Início do conteúdo

25/04/2018

Dia de luta contra malária lembra combate à pobreza

Haendel Gomes (COC/Fiocruz)


O Brasil enfrenta os problemas decorrentes da malária desde meados do século 19. Com o advento da República e a nova diretriz para o desenvolvimento da Amazônia e áreas rurais do país, tornou-se urgente o enfrentamento da doença. No entanto, a falta de continuidade das ações e de uma política de saúde pública dificultam até hoje o combate à enfermidade, avalia o historiador Rômulo de Paula Andrade, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Segundo o pesquisador, fatores econômicos pautaram as medidas governamentais ante o agravo. “Os planos contra a malária nunca vingaram. Os diagnósticos feitos na época já chamavam atenção para os aspectos da precária estrutura social da região amazônica”, disse. A malária pode até matar, de acordo com a ação do plasmódio. “Em geral, a doença deixa o paciente prostrado, impedindo que possa trabalhar”, frisou.

“É muito triste ver casos de malária voltando em regiões onde era controlada, devido à falta de continuidade e estruturação de saúde pública. No momento em você tem fragilidade institucional, começa a retornar algumas doenças”, lamenta o professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (PPGHCS). Usando como exemplo a dengue, doença transmitida pelo Aedes aegypti e endêmica em grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo, Rômulo frisa que a malária faz parte da paisagem da região amazônica.

(foto: Haendel Gomes, COC/Fiocruz)
 

O especialista da COC/Fiocruz faz um relato do esforço nacional para erradicar a enfermidade, principalmente no Norte e Nordeste, e ressalta tratar-se de uma doença negligenciada, que sofre com a falta de investimentos e volta a preocupar as autoridades sanitárias mundiais. De acordo com o relatório do World malaria report 2017 (relatório mundial sobre a doença), em 2016, houve cinco milhões de casos a mais de malária do que no ano anterior. No período, foram registrados 445 mil óbitos pela doença, número equivalente ao de 2015.  

Para conhecer sobre o agravo e despertar a atenção das pessoas, governantes e profissionais da área da saúde, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu 25 de abril como Dia Mundial de Luta contra a Malária. A instituição pretende, com isso, divulgar informações sobre prevenção, diagnóstico e tratamento com toda a população e não apenas com os envolvidos no setor saúde. No Brasil, 99 por cento dos casos da enfermidade são registrados no Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.  “O dia de combate à malária serve para lembrar o combate à pobreza, desigualdade social e de acesso a serviços de saúde e saneamento, e para que a doença não seja mais negligenciada; que seja prioritária nos programas internacionais de combate à doença”, disse.

O historiador lembra que os fluxos migratórios, as grandes construções como a da estrada de ferro Madeira-Mamoré, no início do século 20, e intervenções estatais, como a Rodovia Belém-Brasília, feita na década de 1960 com 2.200 km de extensão, contribuem para o aumento de doenças. 

Oswaldo Cruz, ao centro, de perfil, e a seu lado esquerdo Belisário Pena, visitando o canteiro de obras da ferrovia Madeira-Mamoré (foto: Acervo COC)

 

“O Brasil tem uma trajetória muito bonita de médicos, profissionais anônimos e famosos que dedicaram seus esforços e suas vidas ao longo do século 20 ao combate à doença, que, acabou de certa forma – infelizmente – dando identidade à uma região. Com esse trabalho, ajudaram a criar uma estrutura contra a enfermidade”, destacou Rômulo de Paula Andrade. Como exemplo, lembrou o trabalho do médico Mário Pinotti, cujo método de tratamento usando o sal cloroquinado foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Sobre a malária

A malária é uma doença infecciosa febril aguda, causada por protozoários transmitidos pela fêmea infectada do mosquito Anopheles. De acordo com o Ministério da Saúde, quando realizado de maneira correta, o tratamento – oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – garante a cura da doença.

No Brasil, as estruturas de luta contra a malária foram divididas da seguinte forma, no século 20: Serviço de Profilaxia Rural (1918-1922), dirigida por Belisario Penna; o Serviço Nacional de Malária (1941-1956); o Serviço de Malária do Nordeste (1939-1941) e a Cooperação com a Fundação Rockefeller.

Carroça transportando compressor DeVilbiss da turma de expurgo domiciliar do Serviço de Malária do Nordeste: campanha foi organizada pelo governo brasileiro, por meio do Serviço Nacional de Malária, e o governo norteamericano, por intermédio da Fundação Rockefeller. Ceará, 1940 (foto: Acervo COC)

 

Sobre o tema, a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, editada pela Casa de Oswaldo Cruz, reúne artigos e estudos, disponibilizando-os, também, na plataforma SciELO.

Madeira-Mamoré: a ferrovia do diabo

Com a modernização republicana, que teve na construção de ferrovias um grande símbolo para integrar o território nacional, os cientistas foram chamados para eliminar os surtos epidêmicos na Amazônia e em outras regiões. O êxito das campanhas contra a febre amarela, peste bubônica e varíola, no Rio de Janeiro, credenciaram Oswaldo Cruz a ser contratado pela Madeira–Mamoré Railway Company. A empresa pretendia construir a estrada de ferro que ligaria Porto Velho a Guarajá-Mirim, no atual estado de Rondônia. O cientista, então titular da Diretoria-Geral de Saúde Pública, produziu um minucioso diagnóstico da situação e viabilizou a conclusão do empreendimento.

