04/09/2018
Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)
No dia 28 de agosto, o secretário nacional de Articulação Social, Henrique Villa, esteve na Fiocruz para participar do programa Sala de Convidados, do Canal Saúde. O programa discutiu a implementação da Agenda 2030 da ONU no Brasil. Villa ocupa atualmente o cargo de secretário executivo da Comissão Nacional para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). A comissão, composta por oito membros de governo e oito da sociedade civil, com seus respectivos substitutos, é a instância máxima da Agenda 2030 no Brasil e conta com assessoramento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na ocasião, o secretário também falou com a AFN sobre o andamento desta agenda no Brasil. Villa acredita que a mudança de governo após a eleição deste ano não deve afetar o andamento do trabalho da comissão. “Este é um compromisso de um conjunto de atores sociais brasileiros, portanto não é um processo específico que diz respeito a um governo ou a governos, mas a toda sociedade brasileira. Esta não é uma agenda de governo, mas uma agenda de Estado”, defendeu.
AFN: O Brasil teve um papel importante na concepção da Agenda 2030. Como o país está hoje em relação à implementação dessa agenda?
Henrique Villa: A gente considera sempre que existem três etapas da implementação da Agenda 2030. Na etapa de negociação, o Brasil foi muito protagonista. O nosso Ministério das Relações Exteriores trabalhou muito desde 2012 para levar todas as ideias e desafios brasileiros para a agenda global. Tem uma ‘digital brasileira’ muito forte na Agenda 2030. Temos outras duas etapas acontecendo neste momento que são fundamentais para implementação do processo no Brasil, a etapa de internalização, que é quando a agenda global desembarca e é apropriada pelo país, e a etapa de interiorização, que é quando esta agenda chega aos territórios, ou seja, aos estados e municípios.
Em relação à etapa de internalização, nesse momento temos três fases fundamentais concorrendo. Temos o processo de adequação de metas, quando você pega meta por meta e adequa à realidade brasileira. Temos o processo da consolidação da governança. E quando eu falo de uma instância de governança, ela é fundamental para o salto. Você precisa ter uma comissão funcionando, precisa ter o assessoramento da comissão funcionando, você precisa ter um canal de comunicação muito robusto, que é a Plataforma ODS Brasil e o odsbrasil.gov.br. Você precisa ter um conjunto de estruturas dando apoio ao salto. Portanto, essa etapa de internalização tem governança, tem adequação de metas e tem monitoramento, por meio dos indicadores, que é a contribuição do IBGE. Portanto, você se apropria da agenda global e transforma a agenda global na agenda brasileira. Estamos falando agora da Agenda Brasil.
Agora, para você efetivamente implementar, não basta ter uma boa governança, você precisa chegar aos estados e sobretudo aos municípios. Tudo ocorre no território. É a etapa de interiorização ou localização da Agenda 2030, que para um país continental como o Brasil é um desafio extra. Qual desafio extra? Você chegar ao território e fazer com que prefeitos e governadores entendam o papel fundamental deles nessa caminhada até 2030. No Brasil isso não é trivial, pois há muita desigualdade e alguns estados e municípios conseguem entender e têm capacidade para nos permitir um convite para a caminhada até 2030 e outros estados e, sobretudo, municípios não têm a menor condição para tal. Precisamos chamá-los para isso, proporcionar governança local, treinamento de equipes, entrega de alguns tipos de produtos onde eles possam se enxergar como protagonistas do processo. É um cardápio de ofertas que a gente tem para que estados e municípios possam fazer parte da caminhada.
AFN: Durante o programa Sala de Convidados, você ressaltou o desconhecimento da população em relação à Agenda 2030. Apenas 11% dos brasileiros conhecem a agenda e cerca de 1% da população trabalha nela. No entanto, a participação do cidadão é fundamental. Quais estratégias da comissão para mobilizar a população?
