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09/08/2019

Fiocruz aprova três moções na Conferência Nacional de Saúde

Agência Fiocruz de Notícias


Pesquisadores da Fiocruz conseguiram aprovar três moções de iniciativa da instituição na 16ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), realizada entre os dias 4 e 7 deste mês, em Brasília. O evento teve como mote o slogan 8ª+8 e como pauta central a retomada das diretrizes da 8ª CNS, de 1986, que estabeleceu as bases do Sistema Único de Saúde. Assim como a 8ª CNS, o tema da conferência de 2019 foi Saúde e democracia. As moções dos representantes da Fiocruz serão incluídas no relatório final.

Mesa de abertura da 16ª Conferência Nacional de Saúde, em Brasília (foto: Ascom/CNS)
 
 

O empenho de profissionais da Fiocruz nessas moções fez com que conseguissem as 400 assinaturas necessárias para serem apresentadas ao plenário e aprovadas. Depois de 33 anos da conferência que criou as bases do SUS, a consolidação dos princípios que ele consagrou (universalidade, equidade e integralidade) continua sendo um desafio central da saúde. A 16ª CNS contou com a participação de cerca de 5 mil pessoas, sendo que mais de 3 mil foram delegados eleitos nas etapas anteriores (locais, municipais e estaduais).

Presente à conferência, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, disse que “um SUS forte passa necessariamente pela questão do financiamento. A melhoria da gestão, como sempre se coloca, é fundamental, mas o problema do subfinanciamento tem que ser enfrentado. Temos consciência da situação da crise econômica que o Brasil atravessa, mas também temos noção de que o SUS é uma política de Estado, que precisa ir além da conjuntura específica que vivemos, como um grande patrimônio civilizatório para o país”. A presidente participou ainda de uma live na página do Conselho Nacional de Saúde.

Durante a conferência, foi entregue ao presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Zasso Pigatto, o manifesto SUS, saúde e democracia: desafios para o Brasil. O documento foi assinado por seis ex-ministros da Saúde: Humberto Costa, José Saraiva Felipe, José Gomes Temporão, José Agenor Alvarez da Silva, Alexandre Padilha e Arthur Chioro.

A consolidação dos princípios do SUS (universalidade, equidade e integralidade) foi um dos três eixos que nortearam as discussões da 16ª CNS e que serviu de tema para a segunda mesa de debates da conferência. Participaram da mesa a farmacêutica, militante da Reforma Sanitária e participante da 8ª CNS, Jussara Cony; o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e representante da Rede Unida, Alcindo Ferla, e Maria do Socorro de Sousa, primeira mulher a presidir o Conselho Nacional de Saúde e atualmente pesquisadora da Fiocruz Brasília.

De acordo com Maria do Socorro, “temos muitas propostas para defender o SUS e a saúde pública mas, mais do que reiterar todas elas, é importante recuperar valores éticos e políticos, de cidadania, porque essa foi a grande capacidade da 8ª CNS, que teve a capacidade de juntar quem produzia saúde, produzia conhecimento com quem fazia as lutas sociais nas favelas, nos sindicatos, nas comunidades, nas igrejas. Foi o que deu legitimidade e credibilidade a conferência”. Sozinho, disse Maria do Socorro, o SUS não terá condições de melhorar a condição de vida das pessoas. “O que melhora é a nossa capacidade de dizer ao Estado que é necessário garantir distribuição de renda. Temos ainda muita capacidade para fazer o SUS ser uma política de redistribuição de renda, de garantia da qualidade de vida, de cidadania”.

No primeiro dia da conferência foi exibido o documentário O que nos move (VideoSaúde/Fiocruz), de Daniela Muzi, que acompanha a participação de representantes dos usuários na 15ª CNS, em 2015. Na segunda-feira ocorreu a Roda de Práticas e Soluções em Saúde IdeiaSUS, na qual foram apresentadas práticas municipais das cinco regiões brasileiras. 

