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10/10/2018

Especialista fala sobre tecnologia e inovação à serviço dos ODS

Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)


Em novembro, a Fiocruz será uma das coorganizadoras de um dos maiores eventos internacionais de tecnologia para o desenvolvimento sustentável. O G-STIC é uma série conferências globais que busca soluções tecnológicas e inovadoras que tenham potencial de acelerar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o plano de metas da ONU para 2030. O evento acontece em Bruxelas, entre os dias 28 e 30 de novembro, e se divide em sete grupos temáticos: Agroecologia, Economia circular, Educação, Comunidades com energia sustentável, Dados geoespaciais, Saúde e Valor da água. 

Em visita à Fiocruz, Veerle Vandeweerd falou à AFN sobre a proposta do G-STIC, o papel da Fiocruz e as principais atividades do evento (foto: Peter Ilicciev)

 

Veerle Vandeweerd é a diretora de políticas do G-STIC. Ex-funcionária da ONU, ela possui uma longa experiência na área do desenvolvimento sustentável. Em setembro, ela visitou a Fiocruz para discutir a organização do evento, em conjunto com o representante do Instituto Flamengo de Pesquisa Tecnológica (Vito, na sigla em inglês), Dietrich Van der Weken. A Vito é uma instituição científica sem fins lucrativos e a principal organizadora do evento. Eles falaram à AFN sobre a proposta do G-STIC, o papel da Fiocruz e as principais atividades do evento.

AFN: O que é o G-STIC?

Veerle Vandeweerd: O G-STIC é uma nova série global de conferências ou um novo movimento global em tecnologias sustentáveis para apoiar a transição para um mundo mais equitativo e sustentável. É um programa independente dentro da Vito, mas também organizado por instituições como a Fiocruz, que é um parceiro importante, assim como as instituições da Índia - o Instituto indiano de tecnologia em Deli (IITD) e Instituto de energia e recursos na Índia (TERI) - e da África - o Centro Africano de tecnologia (ACTS), no Kênia.

AFN: E como se deu essa parceria com a Fiocruz?

Veerle Vandeweerd: É a primeira vez que a Fiocruz é um parceiro. Ela tem um papel muito significativo. Se você olhar para todo o campo do desenvolvimento sustentável, a saúde é uma pré-condição para nos movermos para um mundo mais sustentável. Se não disponibilizarmos serviços de saúde para as pessoas e se não modificarmos o que causa impacto à saúde, como a poluição, não alcançaremos os objetivos.

A Fiocruz tem dois papéis principais, na verdade. Em primeiro lugar, o Brasil tem um modo alternativo de entregar serviços de saúde. Em muitos países os serviços de saúde são comerciais. Aqui, graças às leis e à regulação, as pessoas conseguem ter acesso a serviços médicos básicos, incluindo vacinação, fornecidos pelo governo. Fazer isto de uma maneira efetiva em relação aos custos é uma grande realização e vimos que a Fiocruz foi capaz de desenvolver este modelo.

Por mais 100 anos, apesar dos diferentes regimes políticos, a Fiocruz esteve lá, entregando serviços de saúde básicos para as pessoas, 200 milhões de pessoas. Não estamos falando de uma coisa pequena. Então, quando eu vim aqui e eles me apresentaram como estão fazendo, eu pensei “uau, se ao menos a gente conseguisse contar isso para o resto do mundo”. Assim, poderíamos mostrar a países que estão implementando seus sistemas de saúde e que estão lutando para entregar serviços de saúde às suas populações como isto é feito aqui. Não precisa ser sempre o sistema que temos, por exemplo, na Bélgica. Existem sistemas alternativos. Acho que um deles é o que a Fiocruz, junto com o governo e a sociedade do Brasil, foi capaz de desenvolver. 

Isso é algo que precisamos desesperadamente, porque a comunidade global decidiu que até 2030 nós teremos saúde para todos. E o problema é, como fazemos isso? Sabemos que com os sistemas atuais, isso nunca funcionará. Sempre haverá as 2 milhões de pessoas na parte inferior da pirâmide que não poderão pagar por seus serviços de saúde. Então, como você pode prover serviços de saúde para todos, se as pessoas não têm dinheiro? Precisamos encontrar abordagens diferentes e uma dessas abordagens está aqui. Esta é a primeira razão.

