16/09/2016
Solange Argenta (Fiocruz Pernambuco)
O resultado preliminar do estudo de caso-controle realizado no Recife e divulgado na revista The Lancet Infectious Disease mostra que recém-nascidos infectados pelo vírus zika apresentam risco 55 vezes maior de apresentar microcefalia do que os não infectados.
(Confira o artigo na íntegra, em inglês)
A pesquisa incluiu 32 recém-nascidos com microcefalia (casos) e comparou suas características com 62 bebês sem microcefalia (controle), todos nascidos entre janeiro e maio de 2016, em oito maternidades do Recife. O objetivo é investigar a associação entre a microcefalia e o vírus zika, além de outros potenciais fatores de risco. Das 32 crianças com microcefalia, 40% (13 casos) tiveram infecção por zika comprovada laboratorialmente (soro e/ou líquido cefalorraquidiano). Nenhuma das 62 crianças nascidas sem microcefalia tiveram resultado laboratorial positivo para a infecção pelo zika, de acordo com a análise do soro. Nenhum desses 94 recém-nascidos participantes do estudo apresentou resultado positivo para doenças como toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes e sífilis (Torchs), que provocam malformações congênitas.
Para médica epidemiologista Thalia Velho Barreto, uma das integrantes do Microcephaly Epidemic Research Group (Merg), a associação geográfica e temporal entre a epidemia pelo vírus zika e o posterior aumento no número de casos de microcefalia no Brasil gerou a hipótese da associação entre a infecção pelo vírus zika na gravidez e a verificação de microcefalia ao nascimento. Desde então, inúmeras evidências apoiam essa suposição, como o isolamento do vírus zika no tecido cerebral de fetos e recém-nascidos, e a microcefalia e anomalias cerebrais graves em recém-nascidos de mães com infecção pelo vírus zika na gravidez. “Entretanto, muitas questões ainda permaneciam sem resposta, como o risco de microcefalia em recém-nascidos de mães infectadas durante a gravidez e os fatores que podem afetar esse risco. ”
“Com esses resultados preliminares do estudo de caso-controle, já podemos afirmar que a epidemia de microcefalia é o resultado da infecção congênita pelo vírus zika”, afirma a pesquisadora. “A continuidade do estudo irá permitir analisar outros fatores que possam contribuir para reduzir ou potencializar o risco de microcefalia decorrente da infecção congênita pelo vírus zika.”
Durante as análises também foi possível identificar que 11 das crianças com microcefalia (34,4%) apresentavam microcefalia severa, quando comparado o perímetro cefálico à média de crianças nascidas com a mesma idade gestacional e sexo. Outro resultado importante consistiu na elevada proporção de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional (84%) entre aqueles nascidos com microcefalia, enquanto entre os 62 sem a malformação eram apenas 6,4%, provavelmente provocada pela infecção pelo zika.
Para cada criança com microcefalia (caso), foram analisadas outras duas sem microcefalia e sem alteração cerebral ao exame de imagem ou outra malformação aparente (controles), nascidas com idade gestacional aproximada e um dia após o nascimento do caso. Todos os exames e coleta do material biológico das crianças e suas mães para a pesquisa ocorreram logo após o nascimento, com consentimento das mães.
Até o final do estudo, objetiva-se analisar 600 crianças, sendo 200 com microcefalia e 400 sem a malformação.
Mulheres
As mães das crianças participantes da pesquisa foram entrevistadas e, à semelhança dos recém-nascidos, realizaram exames laboratoriais para zika, dengue, chikungunya e para as Torchs. Nas entrevistas, 59,4% (19) das mães de crianças com microcefalia não relataram a presença de exantema (manchas vermelhas na pele) durante a gravidez, o que também ocorreu em 77,4% (48) das mulheres com filhos sem a malformação. O estudo evidenciou ainda que 64% das mães de neonatos sem microcefalia foram infectadas pelo vírus zika. “Esses resultados revelam uma alta proporção de mulheres infectadas pelo vírus zika nessa primeira onda epidêmica que aconteceu no ano passado. Se os anticorpos que elas desenvolveram forem duradouros, elas estarão imunes à doença numa próxima epidemia”, analisa outra integrante do Merg, a pesquisadora Celina Turchi.
A pesquisa de caso-controle está sendo feita em oito maternidades do Recife: Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros da Universidade de Pernambuco (Cisam), Unidade Mista Professor Barros Lima, Maternidades Bandeira Filho e Santa Lúcia; e nos hospitais Barão de Lucena, Agamenon Magalhães e das Clínicas da UFPE.
O Merg é formado por pesquisadores da Fiocruz Pernambuco, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade de Pernambuco (UPE), Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco e London School of Hygiene and Tropical Medicine-UK. A pesquisa conta com o financiamento do Ministério da Saúde (MS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS).