02/08/2017
Marina Lemle (Blog de HCS-Manguinhos)
Editores de mundos diferentes – o das revistas de acesso aberto e o das revistas de acesso fechado – reuniram-se no Rio de Janeiro na última segunda-feira (24/7), no simpósio Os desafios do século XXI para revistas de história da ciência e da medicina, organizado pelo editor de História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Marcos Cueto, e o editor de Medical History, Sanjoy Bhattacharya. O simpósio integrou a programação do 25º Congresso Internacional de História da Ciência e da Tecnologia, realizado de 23 a 29 de julho de 2017, com o tema central Ciência, tecnologia e medicina entre o global e o local.
Apesar de o custo de produção em tempos de crise ser um problema comum a todas as revistas, as formas de lidar com ele são essencialmente diferentes. Na América Latina, onde há uma tradição de educação superior pública e pesquisa financiada pelo Estado, as revistas científicas nascem nas universidades e instituições de pesquisa, e são igualmente sustentadas por entidades públicas de fomento. O resultado desse investimento – o conhecimento produzido – é publicado em revistas de acesso aberto ao público. Já na maior parte da Europa e América do Norte os periódicos fazem parte de uma indústria de publicação rentável, dominada por editoras especializadas que cobram caro pelas assinaturas.
Os editores expuseram seus contextos, experiências, perspectivas e desafios locais numa era globalizada, na qual a internet se impõe sobre o papel e pode impulsionar a internacionalização dos periódicos. Vieram à tona os objetivos dos publishers e financiadores, as preocupações e exigências de autores, pareceristas e editores, questões envolvendo medições de fator de impacto e a desconfiança em relação a iniciativas digitais e de divulgação em mídias sociais.
Marcos Cueto foi o primeiro orador do dia, com a apresentação Realizações e Desafios de Revistas da História da Ciência no Brasil; Internacionalização. O editor de HCS-Manguinhos explicou que a maioria das revistas de história brasileiras são financiadas por universidades públicas e integram a plataforma de acesso aberto Scientific Electronic Library Online (SciELO), criada em 1998.
Segundo Cueto, os principais desafios dos periódicos brasileiros são a profissionalização, a sustentabilidade financeira e a internacionalização. Ele explicou que a partir da década de 1990 houve um aumento significativo no número de revistas e artigos publicados no Brasil, mas o número de citações em revistas internacionais continuou baixo. Acredita-se que uma maior presença de estrangeiros no Conselho Editorial, assim como revisores e autores, e o aumento do número de artigos publicados em inglês levem a um crescimento da visibilidade e do impacto internacional das revistas. De acordo com Cueto, a meta do SciELO é ter de 15 a 30% de artigos em inglês.
O portal SciELO foi o tema da editora-executiva de HCS-Manguinhos, Roberta Cardoso Cerqueira. A revista ingressou na base de dados em 2000, disponibilizando online toda a sua coleção. Roberta explicou que o SciELO – uma iniciativa conjunta da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo e do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme) e, a partir de 2002, também do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – tinha por objetivo dar visibilidade às melhores revistas científicas brasileiras através de uma plataforma digital que reduzisse os custos de publicação e oferecesse acesso aberto aos artigos.
“O projeto proporcionou aos editores científicos brasileiros, bem como às equipes das revistas, melhorias nos processos no trabalho de edição e maior conscientização e aprimoramento das práticas de publicação acadêmica. Aos poucos, o programa SciELO se tornou propagador e referência das boas práticas editoriais, além de estimular os editores a acompanharem as tendências das publicações científicas discutidas internacionalmente”, relatou Roberta.
Luciana Costa Lima Thomaz e Silvia Waisse, editoras da Circumscribere: International Journal of History of Science, do Centro Simão Matthias de Estudos em História da Ciência (Cesima) da PUC-SP, apresentaram a revista lançada há dez anos em acesso aberto. A publicação recebe contribuições em inglês, francês, português e / ou espanhol e utiliza a plataforma OJS / SEER, que permite a publicação de várias versões de um mesmo artigo e possui recursos que oferecem mais liberdade do que a publicação impressa padrão, como habilitar figuras grandes e coloridas, apêndices e outros. Cerca de 40% dos autores não são brasileiros e apenas 7% dos trabalhos tratam do Brasil. O Circumscribere faz parte do portal de revistas PUC-SP, que gerencia aspectos como a padronização (CrossRef, ferramentas métricas etc) e a divulgação através de redes sociais.