A segunda razão é que a Fiocruz é, sem dúvida, uma referência: é grande, tem excelentes pesquisadores e uma capacidade incrível. Ela está na ponta da inovação, está testando coisas novas, está olhando diferentes maneiras de abordar serviços de saúde, tem uma rede incrível no mundo todo, com todos seus institutos. Então, é uma escolha óbvia. Eu acho que quando procuramos um parceiro na saúde, a Fiocruz se destacou. Estamos muito honrados e contentes que ela tenha concordado em fazer parte do G-STIC e não apenas ser parte, mas ser uma das coanfitriãs, um dos parceiros estratégicos que ajuda a desenvolver o G-STIC. 

É uma iniciativa jovem, tem 20 meses, ainda estamos no processo, também porque os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030 são novos. Os países estão agora fazendo seus planos estratégicos, seus quadros de referências, como entregar saúde para todos e, para isso, a Fiocruz pode ser muito útil e estamos contentes por isso.

AFN: E qual a importância do sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável?

Veerle Vandeweerd: Sem isso, não vai acontecer. Fizemos muitos estudos quando eu ainda estava nas Nações Unidas, mas empresas comerciais também fizeram estudos, que dizem que mesmo que utilizássemos todas as melhores tecnologias disponíveis hoje no mundo, nós não atingiríamos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e com certeza não atingiremos os Objetivos do Clima.

O mundo concordou que ficaremos abaixo de 2 graus célsius no aumento de temperatura. No entanto, mesmo que a gente aplicasse em todos os lugares - em carros, em construções - as melhores tecnologias disponíveis, ainda assim, não chegaríamos lá. Precisamos de novas tecnologias. E com muita frequência essa nova tecnologia, ou parte dela, já existe em instituições de pesquisa como a Vito, a Fiocruz e outros coanfitriões do G-STIC. Mas as pessoas não sabem. Há interesse, há mercado, há dinheiro. Queiramos ou não, as novas tecnologias virão. Se pegarmos a saúde novamente como exemplo, o laboratório em um chip virá, médicos remotos virão. O conhecimento está aí, e uma vez que o conhecimento existe, vai acontecer.

A importância dessa transição tecnológica é incrível. Na verdade, ela é subestimada. Se você perguntar aos governos – e os governos apresentam relatórios anuais para as Nações Unidas - e se você olhar para estes relatórios e para como os governos dizem que vão atingir os Objetivos da mudança climática e os ODS, verá que a tecnologia não está desempenhando nenhum papel. E eu olho para isso e digo: ‘bem, não vai funcionar’. Mesmo na Bélgica, nós não falamos de tecnologia. Mas se não mudarmos nossa tecnologia, de nossa indústria e de nossa sociedade, nós não vamos alcançar nossos Objetivos. 

Apenas para dar um último exemplo, para atingir o Objetivo de acesso universal ao saneamento [ODS 6], precisamos dar a 500 mil pessoas por dia acesso ao saneamento. Com a tecnologia atual, não é possível, é muito caro. No entanto, temos tecnologia que já existe e que permite que as pessoas recuperem energia e nêutrons do esgoto e, devido a ela, isso se torna acessível. Então, precisamos disso, senão teremos muitos problemas. Isso não é o que queremos para nossas crianças e netos.

AFN: A saúde é um dos novos grupos de trabalho do G-STIC. Por que o tema foi introduzido? E como o tema estará presente nos outros grupos? 

Veerle Vandeweerd: Bem, isso você deveria perguntar ao pessoal da Fiocruz, pois eles são os especialistas. Mas uma das sessões no grupo temático de saúde especifica como relacionamos isso à água, como relacionamos à energia. Porque existem relações entre eles. E vice-versa. As pessoas de energia e de água, por exemplo. Água e saúde, culinária e saúde, poluição e saúde, entende? São muitas interrelações. 

