11/10/2019
Lucas Rocha e Vinicius Ferreira (IOC/Fiocruz)
“Eu descobri que estava grávida. Depois de um tempo, vi meu rosto todo pintado. Fui na emergência. Os exames não deram nada. Somente fazendo o pré-natal foi que eu descobri que a cabeça dela [da filha] era menor que o normal”. “A pediatra dele [do filho] disse que percebeu que a cabecinha dele não estava crescendo no tamanho certo e me encaminhou pro Hospital Antonio Pedro. Eles fizeram o exame e aí foi acusado uma calcificação no cérebro dele”.
Relatos como o de Kamila Mitidieri, mãe da pequena Sophia, de dois anos e nove meses, e de Jéssica Galdino, mãe do serelepe Miguel, de três anos, se espalharam pelo país desde o início da epidemia de zika, em 2015. O que, a princípio, parecia ser uma doença de rápida resolução, originou, em pouco tempo, uma declaração de emergência internacional de saúde. Era apenas o começo de uma corrida contra o tempo para que cientistas de todo o mundo conseguissem desvendar os impactos do vírus para o organismo humano. Assista à videorreportagem:
Dois institutos de saúde empenhados diariamente sobre essa questão se uniram, ainda mais, para agradecer a contribuição de dezenas de famílias fluminenses nas pesquisas sobre o zika. No último sábado (5/10), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, abriu as portas para receber mães, seus filhos, alguns deles acometidos pela Síndrome da Zika Congênita, e familiares. A ação faz parte do projeto de pesquisa Seguimento clínico de crianças nascidas de mães com exantema durante a gestação: estudo prospectivo de coorte desenvolvido pelo Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (HUAP/UFF) em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
Durante a visita à Fiocruz, para a maioria pela primeira vez, as famílias conheceram as belezas e curiosidades do Castelo Mourisco, patrimônio da sociedade brasileira, se encantaram com o borboletário – único da cidade do Rio de Janeiro - e participaram de uma roda de conversa com pesquisadores da Fundação. A atividade contou com o apoio da Presidência da Fiocruz.
Ciência cidadã
Em parceria com a unidade de saúde, os cientistas do IOC/Fiocruz analisam o sangue coletado das mães e bebês com o objetivo de avaliar a capacidade das células imunes das pessoas que já foram infectadas pelo zika responderem aos antígenos do vírus em ensaios in vitro, utilizando diferentes métodos imunológicos de ponta.
“O ato de doar um pouco de sangue nas visitas ao HUAP/UFF é, na verdade, uma contribuição ímpar à Ciência e à Saúde do país e uma forma de ajudar outras famílias brasileiras”, ressalta Renata Monteiro Maia, pesquisadora do Laboratório de Imunologia Viral do IOC. “Mais do que um evento científico, esse é o momento de agradecimento a cada família, em especial, às mães e aos seus filhos, que lidam com os desafios diários da doença”, complementou Luzia Maria de Oliveira Pinto, pesquisadora do mesmo Laboratório e coordenadora das investigações na Fiocruz.
Moradoras de Niterói, São Gonçalo, Maricá e Itaboraí, mães e crianças são acompanhadas desde o início da gestação por uma equipe multidisciplinar do HUAP/UFF, que presta os mais diversos tipos de atendimento e apoio às famílias. A advogada Mayrielly Wiltgen, mãe da esperta Catarina, de três anos, é uma das participantes do projeto. “No começo, eu estava, como todos, acredito, conhecendo a nova condição que assolava o país. Participar dessa iniciativa tem sido muito gratificante, trocamos muitas experiências e aprendemos juntos a cada dia”, ressaltou.
Mãe da vaidosa Maria Gabriela, de três anos, Leidiane Alves de Almeida abriu mão de trabalhar para cuidar da filha em tempo integral. “Ela requer todo um cuidado especial, além da rotina de consultas médicas e de fisioterapia. De início foi difícil, eu chorava o tempo todo no hospital. Mas, com o passar do tempo, mudei minha forma de pensar e o projeto tem ajudado bastante nessa trajetória”, afirmou Leidiane.
No encontro, Kamila, Jéssica, Mayrielly e Leidiane, pais e familiares tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o trabalho realizado pelos pesquisadores. “Além da microcefalia, há bebês que nasceram com outras alterações neurológicas, tais como hidrocefalia e calcificações cerebrais. Também há bebês que foram expostos ao zika durante o período gestacional e que, até o momento, não apresentam sintomas de síndrome da zika congênita, no entanto, seguem acompanhados pela equipe”, ressaltou Claudete Araújo Cardoso, médica infectologista pediátrica da Faculdade de Medicina da UFF e do Laboratório Multiusuário de Apoio à Pesquisa em Nefrologia e Ciências Médicas do HUAP, coordenadora do estudo.
“Resultados preliminares apontam que cerca de 80% das mães e das crianças infectadas naturalmente pelo zika adquiriram memória imunológica. Mais testes ainda precisam ser realizados, mas este achado nos leva a crer que as pessoas não ficarão doentes em um próximo contato com o vírus”, ponderou Luzia. “Outro ponto importante é buscar entender como a infecção pelo microrganismo durante a gravidez regulou a resposta imunológica das mães e de seus filhos”, frisou a imunologista.
Os estudos integram projetos de estudantes de mestrado e doutorado do curso de Pós-Graduação em Biologia Parasitária do IOC e do curso de Pós-graduação em Ciências Médicas e de Patologia da UFF. As pesquisas contam com o apoio do La Jolla Institute for Allergy and Immunology, da Califórnia, no Estados Unidos, e são financiados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e IOC.