

Otamires: Vamos tentar o máximo de redução, iniciando nas duas áreas. O projeto de pesquisa foi aprovado para três anos. Estamos iniciando as atividades práticas em julho. Ainda é muito cedo pensar em resultados para podermos comparar com nosso modelo.

Qual o grande desafio na luta contra a leishmaniose no Brasil?

Otamires: São realmente muitos os desafios. Os principais desafios estruturais são a formação dos ACS e ACE; o transporte dos pacientes; o acesso às regiões sem nenhuma estrutura de intervenção; o seguimento dos pacientes em tratamento; e o diagnóstico epidemiológico, clínico e laboratorial.

Há previsão de ampliação de parceria entre a Fiocruz Pernambuco e a Fundação Sanofi Espoir com foco em outras doenças negligenciadas?

Otamires: Acredito que sim e isso é importante. Quando realizamos a qualificação dos ACS e ACE chamamos atenção para outras doenças endêmicas como doença de Chagas, dengue, esquistossomose, entre outras.

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