Essa é uma das características do G-STIC. A maioria das conferências sobre tecnologia e sustentabilidade focam separadamente em energia, água, saúde, mas o G-STIC não é assim. Realmente queremos atingir um mundo mais sustentável? Então precisamos pensar fora da caixa, precisamos pensar diferente, precisamos pensar como a saúde interage com a água, e como ministérios têm que trabalhar em conjunto. Esta é a inovação. Um ministro responsável pelo desenvolvimento econômico que venha ao G-STIC pode ir às sessões de saúde, de água e de energia e pensar: ‘eu não sabia que estas coisas estavam ligadas e talvez eu precise de um modelo de negócios distinto como, por exemplo, vocês têm aqui com o modelo de saúde no Brasil´. Então, é por isso que essa interrelação - esse trabalho de temas transversais entre as diferentes sessões -  é tão importante.

AFN: Então, cada sessão pensará como se relaciona com as outras?

Veerle Vandeweerd: Sim, e depois teremos uma plenária onde juntaremos isso tudo. Assim, as pessoas poderão focar na sua tecnologia específica, mas com um olho no que está acontecendo. No último dia juntaremos tudo e olharemos o que isso significa para os temas transversais, o que significa para o clima, o que significa para gênero, como isso se aplica para as cidades, como isso se aplica para pessoas que vivem com um dólar por dia. Porque se falarmos sobre serviços de saúde universais e não pensamos como iremos proporcionar isso para pessoas que vivem com menos de um dólar por dia, o que estamos fazendo?

AFN: Os temas transversais são outra característica do G-STIC. Por que vocês escolheram essas prioridades, engajamento jovem, gênero, entre outras?

Veerle Vandeweerd: Isso se deve um pouco à minha experiência anterior trabalhando na ONU. Toda a agenda de gênero é uma agenda que eu acho que as Nações Unidas impulsionam bastante e com muito sucesso. Toda a agenda da juventude e do engajamento juvenil é muito forte. Existem muitos tópicos que poderíamos pegar, mas olhamos para grupos bem organizados com quem poderíamos trabalhar. Minha experiência é que se você faz progressos em uma área, você vai fazer progressos em muitas áreas. Se você simplesmente pensar no que significa ter uma população saudável, ter vacinação para todos, as consequências em tantos campos - no mercado de trabalho, na educação - são tão incríveis. Então, existe todo esse trabalho transversal, não podemos cobrir tudo, obviamente o G-STIC não quer cobrir tudo, mas queremos encontrar pontos de entrada pelo qual poderemos mudar a sociedade. E para mudar a sociedade você também precisa mudar a economia. E se você tem alguns pontos de entrada, o resto virá em seguida. Tenho certeza que é possível, mas não é fácil.

AFN: Outra característica do G-STIC é que ele une não só instituições de ciência e tecnologia, mas também sociedade civil, setor privado, governos e agências da ONU, por que vocês consideram isso importante?

Veerle Vandeweerd: A sociedade precisa mudar e ela é feita desses atores diferentes. Eu realmente acho que o tempo em que tínhamos para fazer diagnósticos e avaliações acabou. Sabemos quais são os problemas. E, com muita frequência, sabemos quais são as soluções. E agora temos que aplicar, não para 2%, mas para 90%. E para 90% você precisa de todos os atores da sociedade. Precisamos dos governos para criar ambientes propícios, precisamos das pessoas para demandar. Governos escutam as pessoas. Além disso, elas são também clientes, estão comprando os serviços, e você precisa da indústria para também trabalhar junto. 

