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04/05/2021

Covid-19: lições para os ODS é tema de painel no fórum de CT&I

Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)


A pandemia trouxe desafios, mas também oportunidades, segundo os palestrantes do 6º Fórum Multilateral de Ciência, Tecnologia e Inovação para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), também conhecido como STI Forum. Em Lições da pandemia de Covid-19, a primeira sessão do Fórum, nesta terça-feira (4/5), especialistas no campo de ciência, tecnologia e economia analisaram os cenários e procuraram mostrar caminhos para a recuperação e prevenção de uma nova crise sanitária global. Entre eles estava a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima. A Fundação esteve ainda presente por meio da organização do coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030), Paulo Gadelha, do evento paralelo Vacinas: um caso para a ciência, sociedade e interações políticas das CT&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) para os ODS.

 

“Muitos governantes falam do caráter sem precedentes da pandemia ao comparar com a gripe espanhola, no início do século passado. Mas hoje temos importantes recursos de ciência e tecnologia”, destacou Nísia, lembrando que o acesso a esses recursos, no entanto é desigual, uma faceta que a pandemia tornou mais evidente. A presidente da Fiocruz destacou a relação entre a Agenda 2030 e os desafios da crise sanitária global. Para enfrentar esses desafios, ressaltou a necessidade de reforçar o sistema de saúde universal; a relevância da CT&I para uma nova visão sobre a saúde pública; e defendeu que as ações sejam pensadas levando em consideração a sustentabilidade. 

“Ao mesmo tempo, [a pandemia] representa uma enorme oportunidade para colocar a tecnologia a serviço da sociedade e do planeta”, disse Nisia. Ela destacou ainda os desafios que o mundo deve enfrentar na próxima década, como as desigualdades persistentes, questões demográficas, relacionadas à biotecnologia, informação e relativas a crises democráticas. “Lidar com esses desafios requer uma agenda estratégica de compromissos para reduzir assimetrias entre países".

Moderado pelo diretor sênior das Academias Nacionais de Ciências dos Estados Unidos,  Vaughan Turekian, o painel contou ainda com a participação de especialistas como o diretor do Wellcome Trust, Jeremy James Farrar, para quem os desafios transnacionais apresentados pela Covid-19 demandam uma resposta coordenada, com a ciência como parte central para a solução. A coordenadora do Global Center of Excellence and International Cooperation for Creative Economy, Dina Dellyana, apresentou o trabalho realizado na Indonésia para ajudar empresários a lidar com o impacto negativo da pandemia. 

O subsecretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Ulrik Vestergaard Knudsen, lembrou que, se a pandemia gerou a maior crise econômica, sanitária e social de nosso tempo, também “se viu um compartilhamento de pesquisa sem precedentes”. Ele lembrou que a organização lançou em janeiro um documento focado em oportunidades em ciência, tecnologia e inovação, identificando áreas chave a serem tratadas e pedindo que governos revejam políticas, especialmente em CT&I, que possam no futuro requerer ação mais direta para abordar crises como a pandemia.

Desequilíbrio 

No evento paralelo sobre vacinas, organizado pela EFA 2030, pelo Conselho Internacional de Ciência (ISC, na abreviatura em inglês) e pela Conferência Global em Tecnologia e Inovação Sustentável (G-STIC), e ocorrido na segunda-feira (3/5), a ideia foi tratar do tema sob uma perspectiva mais abrangente, explicou Paulo Gadelha. “A luta contra a Covid-19 se tornou uma vitrine de relevância e controvérsia. A obtenção de vacinas dentro de um ano foi possível devido à convergência de inovações nacionais, compartilhamento de dados genômicos e dados epidemiológicos e financiamentos significativos dos Estados, agências multilaterais e empresas particulares. Do lado negativo, há uma guerra de vacinas também liderada pela busca do lucro em contrapartida à solidariedade global e de imunizantes como bem público”, disse Gadelha. 

Ao abordar A vacinação na região Sul global, o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Krieger, destacou não só o avanço científico, mas também as desigualdades que cercam o tema. “Países economicamente desenvolvidos estão conseguindo colocar quantidades maiores de vacina em relação à sua população do que nós da América Latina e África, onde esse número é muito inferior. Isso pode ser um problema para todos”, disse, citando China, Estados Unidos, Índia, Reino Unido e Brasil como nações que conseguiram mobilizar sua produção local para esse fim.  

"Existe um desequilíbrio entre a capacidade de produção local. E o Brasil está em uma posição privilegiada porque conseguiu mobilizar a produção em seus institutos públicos, que já têm tradição no apoio ao Programa Nacional de Imunização (PNI)”. Krieger lembrou que a Fiocruz deve entregar este ano 100 milhões de doses de vacina produzidas com Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) importado e mais 100 milhões com IFA local, em parceria com a AstraZeneca/Universidade de Oxford. Ao todo, 26 milhões já foram entregues. Entre os desafios, ele destacou a necessidade de unir a vigilância genômica, que detecta variantes do SARS-CoV-2, por exemplo, e a digital, que reúne dados sobre casos e leitos, a uma terceira vigilância, a imunológica — relativa ao impacto nas mutações do vírus da resposta imune das pessoas vacinadas e convalescentes. 

