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21/01/2008

Filho de infectada com o HIV nasce sem o vírus

Isis Breves


A imprensa noticiou na semana passada o caso da paulista infectada com o HIV pela mãe ao nascer, e uma das primeiras crianças a tomar o coquetel no Brasil, e que agora, aos 20 anos, deu à luz a um bebê sem o vírus. A criança nasceu e não tem o vírus da Aids. Para falar sobre o assunto, a Agência Fiocruz de Notícias (AFN) entrevistou a médica Sandra Wagner Cardoso, do Laboratório de  Pesquisa Clínica em HIV/Aids do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec) da Fiocruz.

 

 Sandra: há uma grande dificuldade de as pessoas compreenderem e aceitarem as diferenças
Sandra: há uma grande dificuldade de as pessoas compreenderem e aceitarem as diferenças

AFN: Hoje, com o advento dos anti-retrovirais, é possível que uma pessoa soropositiva controle a doença e conseqüentemente melhore sua qualidade de vida. Isso faz com que o desejo de uma mulher de ser mãe venha à tona. Como se dá a forma de transmissão vertical do vírus HIV, ou seja, da mãe para o bebê. E como isso pode ser evitado? O desejo de ser mãe  de uma criança sem o vírus pode ser atendido?
Sandra Wagner Cardoso: A mulher portadora do HIV pode transmitir o vírus para seu bebê basicamente em três momentos: durante a gestação pela passagem de vírus pela placenta, no momento do parto pela exposição do bebê ao sangue e secreções maternas e durante a amamentação, já que o vírus pode ser encontrado no leite  materno quando a mulher é portadora da infecção. Quanto maior a carga viral plasmática (quantidade de vírus no sangue) do portador do HIV, maior é o risco de transmissão e isso se aplica também à mulher grávida. 

Da mesma maneira, quanto mais prolongado for o trabalho de parto, maior risco e quanto mais tempo um bebê for exposto ao leite materno também. Estes riscos podem ser reduzidos com alguns cuidados. Assim, idealmente, a gravidez deve ser planejada, pois teremos tempo de implementar as estratégias de prevenção. Para tanto, é necessário que as mulheres que pretendem engravidar tenham conhecimento de sua situação sorológica para o HIV, isto é, façam o teste. Como sabemos que nem toda gravidez é planejada, caso aconteça inesperadamente deve-se neste momento procurar definir a situação da mulher não somente em relação ao HIV, mas para  outras situações (infecciosas ou não) e isso é possível com o acompanhamento pré-natal adequado.

AFN: O caso da paulista infectada ao nascer pela mãe e que hoje, com 20 anos, dá a luz a uma menina sem o vírus da HIV, sem dúvida, é uma vitória na luta contra a Aids. No entanto, isso só foi possível porque ela vinha sendo acompanhada e tomava corretamente os medicamentos do coquetel. Por isso, é importante no pré-natal incluir o exame de Aids? Além disso, se a mulher infectada já tiver ciência de que é portadora, deve ter acompanhamento para saber a melhor hora para a gravidez?
Sandra: O teste para o diagnóstico da infecção pelo HIV deve ser oferecido a toda mulher durante o pré-natal. Conforme citei anteriormente, o ideal é que a gravidez nestes casos possa ser planejada. É natural que essas mulheres como as demais desejem ter filhos, principalmente  as mais jovens que ainda não os  tiveram.  É muito importante a participação do  parceiro neste processo, seja ele também portador do vírus ou não. O HIV pode alterar o sistema imunológico (defesas do corpo) e  a mulher pode precisar iniciar o tratamento para melhorar sua situação imunológica. Isto pode ser conseguido com o uso das medicações que combatem o vírus e consequentemente reduzem a carga viral. Nem toda mulher portadora do HIV tem indicação de iniciar o tratamento com medicamentos, mas no caso de uma gravidez, mesmo que a mulher não tenha necessidade de usar medicações para seu próprio tratamento, ela precisará usá-las para evitar a transmissão do vírus ao bebê. Todo paciente que precisa do tratamento anti-retroviral (popularmente conhecido como coquetel) precisa estar ciente da importância de fazê-lo de modo adequado, ou seja, tomar as medicações regularmente, dentro do intervalo determinado por seu médico e sem perder doses. O tratamento deve ser sempre  adaptado a sua rotina de vida.

No caso da mulher grávida, este uso adequado  é primordial para evitar a resistência do vírus aos medicamentos. Também as mulheres grávidas precisam de cuidados especiais no sentido de evitar medicamentos que possam causar danos ao bebê. De um modo geral os anti-retrovirais são seguros para uso na gestação e contribuem na proteção do bebê, evitanto a infecção na maioria dos casos. Quando uma mulher sabidamente HIV positiva segue todas as medidas de prevenção o risco de transmissão é menor que 2%, risco que, apesar de ser considerado baixo, não é  nulo e o casal  deve decidir em conjunto, discutindo todas as possibilidades com o médico. O acompanhamento deve ser multidisciplinar (participação de diversos profissionais, tais como o obstetra que acompanha a gestação e o clínico ou infectologista responsável pelo acompanhamento da infecção pelo HIV). Este acompanhamento deve envolver o aconselhamento adequado do casal. Numa etapa posterior entra em cena também o pediatra, que deve idealmente ter experiência no acompanhamento de bebês expostos ao HIV (crianças nascidas de mães portadoras do vírus) já que este bebê também deverá fazer uso de medição anti-retroviral nas primeiras semanas de vida. A mulher precisa ainda estar preparada para não amamentar e compreender que não será menos mãe que nenhuma outra mulher por isso, já que estará protegendo seu bebê.

AFN: A maior luta contra doença ainda é vencer o preconceito?
Sandra:
Apesar de todo o progresso em “lidarmos” com a infecção pelo HIV ainda existe muito preconceito. Parte do comportamento preconceituoso se origina no desconhecimento  ainda muito freqüente quanto às formas de transmissão da infeção pelo HIV e a idéia, que ainda persiste, de que a infecção somente acomete grupos de riscos específicos e mais. Há também a grande dificuldade de as pessoas compreenderem e aceitarem as diferenças. O HIV não é mais um grande desconhecido que sentencia à morte. A infecção pelo HIV pode ser considerada hoje uma condição crônica para a qual dispomos de tratamento, do mesmo modo que a diabete ou a hipertensão e seu portador pode e deve levar uma vida normal.

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