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31/07/2024

Encerramento de cúpula aponta necessidade de colaboração e superação de diferenças globais

Ana Paula Blower e Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)


A Cúpula Global de Preparação para Pandemias 2024 (GPPS 2024, na sigla em inglês), organizada pelo Ministério da Saúde (MS), a Fiocruz e a Coalizão para Promoção de Inovações em prol da Preparação para Epidemias (Cepi), terminou na terça-feira (30/7), no Rio de Janeiro, com uma forte defesa para que líderes mundiais reforcem a capacidade de respostas a futuras pandemias. E essa capacidade passa pela superação de obstáculos e disparidades entre o Norte e o Sul globais no acesso, pesquisa e desenvolvimento de vacinas, medicamentos e insumos de saúde, segundo as discussões nas mesas de debate. No encerramento do evento foi lançada a Declaração do Rio de Janeiro, na qual dez organizações lideradas pela Fundação defendem a soberania em saúde no Sul Global.

O presidente da Fiocruz, Mario Moreira, a presidente da Cepi, Jane Halton, e o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo Econômico-Industrial da Saúde do MS, Carlos Gadelha, representando as três instituições que promoveram a Cúpula, no encerramento do evento (Foto: Peter Ilicciev)

 

“Nestes dois dias, debatemos muitos assuntos, como cooperação regional, capacity building, financiamento, cooperação, pesquisa e desenvolvimento, vigilância global... tudo em um ambiente colaborativo. Produzimos aqui ou evidenciamos importantes convergências, num clima de boa vontade e espírito de cooperação fundamental para a construção de um novo pacto societário global para um mundo melhor preparado para futuras pandemias. Eu diria que a cooperação Norte-Sul é uma das marcas indeléveis desta cúpula”, disse o presidente da Fiocruz, Mario Moreira. “Identificamos inúmeras oportunidades de cooperação com a Cepi, além das já em curso, e saímos com algumas programadas. Precisaremos discutir com nossos parceiros mecanismos de financiamento que sustentem os compromissos que estamos assumindo. Os objetivos que estabelecemos são desafiadores, mas plausíveis”.

Representando a ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo Econômico-Industrial da Saúde do MS, Carlos Gadelha, afirmou que a cúpula “ajudou a quebrar um pouco este mundo tão polarizado na pandemia. Quando olhamos o G20, vemos um bloco muito diverso, com países do Sul Global, do Norte, da Ásia. Esta reunião ocorrer no contexto do G20, no Brasil, é de um simbolismo imenso: de que é possível estabelecer uma relação de confiança, de cooperação, que contribui para a saúde global”, destacou.

A presidente da Cepi, Jane Halton, destacou as conexões feitas durante a cúpula, assim como a “fome de conhecimento” demonstrada. “O que estamos tentando alcançar é uma dinâmica em atividades diárias. Para responder a novas ameaças, precisamos ser resilientes quando sob pressão. Estar sempre vigilantes e prontos. Infelizmente, o mundo ainda não chegou lá, o mundo ainda não está preparado para a próxima pandemia, que poderia estar depois de uma esquina em Londres ou numa cidade perto de vocês. Por isso, é imperativo não esperar por uma crise para atuar. Temos que agir agora”, alertou.

Novo roadmap tecnológico

Durante os dois dias, cerca de 350 integrantes de governos, da sociedade civil, organizações sanitárias e da indústria de todo o mundo se reuniram no evento para ouvir 80 palestrantes que abordaram temas que foram do impacto das mudanças climáticas na saúde à pesquisa e produção regional, não só discutindo as lições deixadas pela pandemia de Covid-19, mas perspectivas futuras. Na sessão que discutiu como viabilizar o acesso equitativo por meio da pesquisa e do desenvolvimento local e regional, a vice-diretora de Qualidade do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Rosane Cuber, disse que a unidade está revendo o seu “roadmap tecnológico” para atender às necessidades regionais, focando no que não é atendido pelo sistema de saúde. “Com isso, pretendemos fortalecer a colaboração com a América Latina e o Caribe”, afirmou.


A vice-diretora de Qualidade de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Rosane Cuber (à esquerda), debateu o acesso equitativo por meio da pesquisa e do desenvolvimento local e regional (Foto: Peter Ilicciev)

 

Rosane destacou que não basta fomentar a capacidade de produção regional: é preciso liberdade para operar nessas novas tecnologias e plataformas, para adaptá-las às necessidades do Brasil e da América Latina. “Financiamento é fundamental. E ele deveria focar em estruturar redes em organizações dos países de rendas média e baixa para conseguir garantir sustentabilidade a longo prazo. Não adianta capital a curto prazo para investir na indústria relacionada à saúde no Sul Global”, disse. 

Para o diretor-executivo do Instituto Pasteur de Dakar, Amadou Sall, tem havido mais apoio à cadeia de produção na África e é preciso aproveitar as oportunidades para alavancar a pesquisa. Ele ressalta, no entanto, que não deve ser olhada só a questão da vacina, mas também de diagnóstico, medicamentos, além de investimento na capacitação de recursos humanos. “Não se deve focar apenas em um país da África, mas em toda a região”, sugeriu. 

Mas para avançar e promover um ecossistema propício para a produção e inovação na América Latina, a coordenação com os Estados membros é fundamental, observou o chefe interino da Plataforma de Inovação e Produção Regional da Oganização Pan-Americana de Saúde (Opas), Tomas Pippo. “É importante a presença do governo tanto na política quanto com investimentos”, disse. Pippo destacou, no Brasil, a parceria com a Fiocruz e o Instituto Butantan na formação de recursos humanos, com cursos que atendem países da região, uma iniciativa que deve ser ampliada. Lembrou ainda a parceria para o desenvolvimento da vacina de mRNA com Bio-Manguinhos.

O papel dos governos

A cooperação internacional e o ecossistema de preparação e resposta a pandemias foi ainda assunto de uma mesa em que os participantes abordaram como os fóruns internacionais, incluindo o G7 e o G20, podem levar adiante os temas do evento. O Acordo sobre Pandemias foi um dos assuntos discutidos. O embaixador Tovar da Silva Nunes, representante permanente do Brasil junto à ONU em Genebra, destacou que dará continuidade às negociações levando tudo o que viu e ouviu na conferência e fez um apelo: pediu ao público que assistia à sessão para que cada um encontre uma forma para que sua voz chegue às delegações que fazem parte das tomadas de decisões para a aprovação do acordo. “Não temos mais tempo para ter um mundo dividido entre Sul e Norte, países desenvolvidos e não desenvolvidos”, concluiu o embaixador.


O embaixador Tovar da Silva Nunes afirmou que não há mais tempo para ter um mundo dividido entre Sul e Norte, países desenvolvidos e não desenvolvidos (Foto: Peter Ilicciev)

 

Para o diretor-executivo do Programa de Emergências Sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mike Ryan, as negociações para as alterações no Regulamento Sanitário Internacional (RSI) são um grande passo, mas ainda levará tempo para serem concluídas. Segundo ele, é como “bater palmas com uma só mão”. Ryan afirmou que é necessário “algo mais, porque o RSI se concentra nas capacidades e no processo de detectar, verificar, responder, interagir, comunicar, mas não lida com as capacidades do sistema para produzir contramedidas, fornecer resultados clínicos, fazer pesquisas e as verdadeiras questões políticas de acesso: quem vai pagar, quem vai receber”, disse.

Ryan destacou que eventos como a Cúpula são importantes e que iniciativas regionais são bem-vindas, mas não substituirão a atuação dos Estados e o poder de um consenso global. “Não é a OMS, não são as Nações Unidas. É responsabilidade soberana dos governos cuidar da saúde e do bem-estar das suas populações. Há muito trabalho em andamento no G20 e no G7 sobre instrumentos financeiros porque grande parte da desigualdade da pandemia foi causada pela ‘diplomacia do talão de cheques’”, comentou. Ele defendeu que os Estados-membro da OMS prestem contas, responsabilizem-se e liderem, enquanto a comunidade científica siga e cobre resultados. “Sem esse acordo solene, ficaremos à deriva”.


O diretor-executivo do Programa de Emergências Sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS), Mike Ryan, defendeu que os Estados-membro da OMS prestem contas, responsabilizem-se e liderem, enquanto a comunidade científica siga e cobre resultados (Foto: Peter Ilicciev)

 

Mudanças climáticas e dados

A relação entre as mudanças climáticas e a disseminação de doenças infecciosas emergentes foi tema de uma das principais palestras do último dia. O diretor do Centro para Respostas e Inovação em epidemias (Ceri, na sigla em inglês) da Universidade de Stellenbosch, Tulio de Oliveira, apresentou seu trabalho sobre o tema, o que levou a uma conversa com o coordenador do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), Mauricio Barreto.


O pesquisador Mauricio Barreto (à direita) explicou o trabalho do Cidacs com dados em saúde e disse que a experiência torna possível detalhar fenômenos que não são vistos na clínica (Foto: Peter Ilicciev)
 

 

Barreto comentou como há, hoje, muitas evidências sobre como políticas públicas de redução da pobreza têm impacto no processo de transmissão de doenças: “A forma como a urbanização na América Latina está se dando está criando condições de transmissão de arboviroses, por exemplo, que podem aumentar a velocidade da transmissão. Quando esses problemas sociais antigos não são resolvidos, as mudanças climáticas se somam a eles, os ampliam e criam condições de surtos, epidemia e pandemias”, explicou.

Ao explicar como o trabalho do Cidacs com dados em saúde pode chegar a resultados, Barreto destacou que a quantidade e a qualidade das informações em saúde está cada vez mais aumentando no mundo. “O que estimulamos no nosso centro é unificar e relacionar essas informações”, afirmou ele, apresentando brevemente as coortes do Cidacs, como o de 100 milhões de brasileiros. “Assim é possível detalhar fenômenos que não são vistos na clínica, por exemplo, como um achado recente do centro sobre a persistência do risco de óbito após a chikungunya em até três meses do início dos sintomas da doença, mostrando quão danosa essa doença pode ser. Isso só é possível se você linka essas informações e as investiga com os recursos adequados”.

Num balanço sobre os dois dias de conferência, o pesquisador Jorge Bermudez, professor da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e consultor da Fiocruz e da Opas/OMS, disse que a palavra-chave foi “acesso equitativo”. Segundo ele, “houve uma convergência de propostas que agora certamente terão que ser colocadas em prática. Há uma diferença entre o Norte Global e o Sul Global, como foi apontado, há uma tentativa de aproximação, investimento do Sul Global em pesquisa e desenvolvimento, não apenas em produção. Esperamos que deem resultados numa próxima pandemia”.

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