A Fiocruz também promoveu três atividades autogestionadas: Fake news, democracia e Saúde, Onde está o dinheiro da saúde? e Desafios da atenção primária à saúde no âmbito do SUS em uma conjuntura de desmonte de direitos: a universalidade está garantida?. Segundo uma das coordenadoras desta última, a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Mariana Nogueira, o objetivo foi ampliar o debate sobre a conformação histórica da atenção primária, compreendendo que ela é constituída por disputas e interesses econômicos, políticos e sociais. “É fundamental disseminar a necessária garantia da efetivação da atenção primária à saúde como política pública estatal, universal e que se vincula aos princípios do SUS: territorialização, trabalho em equipe, coordenação do cuidado e participação popular". A também pesquisadora da Fiocruz Ligia Giovanella participou da atividade.

A equipe de Assessoria de Comunicação da Fiocruz Brasília coordenou a atividade Fake news, democracia e saúde. No encontro, os pesquisadores discutiram com profissionais de saúde e jornalistas que atuam no setor a importância da apuração de qualidade e como isto impacta nos fluxos de informação. A mesa apresentou as características das fake news, bem como a forma que estas interferem na rotina de trabalho de profissionais de saúde.

A Fiocruz Pernambuco promoveu uma atividade autogestionada para divulgar o aplicativo Onde está o dinheiro da Saúde? Por meio dele, qualquer pessoa pode saber como estão sendo aplicados os recursos da saúde no seu município. A ferramenta traduz, para uma linguagem simples e visual, os dados contábeis e da administração pública disponíveis no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Siops).
Também da Fiocruz Pernambuco veio o jogo eletrônico SuperSUS, lançado na CNS. Desenvolvido pela pesquisadora Islândia Carvalho, o aplicativo tem por objetivo contribuir para que o cidadão conheça os seus direitos no campo da saúde pública, descubra serviços que ainda são pouco conhecidos pela maioria da população e vista a camisa na defesa do SUS. “A recepção tem sido muito boa. O fato de o jogo abordar o SUS como um super-herói conquistou profissionais de saúde que ratificaram que são mesmo ‘super’ e são SUS. Além disso, passaram pelo estande muitos profissionais que salientaram a importância de ter um jogo que mostre o que realmente o SUS faz”.

Outra iniciativa da Fiocruz na CNS foi a nona edição da Roda de Práticas IdeiaSUS, que é um banco de práticas e soluções em saúde e ambiente, que mapeia, registra, sistematiza, divulga e dissemina práticas e soluções para o SUS, em diversos territórios do país. A plataforma surgiu da percepção de que as experiências exitosas tinham um baixo aproveitamento pela gestão e academia e reúne mais de 1.578 práticas de mais de 557 municípios, resultado de cooperação da Fiocruz com o Conass e o Conasems, coordenado pela Fiocruz.

O coordenador do Ideia SUS e chefe de Gabinete da Presidência da Fiocruz, Valcler Rangel, afirma que a Fiocruz busca sempre estar mais próxima da sociedade, e que a participação social, o controle social e a democracia estão no DNA da instituição. “O SUS dá certo porque é um processo de libertação e conscientização, como Paulo Freire falava, é um processo pedagógico. A partir do momento que você aprende a tomar para si os destinos da sua própria saúde, você está se libertando”, explicou Rangel. Durante a roda, foram apresentadas cinco experiências municipais de controle social, que têm como objetivo aumentar a participação com o diálogo e o envolvimento da população. Como a implantação de uma ouvidoria municipal de saúde em Benevides (PA) como estratégia de fortalecimento da gestão da saúde no município. A iniciativa foi implantada durante as pré-conferências municipais de saúde e pelo gestor municipal da saúde, e envolveu diversos departamentos.
 
Os resultados obtidos foram três formas de acesso ao usuário, que são o atendimento presencial, por e-mail e através das urnas de sugestão bem como uma avaliação mensal dos serviços de saúde além de permitir intervenções pontuais na melhoria do processo de saúde do município. Foi observada a melhoria da qualidade dos serviços de saúde, favorecendo assim o processo de tomada de decisões para a gestão, assim como assegurar e fortalecer um dos princípios do SUS, o controle social.

