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12/08/2014

Estudo explora relação entre genética de pacientes e avanço de sintomas da Aids

Maíra Menezes / Ascom IOC


Por que algumas pessoas infectadas pelo HIV não apresentam sintomas de Aids mesmo após dez anos sem tratamento, enquanto outras adoecem rapidamente? A resposta para esta pergunta pode ser a chave para o desenvolvimento de vacinas contra a infecção ou de medicamentos capazes de otimizar o tratamento da doença. Entre as possíveis explicações investigadas pelos cientistas estão as diferenças genéticas entre os indivíduos, em especial aquelas que acontecem em uma região altamente variável do DNA chamada de Complexo Principal de Histocompatibilidade ou Antígenos Leucocitários Humanos (HLA, na sigla em inglês). Foi neste trecho do genoma que um estudo liderado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) investigou, de forma inédita, a ocorrência do perfil genético HLA- B*52 em pacientes brasileiros. Foi verificado que esta variedade tem uma característica muito especial: está associada à chamada ‘não progressão de longo termo’ da doença, quando os sintomas da síndrome não são desenvolvidos mesmo após dez anos de infecção. O trabalho, coordenado pela pesquisadora Sylvia Teixeira e pela chefe do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular, Mariza Morgado, foi publicado na revista Genes & Immunity.

Métodos moleculares e ferramentas estatísticas foram usados para identificar a associação entre o gene HLA-B*52 e a ausência de sinais e sintomas da Aids em pacientes (Foto: Gutemberg Brito)

 

Genética e imunidade

“Como os genes definem a produção de moléculas que atuam na resposta imunológica, é possível relacionar a genética do indivíduo ao desfecho da doença”, explica Sylvia. Nesta dinâmica entre genes e imunidade, as proteínas HLA atuam indicando quais células estão infectadas e devem ser atacadas. Para isso, apresentam, do lado de fora da superfície celular, fragmentos de proteínas – chamados de antígenos – que são extraídos de micro-organismos invasores, como bactérias e vírus. Trata-se de um tipo de sinalização: as células de defesa reconhecem os antígenos como estranhos ao corpo, desencadeando a reação do organismo contra a infecção.

O mecanismo do HLA funciona da mesma forma em todas as pessoas, mas, dependendo de pequenas variações genéticas, a molécula pode se ligar a antígenos distintos. Ou seja: para sinalizar uma mesma infecção, os indivíduos utilizam fragmentos diferentes das proteínas dos vírus ou das bactérias, o que pode impactar na capacidade de reagir às doenças. No caso do HIV, estudos têm indicado que a variedade genética do HLA pode acarretar diferentes graus de eficácia na sinalização da infecção pelo vírus. “Talvez as moléculas HLA dos pacientes classificados como não progressores de longo termo – aqueles que passam mais de dez anos infectados sem desenvolver sintomas de Aids – estejam apresentando os antígenos ideais para o controle da doença”, pondera Mariza. Esta sinalização certeira poderia ser o ponto de partida para a produção de uma vacina ou de um novo medicamento.

Região mais variável do DNA

Alguns tipos de HLA associados à ‘não progressão’ da Aids já foram identificados por cientistas, assim como algumas variedades ligadas aos casos de evolução rápida – quando os sintomas da Aids aparecem menos de três anos após o paciente contrair o vírus. No entanto, a busca por estes genes é difícil, especialmente por causa da grande diversidade entre eles.

“Estamos falando da região mais variável do nosso genoma. Até hoje, não foi encontrado outro trecho do DNA com mais variação entre os indivíduos do que o dos genes HLA”, destaca Sylvia. Com tanta diversidade, é como buscar uma agulha em um palheiro: apenas na chamada Classe I locus B, região na qual está incluído o HLA-B*52, existem 3.455 variações do gene HLA.

Análise na população brasileira

No estudo que conseguiu encontrar, pela primeira vez no Brasil, a associação entre a variedade HLA-B*52 e a "não progressão" da Aids, os pesquisadores do IOC/Fiocruz partiram da análise do histórico médico de 3.809 pacientes atendidos no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), parceiro na pesquisa. A primeira etapa do trabalho foi separar os pacientes entre os diferentes perfis de evolução da doença (rápida, típica ou não progressão de longo termo), o que só é possível quando a infecção é diagnosticada no começo e há um acompanhamento regular do caso, com exames clínicos e laboratoriais. Seguindo estes critérios, foi possível classificar 496 casos como de progressão rápida, típica ou não-progressão de longo termo. Com a aplicação de técnicas moleculares, em 218 deles os pesquisadores conseguiram identificar a variação do genótipo HLA-B, encontrando 29 variedades ao todo. Por fim, ferramentas de estatística mostraram que a variante HLA-B*52 tinha uma presença significativamente maior entre os indivíduos que não apresentam sintomas mesmo após dez anos de infecção.

“O resultado foi uma surpresa boa. A associação do perfil genético com a evolução da doença não é uma relação de causa e efeito. Um indivíduo que tem determinada variação genética, como o HLA-B*52, não está automaticamente protegido, mas tem uma probabilidade maior de evoluir para um quadro de ‘não progressão”, afirma Mariza, ressaltando ainda a importância de estudar a associação no Brasil por conta de suas características demográficas. “Os aspectos genéticos dependem muito da população em que estão inseridos. Há genes associados à proteção contra a Aids em caucasianos que não apresentam este mesmo efeito em estudos realizados na África. Especificamente no caso do Brasil, a população é muito mais miscigenada do que em outros países, por isso é importante realizar a análise no nosso contexto”, justifica.

Incógnita

O HLA-B*52 havia sido identificado em outros países como um gene associado à ‘não progressão’ da Aids, mas também já foi descrito como um perfil genético ligado à evolução rápida da doença. De acordo com Sylvia, estes resultados situaram esta variedade genética entre aquelas sobre as quais “há um ponto de interrogação na literatura científica”. O estudo que acaba de ser publicado indicando a correlação com o perfil de ‘não progressão’ em pacientes brasileiros deve contribuir para elucidar esta questão.

Ao mesmo tempo em que persistem as perguntas sobre os efeitos antagônicos da variedade HLA-B*52 em cada população, a relevância dos estudos sobre a região HLA do genoma parece estar bastante clara. Desde o sequenciamento do genoma humano, em 2003, a facilidade cada vez maior para estudar o código genético dos indivíduos estimulou as pesquisas sobre associações entre as variações do DNA e a suscetibilidade ao HIV. Contrariando a expectativa dos cientistas, estes estudos acabaram por reforçar a importância dos genes HLA na reação à doença. “Obviamente, existem vários fatores que influenciam na progressão da Aids, e pensávamos que, ao analisar o genoma completo, seriam encontrados muitos genes envolvidos neste processo. No entanto, um estudo americano extensivo, com milhares de pacientes HIV positivos, apontou que a maioria dos genes associados à progressão da doença está situada no cromossomo 6, que é justamente onde estão localizados os genes do HLA”, diz a pesquisadora. Tudo indica que muitos esforços ainda serão dedicados a este trecho tão variado quanto promissor do genoma humano.

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