O acesso aberto também é o modo de publicação da revista espanhola Dynamis, representada no simpósio pela editora Annette Mülberger Rogele. Fundada em 1981, a revista tem duas edições por ano, nas quais publica artigos originais submetidos a revisão duplo-cego e resenhas de livro em qualquer língua falada na União Europeia. A maior parte dos artigos recebidos vem da própria Espanha – 62%. A publicação também recebe artigos latino-americanos (15%) e de outras procedências (23%). Todo o conteúdo é disponibilizado integralmente nos repositórios Raco, DDD e SciELO e está indexado em diversas bases de dados internacionais. A revista é financiada pelas universidades de Granada, Autônoma de Barcelona, de Cantabria e Miguel Hernández (Alicante). “Os usuários têm direito a ler, copiar, carregar, imprimir e distribuir os textos completos sem necessidade de pedir permissão ao autor ou ao editor”, ressaltou Annette.
Os demais editores da Europa e dos Estados Unidos que expuseram seus processos de trabalho e desafios enfrentados representavam publicações de acesso fechado, que funcionam numa lógica diferente. Em comum, destaca-se o rigor acadêmico que o universo das revistas científicas em qualquer modelo de publicação exige.
A revista Centaurus, publicação oficial da Sociedade Europeia de História da Ciência, foi apresentada por Ida Stamhuis. A revista tem como língua oficial o inglês e pode ser acessada pelos membros da sociedade. Duas edições especiais temáticas são produzidas anualmente.
“Edições especiais e publicação eletrônica” foi o tema de Soraya de Chadarevian, da Universidade da California Los Angeles. Segundo ela, edições especiais fornecem um conjunto de ensaios coerentes sobre um tópico comum e resultam de discussões e encontros que reúnem pesquisadores que estudam assuntos correlatos. Cada artigo da edição se sustenta isoladamente, mas o conjunto é desenhado para ser mais do que as partes. Porém, a forma como são publicados e acessados online faz o trabalho de conjunto ficar invisível, uma vez que oferece o conteúdo fragmentado. A questão, ela afirma, abre a discussão sobre o que uma revista representa e o que se quer preservar no mundo da publicação eletrônica.
Michael R. Dietrich, da Universidade de Pittsburgh, EUA, expôs as tendências de publicação do Journal of the History of Biology nos últimos 50 anos, usando informações de um modelo de tópicos criado por Erick Peirson.
Graham Mooney, da Universidade de Johns Hopkins e co-editor da Social History of Medicine, discutiu como os avanços em humanidades digitais trazem problemas e oportunidades para as revistas de história da ciência e da medicina. Para ele, as revistas ainda precisam achar uma forma efetiva de incorporar estas inovações de maneira dinâmica, oferecendo conteúdo estimulante ao usuário e crédito e reconhecimento ao autor. A seu ver, as publicações precisam ser mais proativas em relação ao conteúdo digital.
Staffan Müller-Wille, da Universidade de Exeter, contou sua experiência como editor de History and Philosophy of the Life Sciences, que era editada e distribuída por uma editora familiar de Nápoles, Itália – a Giannini – e, diante da queda do número de submissões, em 2013 foi incorporada pela editora Springer. Segundo Staffan, uma pequena editora não consegue oferecer as opções de acesso aberto que os financiadores agora pedem e nem integrar os acordos de consórcios que bibliotecas de universidades dependem hoje para encher suas bibliotecas com revistas científicas online. Ele contou que, com a Springer, perdeu-se o contato direto e pessoal com a equipe de produção, mas, por outro lado, a publicação eletrônica oferece duas vantagens: a facilidade de lidar com versões do arquivo, dando transparência às decisões editoriais, e as novas formas de organizar o conteúdo da revista.
Representando o mundo do financiamento, João Rangel de Almeida, da Wellcome Trust, fez a apresentação Repensando a publicação acadêmica – a perspectiva do financiador, substituindo o palestrante Simon Chaplin, diretor de Ciência e Cultura da entidade. A Wellcome Trust, uma fundação de caridade independente que apoia a pesquisa em ciências relacionadas à saúde, ciências sociais e humanidades, desenvolveu uma política de acesso aberto que inclui criação de uma nova revista científica, a eLife, em colaboração com o Instituto Médico Howard Hughes e a Sociedade Max Planck, e uma plataforma de publicação a Wellcome Open Research.
Segundo Rangel, nas últimas duas décadas, um terceiro ator complicou o relacionamento entre pesquisador e editor: os financiadores das pesquisas, sejam fundações independentes ou agências de financiamento público. Eles começaram a impor seus próprios requisitos sobre como os resultados da pesquisa deveriam ser publicados, de forma que equilibrar os interesses dos financiadores, dos editores e dos pesquisadores tornou-se um processo complicado.
De acordo com Rangel de Almeida, o grande desafio é em parte o enorme número de revistas, que realmente não é possível ser sustentável. Segundo ele, há um desequilíbrio do número de periódicos, que é maior no Sul do que no Norte. “Como querer competir na esfera global sem ter os recursos para isso? São necessários recursos para edição, tradução, conteúdo adicional, e não está claro como este custo será absorvido por esta multiplicidade de opções, o que leva à questão sobre o futuro das revistas”, afirmou ao Blog de HCS-Manguinhos após a apresentação.