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09/03/2018

Roda de conversa debate 'Trajetórias negras na Fiocruz'

Erika Farias (CCS/Fiocruz)


Como parte do movimento 21 dias de ativismo contra o racismo, o Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos (Rio de Janeiro) sediou (6/3) a roda de conversa Trajetórias negras na Fiocruz, promovida pelo Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz. O encontro teve como destaque Christina Morais, profissional aposentada do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz) e seu filho, Ernesto Xavier, autor do livro Senti na pele. Na pauta, o compartilhamento de histórias vividas por colaboradores da Fundação.

Ao longo do evento, depoimentos – emocionados e emocionantes – puderam ser ouvidos (foto: Raquel Portugal, Icict/Fiocruz)

 

“Percebemos que, desde o último concurso, havia poucas pessoas negras na Fiocruz ocupando funções de tecnologistas, analistas e pesquisadores. A maioria dos negros ocupa outros espaços, tanto na sociedade, quanto aqui”, afirmou Hilda Gomes, coordenadora do Serviço de Educação do Museu da Vida da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), e integrante do Comitê. “Nós resolvemos, então, conhecer as pessoas negras da Fiocruz e trazê-las para uma discussão”, concluiu, completando que a conversa está aberta a todas as pessoas que se importam com o outro.

“Essa nossa iniciativa vai ao encontro de um momento muito especial que a Fiocruz está vivendo, com mais discussões a respeito de equidade”, disse Marina Maria, jornalista do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e membro do Comitê. Ações como essa corroboram diretrizes aprovadas em 2017, pelo 8º Congresso Interno, que afirmou o compromisso da Fundação com práticas de valorização da diversidade e da pluralidade. “Essa discussão sobre racismo faz parte do escopo da Tese 11, que também trata das diversas formas de discriminação baseada em gênero e orientação sexual. Isso é um marco para a Fundação, a medida em que a gente está institucionalmente se comprometendo com ações para fortalecer o valor dessa diversidade dentro da instituição”, afirmou Marina.

Racismo institucional

O nome, por si só, já não é agradável. As histórias que o justificam, ainda menos. Mas esse é um tema que precisa ser debatido - e enfrentado. O racismo institucional coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições. “Na prática, ele se traduz como uma dificuldade de acessar cargos, conseguir promoções e, até mesmo, em situações de não-liberação para o comparecimento a eventos como esse que estamos fazendo. Foi o que aconteceu com alguns trabalhadores que gostariam de estar aqui hoje”, disse Rita Vasconcelos, assessora de Comunicação da Fiocruz Pernambuco e membro do Comitê.

“Me formei como engenheira química em 1980, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Junto comigo, se formaram 120 pessoas. Apenas eu e outro aluno éramos negros”, contou Christina Morais, ao contar um pouco sobre os obstáculos encontrados em sua trajetória profissional. Já formada, Christina falou sobre a dificuldade em galgar cargos na Fundação, apesar dos inúmeros investimentos em especializações; diferentemente de outros colegas. “O que as pessoas, principalmente numa instituição como essa, precisam entender é que o racismo atenta diretamente contra a saúde pública. Aliás, qualquer forma de discriminação atenta”, afirmou.

Ao longo da conversa, depoimentos – emocionados e emocionantes – puderam ser ouvidos. Histórias de dificuldades no crescimento profissional, de diferenciação no tratamento de equipes e de uma lista infindável de comentários e atitudes racistas sofridas aqui, dentro na Fiocruz. “Muitas pessoas me chamavam de morena. Não sou morena, sou negra. Se quer me chamar, me chame pelo meu nome, e não por minha cor”, afirmou Christina Morais. Já Mychele Alves, vice-presidente da Asfoc, falou sobre o preconceito em relação às cotas raciais em concursos. “Eu estou na Fiocruz há 15 anos, e passei no concurso de 2017, para uma vaga de pesquisadora. Havia uma vaga para cotista, mas eu fui aprovada pelo processo de ampla concorrência. Ao saberem como eu havia entrado, tive que ouvir de pessoas próximas ‘ainda bem que você não passou por cota”’.

O comentário despertou na Asfoc uma preocupação com novos servidores, que entram na Fundação por meio de cotas. Reuniões com a Presidência foram realizadas para a criação de medidas que protejam esses profissionais de qualquer forma de discriminação. “Precisamos ficar atentos. Sabemos que há pessoas que não querem fazer concurso como cotista, pois sabem que serão tratados de forma diferente. A cota é um direito conquistado e não torna nenhum profissional menos merecedor”, afirmou Mychele.

Senti na pele

“Quanto mais você sobe seu nível de educação, maior é a percepção do racismo que você sofre”. Esse foi um dos ensinamentos que Ernesto Xavier, jornalista e autor do livro Senti na pele (Ed. Malê), aprendeu desde cedo. Criador da página no Facebook que deu origem a seu livro, Ernesto percebeu que, apesar de racismo não ter “cara”, ele parecia ter cor. Depois de ter um relato seu sobre o medo da violência contra jovens negros, viralizado nas redes, o jornalista começou a receber apoio de pessoas desconhecidas. Apoio que demonstrava quantas pessoas já haviam passado pela mesma situação. “Foram diversas manifestações de apoio, mas é claro, também li muitas ofensas. Xingamentos, pessoas me chamando de macaco”, contou.

Surgia aí o interesse em juntar as histórias de quem já “sentiu na pele” a dor do racismo, em um livro. “Não é ‘mimimi’ e não é vitimismo. Só quem sente na pele, sabe pelo que passamos”, afirmou sua mãe, Christina. “Eu já passei por tantas situações de ‘revista policial’, fuzis apontados para mim, que eu já sei exatamente como proceder nessas ocasiões para sobreviver”, completou Ernesto.

21 dias de Ativismo Contra o Racismo

Criado em 2017, o movimento faz menção ao dia 21 de março de 1960, quando, por consequência do Apartheid, regime de segregação racial da África do Sul, 20 mil negros protestavam contra uma lei que os obrigava a portar cartões de identificação, especificando os locais por onde eles poderiam transitar na cidade. Como forma de repressão, tropas do exército abriram fogo sobre a multidão, matando 69 pessoas e deixando 186 feridas. O evento ficou conhecido como Massacre de Shaperville e, em memória das vítimas, foi instituído pela ONU o Dia Internacional Pela Eliminação da Discriminação Racial, em 21 de março.

Desde o ano passado, diversas entidades do Rio de Janeiro têm integrado o movimento, que acontece em 2018 de 3 a 23 de março, por meio de palestras, marchas, encontros ou qualquer outra atividade que fortaleça a luta contra o racismo, sexismo e todas as formas de opressão e exploração. “São 21 dias para darmos visibilidade às múltiplas expressões do racismo, mas nossa luta, na verdade, dura a vida inteira”, afirmou Roseli da Fonseca Rocha, assistente social do Instituto Nacional da Mulher, da Criança e do Adolescente (IFF/Fiocruz) e membro do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz. “Discussões como essas mostram o quanto queremos bem a essa instituição. É por isso que debatemos”, finalizou Rita Vasconcelos.

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