Outro projeto apresentado foi o Conselho de Saúde Itinerante: um Desafio para o Conselho de Saúde de Aracati (CE). O projeto buscou levar informações à população que tem dificuldade em obtê-las, é fazê-la conhecer seus direitos e deveres e, consequentemente, elevar a capacidade dos indivíduos de participarem efetivamente do processo de tomada de decisões que afetam suas vidas. Assim, estimulou a participação dos usuários e trabalhadores de saúde nas discussões sobre saúde, controle social e problemáticas enfrentadas para a operacionalização das ações e serviços de saúde em seus respectivos distritos sanitários, para divulgar o Conselho Municipal de Saúde como instrumento democrático de participação da comunidade no Sistema único de Saúde (SUS).

Moções

A primeira das três moções apresentadas pela Fiocruz teve como motivação a necessidade de fortalecimento da ciência, tecnologia, inovação e produção em saúde, ampliando a capacidade do Estado de induzir o desenvolvimento e a produção de novos insumos e tecnologias de saúde, fortalecendo o SUS. A providência solicitada é a de implantação de políticas públicas que privilegiem a ciência, tecnologia, inovação e produção pública de vacinas, medicamentos, equipamentos, serviços e insumos para saúde pública no país. Melhora da capacidade do Estado de induzir a interação academia-Estado-indústria-sociedade. Segundo o texto, uma política nacional de saúde priorizará a ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e a produção nas instituições públicas de produtos e serviços estratégicos em saúde como uma base essencial para o fortalecimento do SUS e de um projeto nacional de desenvolvimento comprometido com a soberania nacional, a autonomia tecnológica e os direitos sociais e a sustentabilidade ambiental. O acesso a serviços, medicamentos, vacinas, produtos para diagnóstico e equipamentos médicos necessários para a população devem ser garantidos pelo SUS. A atuação das instituições públicas, de acordo com o texto, deve ser fortalecida, pois são o suporte a uma base nacional de ciência, tecnologia & inovação e produção que garanta o acesso universal, equânime e integral da população brasileira. 

Ainda de acordo com a moção, a Fiocruz, como instituição estratégica de Estado e integradora do sistema de ciência, tecnologia e inovação em saúde, deve ser fortalecida como um patrimônio da população brasileira para ter acesso ao conhecimento e aos produtos de saúde de que necessita. O texto conclui afirmando que a população brasileira tem direito à saúde, à CT&I e ao desenvolvimento, que o acesso universal aos produtos em saúde é um direito humano essencial e que ninguém pode ser negligenciado.

Outra moção teve como fato motivador a necessidade de fortalecimento do papel do Estado e da sociedade civil na proteção social e no desenvolvimento de ações para o enfrentamento da epidemia de zika e suas repercussões, por meio de financiamento e gestão adequada dos sistemas de saúde, assistência social, educação, ciência, tecnologia e inovação. A providência solicitada é a  implementação da carta de recomendações para o enfrentamento das consequências da epidemia de zika no Brasil visando a influenciar políticas públicas que garantam a atenção à saúde, proteção social e educação inclusiva voltadas para às necessidades das famílias e crianças afetadas pela Síndrome Congênita da zika, bem como o investimento em ciência e tecnologia para continuidade das pesquisas e seus impactos epidemiológicos, clínicos, sociais e para produção de biofármacos. De acordo com o texto, o apoio ao enfrentamento das consequências da epidemia da zika no Brasil decorre da Carta de Recomendações que foi construída a partir das contribuições de pesquisadores de diversas áreas, gestores de saúde e representantes da sociedade civil, reunidos na oficina de trabalho pré-Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, organizada em julho de 2018 pela Rede Zika de Ciências Sociais, vinculada à Fiocruz. No Brasil, a epidemia de Síndrome Congênita do Zika (SCZ), predominantemente detectada entre 2015-2016, continua registrando casos na maioria das regiões brasileiras, indicando que persiste a circulação viral com transmissão congênita e, portanto, existe potencial para a ocorrência de surtos. Além disso, permanecem as graves consequências para pessoas e famílias afetadas pela SCZ.

