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16/04/2021

Fiocruz assina acordo com Unitaid contra doença de Chagas

Antonio Fuchs (INI/Fiocruz), Cristina Azevedo (CCS/Fiocruz), Juana Portugal (INI/Fiocruz) e Keila Maia (Fiocruz Minas)


Lembrado pelo segundo ano consecutivo, o Dia Mundial da Doença de Chagas foi marcado na Fiocruz, na última quarta-feira (14/4), com evento que contou não só com homenagens àqueles que ajudaram na pesquisa e combate à enfermidade, mas também com o olhar no futuro. Além dos tributos aos pesquisadores da instituição Zilton Andrade e José Rodrigues Coura, já falecidos, houve a assinatura virtual do convênio com a Unitaid do CUIDA Chagas, projeto que visa eliminar a transmissão congênita da doença em países da América Latina. A iniciativa, que conta com o cofinanciamento do Ministério da Saúde brasileiro e suporte da Fundação de apoio à Fiocruz (Fiotec), envolve também Paraguai, Bolívia e Colômbia.

Incluída no calendário mundial da saúde em 2019 e celebrada pela primeira vez no ano passado, a data teve como tema em 2021 a Ação integral e universal aos afetados pela doença de Chagas. A enfermidade ainda é endêmica em 21 países da América Latina, afetando de seis a sete milhões de pessoas e levando a 14 mil mortes por ano. As desigualdades sociais que facilitam a transmissão e dificultam o combate foram lembradas por vários participantes.

No evento por vídeo, transmitido pelo canal da Fiocruz no YouTube, a embaixadora Maria Luisa Escorel, representante da Missão Permanente do Brasil junto à ONU, e também vice-presidente do conselho administrativo da Unitaid (organização voltada para a expansão do acesso a diagnósticos e tratamentos), lembrou os esforços do país na criação da data. “Comemorar o Dia Mundial da Doença de Chagas é celebrar a força da ciência a serviço dos vulneráveis. É lembrar também o quanto a diplomacia da saúde pode fazer pelo bem-estar”, disse. 

Mariângela Simão, diretora geral adjunta da Organização Mundial da Saúde (OMS), reforçou a necessidade de garantir acesso a serviços de saúde de qualidade. Ela ressaltou que a doença é curável se diagnosticada precocemente e que a transmissão vertical também pode ser evitada. “Esse não é um sonho impossível”, destacou. “São necessárias ações do sistema de saúde para que essa doença no futuro seja vista como uma doença do passado”.

O ministro da Saúde Marcelo Queiroga foi representado por Flávio Werneck, assessor do ministério para Assuntos Internacionais, que destacou a importância do trabalho desenvolvido em parceria com a Unitaid. “Esse é o pontapé inicial no relacionamento bilateral Brasil-Unitaid. A organização pode emprestar seu peso ao tratamento de doenças negligenciadas”, disse.

Consórcio internacional

O projeto CUIDA Chagas - Comunidades Unidas para Inovação, Desenvolvimento e Atenção para a doença de Chagas, coordenado pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), vai abranger mulheres em idade fértil, gestantes e recém-nascidos. “No Brasil, a doença de Chagas causa mais mortes do que qualquer outra doença parasitária”, disse o assessor do ministro. Para o projeto se concretizar, o Ministério da Saúde entrou com US$ 4 milhões (R$ 22,7 milhões). 

Ao todo, o consórcio liderado pela Fiocruz conta com um investimento de US$ 19 milhões (R$ 107,8 milhões) assegurados pela parceria entre o Ministério da Saúde e a Unitaid. Participam ainda do consórcio o Instituto Nacional de Laboratórios, da Bolívia; o Instituto Nacional de Saúde, da Colômbia; o Serviço Nacional de Erradicação sobre Palutismo, do Paraguai; e a organização Foundation for Innovative New Diagnostics (Find). Ele tem também o apoio técnico da OMS e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), além da participação da sociedade civil, através do apoio da Federação Internacional de Associações de Pessoas Afetadas pela doença de Chagas (Findechagas) “A iniciativa trará benefícios para as pessoas afetadas, sobretudo na América Latina, e ensinamentos além continente”, disse Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz. “Esse é um sonho que vem de Carlos Chagas”, concluiu.

Nísia destacou que a doença de Chagas é parte fundamental da história da saúde pública brasileira e da própria Fiocruz, acrescentando que ela própria trabalhou na pesquisa da enfermidade. Ela ressaltou não só os desafios científicos, mas também os sociais trazidos pelas desigualdades históricas em países da América Latina e as dificuldades trazidas pela pandemia de Covid-19. 

Philippe Dunaton, diretor executivo da Unitaid, informou que o projeto representa uma mudança em termos de diagnóstico e terapia da doença, buscando tratamentos mais rápidos e com menos efeitos tóxicos. “Esse trabalho combinado com outros países pode mudar o curso da doença para mulheres, crianças e populações inteiras”, disse Dunaton, ressaltando o compromisso do Brasil com o projeto. 

