07/03/2019
Marlúcia Seixas (Fiocruz Amazônia)
Saúde e violência contra mulher são temas que ainda temos muito que discutir com a sociedade e com organizações que defendem os direitos básicos das mulheres. O Brasil é um dos campeões em mortes violentas, e nessa triste estatística entram os casos de feminicídios, onde 50% das mortes nesses casos são causadas por parceiros íntimos, companheiros ou ex-companheiros das vítimas. Em estudo sobre o assunto, o pesquisador do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Jesem Orellana, apurou que cerca de 50% dos assassinatos de mulheres no Brasil no ano de 2017, envolveram agressões por enforcamentos/estrangulamentos, queimaduras por chamas/fogo, facas, arma de fogo, pauladas e objetos contundentes, agressões físicas fatais e agressões sexuais por meio de força física. Há de se destacar que o montante de agressões por meio de armas de fogo, considerado no estudo, representa apenas 20% do total de agressões registradas por essas armas, no país.
O estudo abordou ainda os homicídios intencionais de mulheres com enfoque nos feminicídios, em Manaus, nos anos de 2016/2017, e apontou que cerca de 40% das mortes de mulheres maiores de 11 anos foram feminicídios, ou seja, a cada 10 homicídios de mulheres, em Manaus, nesse período, quatro foram feminicídios, e em torno de 30% e 20% das vítimas de homicídio, sofreram violência sexual e fizeram uso de álcool antes da agressão, respectivamente.
Outro dado identificado no estudo é que na Região Norte a ocorrência de feminicídio parece ser maior, comparando-se com outras regiões do país. Jesem Orellana explica que não se tem uma resposta exata para esse complexo fenômeno e receia que não seja possível determinar suas causas, diante da reduzida visibilidade dada ao assunto e à carência de informações qualificadas e de estudos compreensivos a respeito. “Mas, de modo geral, podemos supor que parte dessa explicação esteja associada ao patriarcado dominante e ao sentimento masculino de que a mulher é propriedade privada, algo que historicamente foi sedimentado na sociedade brasileira, especialmente naquelas em que alguns desses valores ainda são bastante difundidos e valorizados, como pode ser o caso da Região Norte do Brasil. Porém, é possível que esse fenômeno seja parcialmente influenciado pelos elevados padrões de violência urbana observados na região, que na maior parte das vezes, é superior aos padrões de regiões socioeconomicamente mais desenvolvidas”, explica.
Orellana alerta ainda que até meados de 2018, no Amazonas, não havia nenhuma condenação por feminicídio. “Esta é uma triste realidade que assola não somente o Amazonas, mas outros Estados, e os motivos são diversos e podem incluir o subdimensionamento desse problema – feminicídio – e a lentidão da justiça, por exemplo. O subdimensionamento do problema, porque muitas mortes violentas de mulheres sequer chegam a ser investigadas, seja porque não há corpo ou porque nunca foram identificadas como mortes por razões de gênero. Nesses casos, não há como a polícia civil tomar conhecimento do crime e abrir uma investigação e um inquérito policial para, em seguida, caso ele não seja interrompido por falta de pessoal ou “provas”, possa fornecer elementos à tramitação desses casos, na justiça”.
Dia Internacional da Mulher
No Brasil, o número de mortes de mulheres é aproximadamente cinco vezes menor que o de homens. Mas, a diferença que incomoda e requer reflexão, diz respeito a quem pratica o ato criminoso.
O pesquisador observa que trazer a violência contra a mulher para o rol de assuntos a serem discutidos no mês de março, quando se celebra o Dia Internacional da Mulher (8/3) é oportuno e urgente, para dar maior visibilidade a um problema que carece de respostas efetivas da sociedade, do executivo, do legislativo e judiciário. Vale ressaltar que com a promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006, e da Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, feminicídio tornou-se crime hediondo.