O fato que motivou a terceira moção apresentada pela Fiocruz foi a necessidade de se fortalecer a produção de conhecimento e as políticas de enfrentamento às violências no âmbito dos municípios, estados e país, ampliando a capacidade do Estado brasileiro em responder à esta grave problemática. A providência solicitada é o fortalecimento das políticas públicas, em especial a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências e das ações delas decorrentes, em cada segmento social afetado, respeitando suas especificidades e o princípio de integralidade do SUS. 

A violência é um problema social, cultural e histórico que se intensifica em sociedades marcadas por desigualdades, iniquidades e injustiças sociais e ambientais, as quais desestruturam bases familiares, comunitárias e territoriais necessárias ao desenvolvimento humano e a uma cultura de paz. Segundo a moção, estão sendo produzidas informações alarmantes acerca de homicídios, agressões, suicídios e tentativas de suicídio, dentre outras graves formas de violência. As vítimas mais frequentes dessas formas de violência são homens jovens, mulheres, idosos e população LGBTI, em especial mulheres trans e travestis.

A questão racial é de suma importância: tem sido observado um aumento das taxas de mortes e agressões de negros e negras e uma redução entre pessoas não negras. A chance de um jovem negro ser morto era, em 2015, 2,7 vezes maior. Crianças e adolescentes vivenciam muitas violências no âmbito da família, escola e comunidade, propiciando sofrimento físico e psíquico, que pode se expressar através de agressividade, ansiedade e depressão, fragilizando o seu desenvolvimento ao longo da vida. Estas vulnerabilidades estão refletidas nos marcadores sociais de idade, gênero, raça e orientação sexual.

O texto ressalta o agravamento dos conflitos armados que vêm ocorrendo, especialmente nas grandes cidades, o que gera extrema insegurança e a constante violação de direitos da população. Os serviços de saúde são impactados, usuários e trabalhadores, uma vez que têm sua rotina alterada em função da violência. Esses serviços necessitam de financiamento e gestão adequados para garantir a prevenção, a atenção e a reabilitação das pessoas. 

A moção afirma que o setor saúde precisa dar respostas e prover cuidado às pessoas direta e indiretamente atingidas pela violência. Destacam-se as repercussões na saúde física e mental que desembocam em agravos agudos e crônicos, contribuindo para uma subjetividade violenta voltada para o outro ou contra si próprio, atingindo não apenas o indivíduo, mas também sua família, amigos e comunidade, deteriorando condições econômicas, relacionais e emocionais. Consciente desta situação de adoecimento e morte da população brasileira decorrente da violência, é importante considerar as interfaces entre violência e saúde como estratégicas, de forma a reunir esforços de diversas instituições e da sociedade em prol do desenvolvimento de conhecimentos, metodologias e práticas que colaborem no enfrentamento de tão grave problema, cujo custo humano é incalculável. 

É imprescindível fortalecer e avançar em tais ações. Destaca-se a importância dos movimentos sociais, que têm aguerridamente denunciado a situação de violência do país, provocado o Estado a elaborar respostas eficazes e criado estratégias de enfrentamento. Esforços históricos do Ministério da Saúde e de todo o SUS têm marcado a elaboração de políticas e estratégias de enfrentamento das múltiplas e graves consequências da violência. É importante que sejam mantidos e fortalecidos os serviços e estratégias de prevenção, vigilância, atenção e reabilitação pelo Ministério da Saúde, estados e municípios para o fortalecimento da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Ações de formação continuada de profissionais de saúde, produção de pesquisas em ciência e tecnologia e fortalecimento dos serviços precisam ser priorizados para a promoção da vida, prevenção da violência e cuidado das pessoas.

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