Pesquisadora principal da iniciativa e chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas do INI/Fiocruz, Andréa Silvestre comemorou “o lançamento do projeto que surge alinhado com a meta global de eliminação da doença como um problema de saúde pública até 2030”. Segundo Andréa, a detecção precoce e o acesso ao tratamento com elevadas chances de cura em jovens e crianças poderão diminuir significativamente o número de cardiopatias, hospitalizações e mortes relacionadas à enfermidade. 

O projeto será implementado em 34 municípios, sendo dez na Bolívia, seis no Brasil, 13 na Colômbia e cinco no Paraguai, selecionados de acordo com as prioridades de saúde pública. A atenção primária será o foco central das intervenções, integradas às iniciativas pré-existentes envolvendo saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil. “Estima-se que em cada país existam cerca de 60 mil mulheres em idade fértil nos territórios selecionados com a possibilidade de serem avaliadas ao longo dos quatro anos e meio de projeto, chegando assim a 240 mil mulheres atendidas”, afirmou a pesquisadora. 

Voz dos pacientes

Gabriel Parra-Henao, vice-diretor de Inovação em Saúde Pública do INS da Colômbia; Hernán Rodriguez Enciso, diretor geral do Senepa, do Paraguai; e Maria Renee Castro Cusicanqui, vice-ministra de Promoção à Saúde, Vigilância Epidemiológica e Medicina Tradicional da Bolívia, representando o Inlasa, foram unânimes em destacar o quanto o projeto é ambicioso e que a mudança que pode trazer em termos de diagnóstico e terapêutica são fundamentais na luta para a eliminação desta doença negligenciada. Marta Fernandez-Suarez, diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da FIND, destacou que a iniciativa vem ampliando os investimentos em diagnósticos clínicos de doenças tropicais e que participar do projeto é uma oportunidade única para colaborar na eliminação da transmissão vertical da enfermidade.

Trazendo a voz dos pacientes, a representante da Findechagas, Joanda Gomes, fez um relato emocionado de sua vida ao lembrar que começou a trabalhar aos nove anos na agricultura de cana e que aos 12 descobriu ser portadora da doença. “Desde muito jovem aprendi a me cuidar, tomar as medicações, usar marcapasso. Tive a oportunidade de ter duas filhas e agradeço a este projeto pelos resultados que irá trazer para que as futuras mães e crianças possam se tratar e evitar a doença”, disse.

O diretor da Fiotec, Hayne Felipe, falou que o papel da Fundação é de fortalecer inovações que contribuam em iniciativas em prol da saúde pública. Já o representante da Organização Mundial da Saúde, Pedro Albajar, agradeceu a oportunidade da OMS em ser coautora em um projeto que trará inúmeros frutos para a próxima década.

O representante da Unitaid, Maurício Cysne, lembrou que o CUIDA Chagas é inovador por ser o primeiro projeto que a organização financia no campo das doenças tropicais negligenciadas, saindo do eixo de investimento em Aids, tuberculose e malária. “Essas doenças negligenciadas estão na agenda política internacional e são extremamente importantes para a OMS. É necessário investimentos para combatê-las, e é isso que estamos fazendo nesta parceria com a Fiocruz”, afirmou. Segundo Maurício, o projeto vai além das 240 mil mulheres no estudo: a meta é depois levar os resultados aos outros países.

Luis Gerardo Castellanos, representante da Opas, acredita no êxito final do projeto por conta de todos os atores envolvidos e que se dedicam a estudar e trabalhar para combater a doença. Para o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Krieger, esse importante avanço representa o que há de melhor no uso da ciência em prol da saúde pública. “Estudar a doença de Chagas é uma tradição que temos na América Latina. São várias as contribuições ao longo das décadas como o combate ao inseto vetor que eliminou, em muitos países, a transmissão ativa da doença, e foi fruto da interação entre o conhecimento científico e os sistemas de saúde”, lembrou. 

20 anos de Fio-Chagas

O CUIDA Chagas vem se somar a outros projetos da Fundação relacionados à doença, como também deve se beneficiar de estudos por eles conduzidos. Um desses programas é o Fio-Chagas, cujos progressos foram apresentados pelo vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas, Rodrigo Correa, e pelo pesquisador André Luiz Roque, seu coordenador.

Fio-Chagas: 20 anos de conquistas e atuais desafios mostrou a evolução do programa, que agrega todos os pesquisadores que trabalham em áreas relacionadas à enfermidade e que conta com parceiros nacionais e internacionais. Uma história que começou em 2000, na busca de uma integração entre os trabalhos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e o Instituto René Rachou (Fiocruz Minas) e que foi crescendo, com a realização de 14 encontros, palestras para estudantes de graduação e pós e a criação de um portal. Em 2015, o Programa de Integração de Doença de Chagas da Fiocruz (PIDC) passou a se chamar Programa de Pesquisa Translacional em Doença de Chagas (Fio-Chagas). O portal também mudou, focando mais nas pessoas atingidas pela doença, com a participação de associações e centros de referência, mas sem abrir mão do conteúdo científico, representado também nos livros on-line. “Foi crescendo e incorporando novos atores da Fiocruz e novos centros de pesquisa”, contou André Luiz.