O relatório Considerações Gerais sobre as Condições Sanitárias do rio Madeira apresentou descrições sobre o quadro de doenças e o abandono das localidades. Antes da contratação de Cruz, que viajou à região com o médico e pesquisador Belisário Penna, a Madeira-Mamoré era conhecida como a “ferrovia do diabo” ou “ferrovia da morte”. O projeto existia desde meados do século 19, como saída para o Atlântico pelos rios Madeira, Mamoré até o Amazonas. Os quase 370 quilômetros da estrada, finalmente, puderam ser construídos entre 1907 e 1912.

Combate à malária na Baixada Fluminense

Antes de atuar na região amazônica, Oswaldo Cruz enviou à Baixada Fluminense dois cientistas de Manguinhos: Arthur Neiva e Carlos Chagas. A dupla chegou a Xerém em fevereiro de 1907 para enfrentar a malária, que havia infectado grande parte da população e impedia a contratação de trabalhadores saudáveis. Lá, eram realizadas obras para levar água até a capital, distante 60 quilômetros da localidade. Além de um hospital de campo, foram adotadas medidas para deter o avanço da doença: a eliminação de focos do vetor, de pântanos e canalização de rios. As autoridades sanitárias promoveram ainda a ingestão obrigatória de quinina, fazendo o tratamento contínuo dos doentes e a proteção dos depósitos de água.

A interrupção das obras de desenvolvimento por causa da doença tirou Chagas da Baixada e o levou a Minas Gerais, onde era realizado o prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil. A ordem para combater a malária em Minas havia partido do ministro da Viação e Obras Públicas, Miguel Calmon du Pin e Almeida.

Os anos 1930 e 1940: a participação da Fundação Rockefeller

A International Health Division, da Fundação Rockefeller, atuou, principalmente, no nordeste e na criação do Serviço de Malária do Nordeste (SMNE), que visava a erradicação da doença. No final da década de 1930, foi implementada a campanha contra o Anopheles gambiae na região, institucionalizando a luta contra a enfermidade no país. A iniciativa marca também a intensa relação do Brasil com a Fundação norte-americana, que já havia colaborado com o governo na década de 1910, e nos anos de 1930 no Serviço de Febre Amarela. O esforço para eliminar a malária na região trouxe a questão ao debate internacional sob uma perspectiva global.

Serviço Nacional de Malária (SNM)

Instituído 1941 no âmbito da reforma do Departamento Nacional de Saúde, o Serviço Nacional de Malária (SNM) tenha por objetivo organizar e executar o enfrentamento ao agravo, produzir estudos e pesquisas sobre a doença. Obras de drenagem, aterros e aplicações de larvicidas, além de inquéritos e investigações epidemiológicas e entomológicas foram adotados para eliminar os transmissores da malária, ainda em sua fase aquática. Um batalhão formado por médicos que coordenavam e supervisionavam os trabalhos de técnicos de laboratório, engenheiros, topógrafos e trabalhadores atuava nas regiões mais remotas do país. O processo já era conhecido desde as ações dos serviços sanitários, em 1910.

Expurgo domiciliar com compressor DeVilbiss, uma das operações do Serviço de Malária do Nordeste, responsável pelo combate ao mosquito Anopheles gambiae. Ceará, 1940 (foto: Acervo COC)
 
 

Com as experiências do SNM, foram adotadas novas estratégias para o combate às endemias rurais no período e em medidas de erradicação, na década de 1950. A redemocratização do País depois da Segunda Guerra Mundial manteve sua estrutura, e originaria o Departamento de Endemias Rurais (DNERu), em 1956, com a direção do médico Mário Pinotti.

Método Pinotti: década de 1950

O sal medicamentoso de Mario Pinotti foi adotado como um novo método de combater a malária, na década de 1950. Consistia no uso do sal cloroquinado, utilizado na região amazônica desde 1952. O medicamento fazia parte das ações da Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), tendo sido utilizado também pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na Campanha de Erradicação da Malária.

O coordenador da Campanha de Erradicação da Malária (CEM), o malariologista Fernando Bustamante, encarava com otimismo a adoção do método Pinotti. Porém, em artigo de 1959, indicava possíveis problemas na aplicação do medicamento. Entre as dificuldades, estariam o alto custo do produto; a necessidade de marcos legais proibindo a venda e o consumo de sal grosso, o aparecimento de cepas resistentes ao cloroquino e a desconsideração das tradições culturais locais. As pessoas não consumiam o sal cloroquinado, devido ao gosto amargo, fato que ocasionava até o tráfico do produto tradicional. Diante das adversidades, que incluíam a inadequação das estratégias do programa na Tailândia e Colômbia, e na própria bacia amazônica, a substância deixou de ser utilizada, em 1961.

Guarda antilarvário lança verde-paris, um dos primeiro inseticidas utilizados, num foco de mosquito numa várzea nas proximidades de Aracati (CE), 1940 (foto: Acervo COC)

 

Outro produto muito usado para conter o avanço do vetor da malária foi o DDT, que já sofria a resistência do Anopheles; não alcançava o interior da Amazônia e representava gasto excessivo de dinheiro.

Voltar ao topo Voltar