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12/03/2018

Especialistas discutem resultados da pesquisa 'Divas'

Graça Portela (Icict/Fiocruz)


O Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) recebeu, nos dias 1 e 2 de março, a visita de representantes do Ministério da Saúde, Unesco e das coordenações locais da pesquisa Divas - DIversidade e VAlorização da Saúde (ou em seu nome oficial: Estudo de abrangência nacional de comportamentos, atitudes, práticas e prevalência de HIV, Sífilis e Hepatites B e C entre travestis e mulheres trans), coordenada por Francisco Inácio Bastos, do Laboratório de Informação e Saúde (LIS) do Icict/Fiocruz, e por Monica Malta, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). 

Financiada pela Unesco e pelo Ministério da Saúde, a pesquisa ouviu cerca de 2.800 travestis e mulheres trans em doze capitais (fotos: Rodrigo Méxas, Icict/Fiocruz)

 

A pesquisa, financiada pela Unesco e pelo Ministério da Saúde, ouviu cerca de 2.800 travestis e mulheres trans em doze capitais – Belém (PA), Manaus (AM), Fortaleza (CE), Salvador (BA), Recife (PE), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS) – entre 2016 e 2017, e teve como principal finalidade descrever o perfil sócio-demográfico e comportamental, os conhecimentos, atitudes e práticas relacionadas à infecção pelo HIV/Aids e demais IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), além de estimar as taxas de prevalência de HIV, sífilis e hepatite B e C para cada rede social acessada nestes municípios.

O estudo foi coordenado localmente por diferentes pesquisadores, envolvendo além da Fiocruz outras instituições como o Instituto Evandro Chagas (SVS/MS), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade de Brasília (UNB), a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), a Universidade Tuiuti do Paraná, a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (CE), a Fundação Alfredo da Matta (FUAM), a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). 

A primeira parte da pesquisa foi qualitativa e buscou conhecer melhor as características e especificidades da população estudada de cada município, com a realização de grupos focais e entrevistas individuais. Na segunda parte, foi realizado um inquérito epidemiológico, que abordou questões como conhecimento sobre ISTs, Aids, hepatites virais, acesso à preservativos, assistência à saúde, discriminação, violência e violação de direitos humanos, comportamento sexual, uso de álcool e outras drogas, modificações corporais, dentre outros. Também foram oferecidos às participantes testagens gratuitas para HIV, sífilis e hepatites (B e C).

Segundo Carolina Coutinho, coordenadora executiva desta que já é considerada a maior pesquisa feita com a população de travestis e mulheres trans no Brasil, “em abril, será enviado o relatório final à Unesco e ao Ministério da Saúde”. Para ela, “o espaço aberto pela pesquisa em algumas cidades gerou a oportunidade de aproximação entre profissionais dos serviços de saúde e a população de travestis e trans”. Coutinho, que também é pesquisadora do Icict/Fiocruz, relata que, segundo as equipes de campo, “percebe-se que grande parte desta população ainda se encontra em situação de vulnerabilidade social, sendo necessário o desenvolvimento de ações de inclusão e cuidado, dando oportunidade e voz a essas pessoas”.

Do trabalho feito em campo, a coordenadorada pesquisa no Rio de Janeiro, Lidiane Toledo, do Icict/Fiocruz, e sua equipe trouxeram algumas observações, como uma demanda reprimida por cuidados de saúde: “pois muitas voluntárias chegavam para participar da pesquisa com intuito de conseguir atendimento de saúde”. Ela afirma que, em outros casos, a própria equipe identificava necessidades urgentes de saúde e realizava os encaminhamentos necessários. A vulnerabilidade referida por Carolina Coutinho foi constatada in loco por pelos pesquisadores do Rio (e também em todos os estados onde a pesquisa aconteceu): “frequentemente, as voluntárias relatavam o receio de buscar ajuda em serviços públicos de saúde com medo de sofrerem discriminação, principalmente por ainda não possuírem documentos com nome social”, afirma Lidiane Toledo.

Decisões jurídicas

A reunião aconteceu nos dias em que tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgaram deliberações que impactavam significamente a vida da população de travestis e pessoas transgêneras no país: a que permite permite a transexuais e transgêneros alterar seu nome no registro civil sem a necessidade de realização de cirurgia de transgenitalização (ou redesignação sexual), e a que concede a transgêneros e transexuais usar o nome social para se identificar nas urnas e entrarem nas cotas de gênero nos partidos políticos para as eleições.

Presente a reunião da pesquisa Divas, a representante do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, Alícia Krüger, que também é ativista trans, falou sobre as decisões dos Tribunais Superiores e comentou sobre o papel da comunicação na saúde e a importância do Sistema Único de Saúde (SUS), defendendo de forma enfática os três princípios do SUS - universalidade, equidade e integralidade.  

Ato histórico

“Há muito tempo os ativistas estão lutando, no Brasil, para que haja uma lei de identidade de gênero", é o que diz Alícia Krüger. Ela destaca a decisão do STF, divulgada no dia 1º de março, como um “ato histórico”, relembra o sofrimento e constrangimento de ter que passar por um juiz para realizar a troca de nome em seu registro civil. Para ela, a decisão do Supremo “não apenas um ganho de pré-nome e sexo, significa direitos sociais e civis garantidos para as pessoas trans”. Ela também comenta a decisão do TSE que saiu no mesmo dia. Veja o vídeo:

Comunicação e SUS

Na segunda parte da entrevista, Krüger ressalta que a decisão do STF não pode ser encarado, pelas pessoas trans, como “um renascimento”. Ela afirma que “não somos pessoas que passaram por um casulo e se transformaram em outras. (...) Eu sempre fui uma pessoa só”. Ela também destaca a pesquisa do Projeto Divas e a importância da comunicação e informação em saúde: “de nada vai adiantar se você fizer (uma pesquisa) pro seu umbigo, pra sua sala, pro seu gabinete, isto precisa chegar em quem realmente precisa. Inclusive é um princípio do SUS – equidade, que é você dar para uma pessoa exatamente aquilo que ela necessita para aí, sim, se alcançar a igualdade”.

Para a representante do Ministério da Saúde, “a comunicação para um homem branco, cisgênero e heterossexual (...), jamais vai ser igual a uma comunicação que você fará para uma travesti periférica, preta, que tenha estudado até a segunda série. Jamais vai ser igual. A comunicação precisa ser específica, a informação precisa ser clara - traduzida para uma linguagem que a pessoa realmente entenda e absorva e aquilo se torne uma informação útil para a vida dela - e qualificada, pensando em todas as especificidades. Eu acho que os três princípios do SUS nos guiam em qualquer atitude em relação à saúde, e obviamente a informação e comunicação. Pautar equidade, prezar a integralidade e sempre visando a universalidade”, finaliza. Assista a parte final da entrevista:

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