Essa também é uma das características chave do G-STIC: nós não trabalhamos apenas com a comunidade científica ou com o setor privado, nós trabalhamos com diferentes atores na sociedade porque em conjunto eles têm que mudar e em conjunto eles precisam abraçar o desenvolvimento sustentável e eles precisam estar confiantes de que é possível. Não é pouco comum que as pessoas tenham medo da mudança climática e então neguem sua existência. Esta não é a maneira certa de lidar, porque está acontecendo. E a única maneira de lidar é ficar confiante de que isso pode trazer um futuro melhor. Ok, vamos precisar de novas tecnologias, vamos precisar fazer as coisas de outra forma, vamos precisar organizar suas atividades econômica e industriais de outra forma, mas pode ser um bom futuro para nós, para todos e para nossas crianças. Então, esse é nosso tipo de otimismo no G-STIC, dizemos: ‘as pessoas são inteligentes’. Como eu disse, existem muitas pessoas inteligentes na Fiocruz, muitas pessoas inteligentes com quem tenho conversado e que sabem o que pode ser um futuro mais sustentável. Então, vamos usar essas pessoas e vamos trazer isso à tona e dar às pessoas a confiança para construir um mundo melhor.

AFN: E como funcionam os desafios do G-STIC?

Veerle Vandeweerd: Muita inovação acontece com pessoas jovens, acontece no Sul Global, acontece em vilas. Bem, veja a bicicleta de bambu! Eu amo a bicicleta de bambu. E esses jovens, também temos eles em Nairóbi. Nós temos cinco jovens empreendedores, pessoas de vilas, que estão inventando coisas, que fazem coisas. Então, a ideia toda é que o futuro está nas mãos dos jovens. Não precisa ser sempre as grandes empresas, o Google e as empresas de carros os que trazem as inovações. Jovens podem trazer a inovação.

Dietrich Van der Weken: Os desafios foram lançados para encorajar jovens, estudantes, jovens pesquisadores, a proporem novas ideias sobre soluções tecnológicas com impacto nos ODS. Eles estão relacionados aos diferentes grupos temáticos. Então, os participantes foram convidados a submeterem um pitch em que eles apresentam suas soluções e o impacto nos ODS.

Estudantes podem trazer ideias novas e frescas e pesquisadores são solicitados a relacionarem a própria pesquisa aos ODS. O que é bom é que não usamos um júri para avaliar as diferentes propostas, é uma avaliação entre pares, cada participante será convidado a avaliar cinco outras propostas. Desse modo, os diferentes participantes elegem eles mesmos os vencedores. É uma boa maneira de interagir entre si. Além disso, as novas gerações terão que fazer isso no futuro, desenvolver e empregar as diferentes soluções. Por isso que é tão importante envolver as novas gerações na iniciativa do G-STIC.

A juventude é um dos nossos temas transversais e os vencedores do desafio estão convidados a apresentar suas ideias dentro das diferentes sessões da conferência para que tenhamos pelo menos um representante das novas gerações em cada uma das sessões paralelas. 

AFN: E a exposição, como será?

Dietrich Van der Weken: Esse é o primeiro ano que teremos a exposição. No ano passado, muitos participantes nos disseram que se falamos sobre tecnologia é preciso ver alguma coisa. Então, essa é uma das principais razões pela qual estamos montando uma exibição e esperamos ter por volta de 15 a 20 estandes de empresas que forneçam soluções tecnológicas com impacto nos ODS. Esperamos que seja um sucesso e que, em longo prazo, tenhamos uma exposição eclética, com a vanguarda em tecnologia sustentável. Não queremos estandes comerciais apresentando empresas, mas focados em tecnologias específicas que se relacionem ao conceito do G-STIC. Estamos confiantes de que teremos estandes bem interessantes.

AFN: O que alguém que vá ao G-STIC pode esperar encontrar?

Dietrich Van der Weken: G-STIC é um evento muito interessante em que se pode aprender muito sobre soluções tecnológicas que funcionam agora. Não é uma conferência científica onde a pesquisa científica é apresentada ou ilustrada em pesquisas que ainda estão longe do mercado. Realmente focamos em soluções prontas para o mercado. E o que é bom é que tentamos trazer recomendações específicas para decisores políticos.  Como facilitar a implementação dessas soluções. Então, por um lado, mostramos soluções tecnológicas prontas para o mercado com significativo impacto nos ODS. Por outro lado, nós refletimos sobre as mudanças políticas que precisam acontecer para facilitar a implementação e expansão das soluções.

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