Henrique Villa: O desafio de fazer a Agenda 2030 conhecida não é um desafio apenas do Brasil, a gente tem colegas do Reino Unido, dos Estados Unidos e outros, e constata que existe um déficit de comunicação em relação à Agenda na maioria dos países. Mas no Brasil, um país continental, isso é mais grave. A gente insiste que isso é uma agenda de todos, a gente insiste que ninguém deve ser deixado para trás. Todo e qualquer brasileiro é protagonista da Agenda, eu sempre digo. ‘Como assim protagonista da agenda?’ Ele é protagonista na Agenda quando ele acondiciona melhor o lixo, quando não joga lixo na rua, tem uma meta específica em relação a isso. Ele é protagonista quando ele obedece às leis de trânsito, tem uma meta específica sobre isso. Ele é protagonista quando ele dá parte do seu tempo, uma parte do dia por exemplo, para sentar com as crianças e olhar para as tarefas diárias que elas trazem da escola, tem uma meta específica para isso. No entanto, para efetivamente ocupar o seu papel de protagonista da Agenda, você precisa ser informada, e aqui a gente tem um déficit de comunicação enorme. Por isso que, neste momento, meu esforço é ampliar o conhecimento da população brasileira em relação a isso. A gente tem um plano de comunicação no forno, pronto para ser oferecido para a sociedade brasileira, mas que queremos estratificar. A informação que chega à criança e ao adolescente não é a mesma que deve chegar à pessoa que está em casa hoje cuidando do lar. A informação que chega ao acadêmico e pesquisador, não é a mesma que chega, por exemplo, ao empresário.
Portanto, a gente vai ter um plano básico de comunicação, que, como eu disse, deve estar pronto em no máximo em 15 dias, e será oferecido à sociedade brasileira. O Governo Federal vai fazer a parte dele, com a Secretaria de Comunicação da Presidência fazendo essa comunicação, mas cada parceiro nosso assume sua parte. Por isso que a instância de governança é fundamental. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto Ethos assumem o diálogo com empresas, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e a Academia Brasileira Ciência (ABC) assumem o diálogo com a academia, a Fundação Abrinq e Visão Mundial assumem o diálogo com o terceiro setor, União Geral do Trabalhadores (UGT) assume o diálogo com os trabalhadores e Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) assumem o diálogo e a transformação da agenda em algo palpável para estados e municípios. É um esforço coletivo de comunicação. O que a gente quer é que todo brasileiro entenda as oportunidades que uma agenda como essa pode oferecer à sua realidade, à sua família, à sua comunidade.
AFN: O lema da Agenda 2030 é que “ninguém seja deixado para trás”. Como está sendo feito o processo de avaliação no Brasil levando isso em conta essa especificidade?
Henrique Villa: Esse mote “Ninguém deixado para trás” é um desafio sobretudo dos grandes países. O Brasil não é um país como a Suécia, a Dinamarca, o Japão, que são países muito mais homogêneos, muito menos desiguais, com um território absolutamente sob controle. O Brasil é um país continente. Gerir e governar uma agenda como essa no Brasil é como se eu estivesse na União Europeia fazendo a gestão da Agenda 2030, sendo que as nossas desigualdades são muito maiores que as da União Europeia, mesmo com o alargamento da União Europeia e a incorporação dos países do leste europeu. Como implementar uma agenda em um local tão grande e com tanta desigualdade? Evidentemente, as médias não podem satisfazer o Brasil no que ele precisa entregar em 2030. Portanto, o desafio extra do Brasil é olhar a média, mas olhar também como a média se estabelece no território.
Nós temos basicamente 244 indicadores globais. Temos hoje três categorias de indicadores. A categoria 1, em que a gente tem metodologia e tem base de dados. Tem uma categoria 2, em que às vezes não tem metodologia e às vezes não tem bases de dados. Via de regra não tem base de dados, tem metodologia e não tem bases de dados. E a categoria 3 que você não tem nem um nem outro, nem base de dados nem metodologia. O que os países do mundo estão fazendo? Olhando basicamente para a categoria 1, que tem base de dados e metodologia, gerando esses indicadores e disponibilizando.
Qual o compromisso do IBGE conosco, com a Comissão Nacional para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável? A cada consenso sobre indicadores sobre a Agenda 2030, o IBGE disponibiliza bases de dados, metodologias, metadados para a sociedade brasileira e para os parceiros da ONU na plataforma ODS Brasil. Esta plataforma tão importante de ser divulgada. Os dados e indicadores brasileiros estão lá. Até o final do ano devemos ter 45% dos indicadores globais disponíveis na plataforma brasileira, outros 25% aproximadamente desses indicadores estão sendo trabalhados pelo IBGE, pois a gente tem metodologia, mas não tem bases de dados. Por exemplo, alguns indicadores você só consegue usar dados do Censo e nós só temos Censo no Brasil a cada dez anos. Precisa ter proxy para censo, para não ter que esperar a cada dez anos para calcular indicadores. Isso é outro desafio. Então, a gente vai avançar nessa categoria 2.