“Sucesso da ciência, fracasso da política” 

Stuart Blum, por sua vez, destacou “um sucesso notável da ciência e um fracasso da política” na pandemia. O professor emérito de estudos de ciências e tecnologia da Universidade de Amsterdã lembrou que muitas das questões que enfrentamos hoje foram previstas, mas “as pessoas não estavam interessadas em ouvir os alertas”.  

Na história recente da política de vacinas, ele mencionou dois estágios anteriores. Os anos 60 e 70 foram considerados a “era de ouro da ciência e da tecnologia vacinais”, assim como da política de vacinação: com o apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS), a imunização foi estendida a países sem acesso anteriormente. “O Leste e o Oeste colaboraram na erradicação da varíola apesar da Guerra Fria. O setor público e o privado colaboraram no interesse da saúde pública”, ressaltou Blum, autor de livros sobre o assunto. 

Ele destacou uma mudança de atitude nos anos 80, com a “era do início da globalização, a queda da União Soviética e a dominância crescente do neoliberalismo”, com as vacinas sendo vistas como fonte de lucro. “A ciência nos deu novas formas de fabricar vacinas, mas o que era conhecimento para ser compartilhado agora estava sendo transformado em propriedade intelectual privatizado e defendido por patentes”, disse. “Muitos governos achavam que já não valia a pena manter os produtores de vacina no setor público, vendendo, fechando, privatizando ou deixando muitos à toa”. 

Blum critica uma fé excessiva nas vacinas, lembrando que só elas não garantem uma volta à normalidade. "As vacinas não podem ser a única solução para os problemas de saúde pública. Vimos a exagerada expectativa dar lugar à decepção. Acho que parte da hesitação vacinal tem a vez com expectativa exagerada incentivada por políticos”. 

Para a diretora-executiva do International Science Council (ISC), Heide Hackman, a Covid-19 acabou por jogar luz de formas sem precedentes sobre a ciência. “A pandemia chegou como um alerta agudo para a comunidade global. É maior do que uma emergência sanitária global, é uma cascata existencial com a destruição antropogênica do sistema de apoio da vida”, disse, apontando seus impactos sobre os trabalhos para atingir os ODS.  

O ISC produziu um trabalho reunindo especialistas internacionais, que procurou traçar cenários para os próximos três a cinco anos, indo do melhor cenário para o pior. No melhor, as vacinas são eficazes contra variantes; controle viral efetivo ocorre ao longo do mundo; a maioria da população é vacinada; e o vírus se torna endêmico, já não sendo considerado determinante na tomada de decisões globais. No pior, surgem mutações que escapam do sistema imunológico; apenas os países ricos conseguem produzir e comprar vacinas; a doença causa impacto em como os países operam seu sistema de saúde, trabalho, vida social e políticas. 

“Tentamos entender desafios e esperamos que os gestores estejam preparados para enfrentá-los”, disse Ines Hassan, gerente de projetos sênior também do ISC. “E que políticas estratégicas vão estimular resultados mais positivos. Isso vai muito além do ODS 3 de Saúde e Bem-estar.” Ines destacou ainda a necessidade de entender os cenários intermediários.  

Hesitação vacinal 

A professora de Sociologia da Universidade do Colorado Denver Jennifer Reich lembrou que a hesitação de adultos em relação à vacina não começou com a Covid-19 e ocorre mesmo em outras campanhas, como a da influenza, com a participação ficando em geral abaixo dos 45%. Ela dividiu a população entre os que se recusam a tomar a vacina em qualquer ocasião, os que tomam sem problemas e os hesitantes — estes não se definem contra os imunizantes, mas também não têm muita certeza se querem ser vacinados. Muitas vezes, esperam para vacinar os filhos porque não estão seguros quanto aos riscos. Ao mesmo tempo, é um “grupo flutuante” e que pode ser convencido. 

“Não temos diálogo sobre os que hesitam”, assinala Jennifer, “mas as pesquisas mostram que esse índice diminuiu de dezembro para março, passando de 39% para 17%”, disse. Segundo ela, se uma pessoa conhece alguém que foi imunizado é mais fácil aceitar a vacina. Da mesma forma que se conhece alguém que não aceita também fica mais inclinado a rejeitar. 

Ao abordar O engajamento de comunidades minoritárias na vacinação, Gwenetta D. Curry, professora de raça, etnia e saúde da Universidade de Edimburgo, lembrou que essa resistência pode vir de questões históricas: “Uma empresa testou em 1996 um imunizante contra a meningite na Nigéria. Onze crianças morreram”, disse. 

Segundo pesquisas, 72% dos britânicos negros disseram em janeiro que não queriam ser vacinados. Para Curry, é preciso ver os fatores que influenciam isso. Sem direito a licença médica, muitos temem perder dias de trabalho por conta de efeitos colaterais. Como mudar isso? Para Curry, a solução passa por envolver líderes comunitários, uma medida que deu certo com a população de origem asiática no Reino Unido. A comunidade médica pode colaborar com esses líderes, promover visitas domiciliares, disponibilizar informações em outras línguas além do inglês, mas é importante também garantir licenças médicas, defende Curry. “A distribuição de vacinas tem que ser mais equitativa, há uma concentração nos países ricos. Não adianta ignorar o que acontece na Índia achando que não nos afeta. A saúde é interligada”, completou. 

O STI Forum é convocado pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc) com o objetivo de discutir como Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) podem ajudar a alcançar os ODS.

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