O rompimento das barragens de rejeitos da mineração da empresa Samarco resultou no maior desastre deste tipo desde os anos 60 e em danos humanos e ambientais inestimáveis. Seus danos ambientais comprometem as funções dos sistemas de suporte de vida. A degradação dos solos e rios compromete a provisão de alimentos; a água para consumo humano falta de imediato para mais de meio milhão de pessoas em mais de 20 municípios em dois estados; perda da biodiversidade e de vários benefícios não materiais que os ecossistemas proveem, como lazer e turismo, valores culturais e religiosos.
Os danos humanos não se restringem somente aos mortos e feridos, desalojados e desabrigados. Incluem os danos que a degradação ambiental representa para a qualidade de vida, trazendo riscos para a saúde no médio e longo prazos: potencial aumento de casos de diarreias e outras doenças transmitidas pelo consumo de água não adequada para o consumo humano através de caminhões pipa contratados sem fiscalização sanitária; doenças respiratórias e contaminação dos organismos quando a lama contendo resíduos de ferro, alumínio e manganês começar a secar e se transformar em grande fonte de poeiras e material particulado inalado pelas pessoas; potencial de surtos de dengue se não for regularizada o quanto antes o fornecimento de água e as pessoas começarem a armazenar água em casa; impactos na saúde mental das famílias afetadas, resultantes tanto da perda de parentes e amigos, como também dos lugares que viviam e suas vizinhanças.
As barragens de Samarco constituem a fratura exposta de um risco de desastres que se encontra espalhado por todo país. São 389 barragens de mineração que constituem fontes de risco de novos desastres caso prevaleça o mesmo tipo de combinação da negligência empresarial com a omissão governamental, resultando no PPP fruto da combinação da procrastinação público-privada. Nossa história recente deixa claro que barragens de mineração são fontes de riscos de desastres, como demonstram os desastres já provocados por outras empresas no estado de Minas Gerais; os de Itabirito (1986 e 2014), Nova Lima (2001) e Cataguases (2007).
Das 389 barragens de mineração espalhadas pelo país, 43,4% estão classificadas como de risco médio, como as barragens de Fundão e Germano. Estão distribuídas por vários estados, do Pará ao Paraná. Até o desastre oficialmente a Samarco era considerada como de risco baixo para o estado de conservação e o plano de segurança. Se isto não era verdade para a Samarco muito provavelmente não é para as centenas de outras espalhadas pelo país.
O desastre da Samarco nos revela a urgência do Brasil adotar efetivamente o Marco de Sendai para a Redução de Risco de Desastres no período 2015-2030 para as 389 barragens do país. Este marco estabelece como primeira prioridade o fortalecimento das instâncias de governança do risco de desastres, envolvendo o fortalecimento dos órgãos governamentais com ações integradas e a participação da sociedade para a prevenção de novos desastres, a preparação e respostas para a ocorrência de algum, a recuperação e reabilitação pós-desastres.
O desastre da Samarco é como uma fratura exposta, que revela os riscos aos quais nossa sociedade se encontra exposta. Exige a mobilização permanente de todos para que a redução de riscos seja uma prática permanente e não apenas mais um discurso oficial e logo esquecido, pois é o único modo de curar nossas feridas e tornar nossa sociedade mais segura e saudável.
*Carlos Machado de Freitas é pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).