O desafio é a categoria 3, mas esse não é um desafio brasileiro, é um desafio global, porque você não tem metodologia e muito menos base de dados. Os países estão tendo uma dificuldade enorme de chegar a consensos sobre metodologias de alguns desses indicadores. Portanto, hoje o papel do IBGE como interlocutor neste esforço é enorme. Porque é isto que nós estamos discutindo. Qual é a metodologia, por exemplo, no Objetivo 16 (Paz, justiça e sociedades pacíficas), tem uma meta 16.5 que fala sobre combate a corrupção? Ela diz: reduzir substancialmente os casos de corrupção e lavagem de ativos. Como você mede redução substancial de corrupção e lavagem de ativos? Primeira coisa, tem que ter uma metodologia para isto. E não é trivial os países chegarem a um consenso sobre esta metodologia. Então, tem várias metas como esta em discussão neste momento sobre como chegar a uma metodologia razoável para poder atender a cobrança da ONU em relação aos indicadores. Isso quer dizer que vai demorar e não sabemos quando vamos poder entregar isso. Esta categoria representa quase um terço dos indicadores.
AFN: Como estamos em relação ao tema da saúde nos ODS?
Henrique Villa: Começo a te responder com a fala de Ban Ki Moon, secretário geral da ONU na época do lançamento dos ODS, ele dizia que os objetivos são indivisíveis e indissociáveis. Na verdade, você não consegue transformar a situação da saúde apenas olhando para o objetivo 3, o Paulo [Buss] até fez esse comentário lá [no programa Sala de Convidados]: falta a questão do bem-estar. Ou seja, eles estão espalhados. A questão de saúde está espalhada no ODS 6, água de saneamento, está espalhada no trabalho decente, a questão de saúde está espalhada em segurança alimentar. Porque se você não come bem, se você não tem acesso a alimento de boa qualidade, isso vai afetar sua saúde. E, evidentemente, está explícita no ODS 3.
Portanto, a questão da saúde permeia boa parte dos objetivos. Mas o grande momento é o ODS 3, que inclui mortalidade infantil, mortalidade materna, controle de endemias, a questão das indústrias químicas, a questão de drogas e controle do álcool, está tudo lá no Objetivo 3. Tem também a questão de redução de acidentes e mortes no trânsito. O Brasil é um dos top 5 países no número de mortes e lesões causadas por acidentes de trânsito. A gente já adequou essa meta. Fizemos um trabalho capitaneado pelo Ipea de adequação de metas, que ainda não divulgamos, mas foi feita de forma muito concreta. Setecentos especialistas pegaram as 169 metas, se debruçaram sobre elas e produziram uma adequação de metas para a Agenda 2030 do Brasil. E é sensacional, porque em algumas metas a gente está indo além, outras a gente está readequando, não dá para pensar em entregar nada em 2020. Por exemplo, a meta sobre acidentes. O Brasil tem hoje cerca de 25,8 mortes por 100 mil habitantes, os Estados Unidos têm 10,8. Então, reduzir pela metade até 2030 é chegar ao padrão americano. Isto quer dizer, as estradas têm que ser outras, o atendimento de saúde aos acidentados tem que ser outro, precisamos ter controles de velocidade efetivos, é todo um processo. Portanto, entregar uma meta dessa até 2030 significar readequar todo o processo. O desafio em um país continente de uma agenda como esta é absurdo, mas o compromisso está assumido. E as oportunidades são enormes quando você sinaliza parceria e compromissos com a Agenda 2030, você vai ter inclusive capacidade de ir ao encontro dos recursos que estão disponíveis para isso no sistema mundial.
AFN: E qual você avalia que deve ser o papel da Fiocruz neste processo?
Henrique Villa: A Fiocruz é parceira da comissão na estrutura de governança da comissão, em câmaras temáticas da comissão. O papel central da Fiocruz como uma instituição de pesquisa, de produção, de formação de recursos humanos, como uma instituição que entrega saúde na ponta, e que está de alguma forma acompanhando o processo no Brasil, é fundamental. É uma instituição de excelência. Esta é uma iniciativa de Estado e uma iniciativa como esta não pode abrir mão da Fiocruz. Eu acho interessantíssimo e muito importante eventos como este do Canal Saúde. É um trabalho fundamental de envolvimento de uma instituição de excelência em um esforço que é de todos nós. E a Fiocruz traz isto, traz expertise, mas traz seriedade para este desafio enorme do Brasil.
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