19/04/2024
Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)
Em reunião colegiada nesta sexta-feira (19/4), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) manteve a resolução de 2009 que proíbe a venda, fabricação, importação, transporte, armazenamento, distribuição e propaganda de cigarros eletrônicos, os chamados “vapes”, no país. Por unanimidade (cinco votos), os diretores se manifestaram pela manutenção da proibição. Na reunião, que se estendeu por nove horas, foram apresentados 80 vídeos – que serão inseridos no site da Anvisa – feitos por pesquisadores, gestores da área da saúde, usuários do produto e empresários do setores tabagista e de bares, hotéis e restaurantes, com depoimentos contra e a favor da liberação dos cigarros eletrônicos. Um dos vídeos exibidos foi do presidente da Fiocruz, Mario Moreira, no qual ele manifestou a posição da Fundação pela manutenção da proibição. Depois dos vídeos ocorreram as intervenções de cada um dos membros da diretoria da Anvisa, em que apresentaram seus votos e os sustentaram com argumentos técnicos.
Por unanimidade (cinco votos), os diretores se manifestaram pela manutenção da proibição (imagem: Divulgação)
No vídeo enviado à Anvisa, o presidente da Fiocruz afirmou que “o tabagismo é uma doença considerada a maior causa evitável isolada de adoecimento e mortes precoces em todo o mundo. E o tratamento das doenças tabaco-associadas custa aos cofres públicos R$ 125 bilhões por ano”. Segundo ele, “não há no mundo evidências científicas suficientes que apontem que o cigarro eletrônico reduz danos. Ao contrário, o que é conhecido é que estes dispositivos trazem vários problemas à saúde que vão desde a geração de dependência a doenças respiratórias, envenenamento e queimaduras causadas por explosões”.
Mario Moreira destacou que há evidências de que os níveis de nicotina encontrados em usuários do cigarro eletrônico equivalem ao consumo de 20 cigarros convencionais por dia, de acordo com uma análise do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas. E, acrescentou ele, há “outra preocupação: existem substâncias desconhecidas nos cigarros eletrônicos que podem ser tóxicas para os usuários”. Moreira também citou danos ao meio ambiente, que incluem aumento de material contendo substâncias potencialmente cancerígenas no ar, incêndios, explosões e resíduos ambientais, como os dispositivos descartados.
Moreira ressaltou que os jovens são o público mais suscetível a este tipo de dispositivo e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) alertou que o cigarro eletrônico serve como uma porta de entrada para o cigarro convencional. “Um estudo realizado em 2021 por esse instituto apontou que o uso de cigarro eletrônico aumenta em mais de quatro vezes o risco de adicção por cigarro”, frisou Moreira. “É hora de resistir à forte pressão da indústria tabagista. Há dados científicos suficientes que sustentam a manutenção da proibição. Supostos benefícios econômicos não podem se sobrepor às evidências científicas sobre os danos que esse dispositivo traz à saúde de nossa população, especialmente dos nossos jovens”.
O presidente da Fiocruz lembrou ainda que um artigo da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que os países devem proteger suas políticas públicas de saúde para o controle do tabaco dos interesses comerciais e outros oriundos da indústria do setor. O Brasil é signatário da Convenção-Quadro.
"Esta é uma decisão importante para a saúde pública, tanto no Brasil quanto em todo o mundo. As centenas de substâncias inaladas presentes nos dispositivos eletrônicos causam impactos negativos ao organismo humano e ao meio ambiente. Estudos científicos e relatos indicam alterações pulmonares agudas e crônicas, além do potencial carcinógeno para diferentes órgãos", comentou o médico pneumologista e vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Hermano Castro. "Parabenizo a Anvisa pela decisão tomada, e a Fiocruz, como instituição de saúde pública e de ciência brasileira, continuará seus estudos para ampliar nossos conhecimentos sobre a nocividade dos cigarros eletrônicos".
Em seu voto, o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, que é o relator do processo (25351.911221/2019-74) na Agência, fez uma longa e detalhada apresentação pela manutenção da proibição, baseada em documentos e artigos publicados pela OMS, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e por publicações científicas internacionais, dos quais leu trechos. Segundo ele, robustas evidências científicas mostram que os efeitos dos cigarros eletrônicos e do chamado tabaco aquecido são extremamente adversos e podem gerar cânceres, diversos distúrbios e uma série de outros riscos à saúde. Ele também citou um artigo, publicado na Folha de S. Paulo, em que oito ex-ministros da Saúde (Arthur Chioro, Humberto Costa, José Agenor Álvares da Silva, José Gomes Temporão, José Saraiva Felipe, José Serra, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich) se posicionaram contra os cigarros eletrônicos com fartos argumentos.
Ao ler o documento da OMS, o presidente da Anvisa disse que, tendo como base “as melhores evidências científicas, não é recomendável que os governos permitam a venda de cigarros eletrônicos como produtos de consumo em busca de um objetivo de cessação”. Citando a OMS, Barra Torres afirmou que é preciso “proteger o público de alegações enganosas, tais como alegações falsas sobre segurança ou eficácia para deixar de fumar. As estratégias de cessação devem basear-se nas melhores evidências disponíveis de eficácia com outras medidas de controle do tabaco sujeitas à monitorização e à avaliação. Com base nas evidências atuais, não é recomendado que os governos permitam a venda de cigarros eletrônicos como produtos de consumo na continuação de um objetivo de cessação”.
Em seguida, votaram os diretores Danitza Passamai Rojas Buvinich, Daniel Meirelles Fernandes Pereira, Rômison Rodrigues Mota e Meiruza Sousa Freitas. Todos seguiram o relator e votaram pela manutenção da proibição. A única divergência veio da diretora Danitza. Ela solicitou que seja permitida a importação do produto, para o uso em pesquisas de instituições científicas. Barra Torres aceitou incluir a exceção em seu relatório.
Os vídeos favoráveis à manutenção da proibição foram enviados pela pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Margareth Dalcolmo, pelo presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Hisham Mohamad Hamida, pela diretora para a América Latina da Campanha para Crianças Livres de Tabaco (Campaign for Tobacco Free Kids), Patricia Sosa, pelo diretor do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Roberto Gil, pela representante da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS) no Brasil, Socorro Gross, pelo pesquisador Stanton Glantz, da Universidade da Califórnia, e pelo médico Drauzio Varella, entre outros. Margareth Dalcolmo citou “os danos irreversíveis nos pulmões” causados pelos cigarros eletrônicos. Ela disse que o produto é uma “invenção diabólica que vai gerar uma legião de pacientes com doenças crônicas”. Drauzio Varella observou que, “do ponto de vista médico, não há nenhuma razão para considerar que o cigarro eletrônico é uma alternativa segura ao cigarro comum. Ao contrário, por terem uma quantidade grande de nicotina, eles viciam muito mais depressa”.
Houve depoimentos favoráveis à liberação do produto. Entre os que se posicionaram a favor da revogação da proibição estavam o presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco, Iro Schünke, o representante da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, Joaquim Saraiva, o presidente do Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria, Antonio Carlos Henriques, e o representante da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares de São Paulo, Edson Pinto.
Em uma consulta pública iniciada em 2023, a maior parte dos participantes se posicionou contra a proibição dos cigarros eletrônicos. A pergunta “Você é a favor desta proposta de norma?”, que se refere à medida que veta o produto desde 2009, recebeu 13.930 respostas. Das pessoas que votaram, 59% disseram “ter outra opinião”, contra 37% que responderam “sim“, a favor da proibição. Entre os profissionais de saúde, 61% fizeram avaliação positiva da proibição. Outros 32% disseram que os efeitos foram negativos.