Em 2010, o Fio-Chagas passou a ter um representante na Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde. E um de seus frutos é o programa educacional no Pará, junto com a secretaria estadual, para capacitar profissionais e que já realizou quatro cursos. A ideia é expandir o programa, apesar das dificuldades criadas pela pandemia.   

Homenagens

O dia foi marcado também por homenagens. Além de um vídeo sobre suas carreiras, Zilton Andrade, pesquisador da Fiocruz Minas, e José Rodrigues Coura, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), foram celebrados por pessoas que trabalharam com eles.

Marilda Gonçalves, diretora do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia), lembrou da trajetória de Zilton, que nasceu em Santo Antônio de Jesus, na Bahia, em 1924, e fundou a Escola de Patologia da Bahia. Médico e professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), tinha especial interesse nas patologias relacionadas à doença de Chagas e esquistossomose. Junto com a mulher, a também médica Sonia Gomes de Andrade, trabalhou na pesquisa sobre a doença de Chagas, mostrando como o parasita promovia alterações nas células, tecidos e órgãos. Seus estudos promoveram avanços na patologia da enfermidade. “Suas publicações são referências fundamentais na literatura científica internacional”, observou Marilda sobre o pesquisador, que foi diretor do Instituto Gonçalo Muniz e morreu em julho de 2020 aos 96 anos.

Coube a José Paulo Leite, diretor do IOC/Fiocruz, homenagear Coura, um dos fundadores da Sociedade de Medicina Tropical. Professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Coura foi editor da revista Memórias do IOC e criador do programa de pós-graduação em medicina tropical. Nascido em 1927 em Taperoá, no sertão da Paraíba, chegou jovem ao Rio de Janeiro para estudar e acabou se tornando “um dos mais influentes pesquisadores do planeta”, destacou Leite. Diretor do IOC, ajudou a captar talentos para o Instituto e chamou a atenção do mundo para a doença de Chagas ao mostrar que ela estava presente também em países mais desenvolvidos.

“Ao captar pesquisadores notáveis para os quadros do IOC, criou uma amálgama de jovens pesquisadores mesclados a pesquisadores sêniores. Muitos desses jovens hoje estão em cargo de liderança na Fiocruz”, disse Leite, lembrando seu ex-professor, falecido no início de abril, aos 93 anos.

Biblioteca Virtual 

O evento contou ainda com o lançamento da Biblioteca Virtual Coleção de Controle de Triatomíneos, que visa concentrar documentos, artigos e outras publicações que possam contribuir para a capacitação das equipes que atuam no controle dos insetos transmissores da doença de Chagas. A biblioteca foi criada por meio de uma parceria entre a Fiocruz Minas e o Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz).

“A ideia partiu de um desejo de colaborar com as equipes de controle, facilitando o acesso à informação”, destacou a pesquisadora Lileia Diotaiuti, da Fiocruz Minas e uma das idealizadoras do projeto. Ainda segundo a pesquisadora, devido à biodiversidade do Brasil, que conta com muitas espécies de triatomíneos colonizando casas, o controle desses insetos continua sendo um desafio para a saúde pública.  

Consciência e arte

A mesa Consciência e Arte encerrou a programação com apresentações abordando novas estratégias para diagnóstico e tratamento através do projeto IntegraChagas Brasil e a importância da portaria que determina a notificação compulsória dos casos crônicos. Foram lançados o vídeo Quem foi que disse..., sobre a descoberta da doença de Chagas, produzido pelo Laboratório de Audiovisual Científico (Labaciências/UFF), e o site do projeto IntegraChagas. Além de Andrea, participou da atividade Lauricio Monteiro da Cruz, diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS).

O IntegraChagas Brasil é um projeto estratégico que tem como objetivo ampliar o acesso à detecção e tratamento da doença crônica na atenção primária à saúde (APS), coordenado pelo INI, em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC). A iniciativa, solicitada e financiada pelo Ministério da Saúde, visa “pela primeira vez, ações estratégicas de vigilância e atenção à saúde que serão implementadas e validadas de forma integrada nos territórios, com apoio da Secretaria de Vigilância em Saúde e da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde”, destacou a coordenadora. O projeto deve começar a ser implementado em cinco municípios indicados como prioritários pelo Ministério: Espinosa e Porteirinha (MG), São Desidério (BA), Iguaracy (PE) e São Luis de Montes Belos (GO). A estimativa é beneficiar, aproximadamente, 6 mil adultos e crianças dos cinco municípios.

Simone Kropf, pesquisadora da Casa Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), fala sobre o projeto IntegraChagas Brasil, coordenado pelo INI/Fiocruz

 

“São inúmeras as barreiras existentes para o acesso a diagnóstico e tratamento da doença de Chagas, a maior delas, na educação. Profissionais e gestores de saúde capacitados, movimentos sociais empoderados e comunidades com suas lideranças mobilizadas e informadas podem reverter este cenário que resulta em menos de 10% de diagnósticos disponíveis para a população acometida. Apenas 1% ou menos daqueles que poderiam se beneficiar obtendo a cura da doença ou a prevenção para formas sintomáticas crônicas, tem real acesso ao tratamento”, informou Andrea Silvestre. “Em geral, os diagnósticos ocorrem na fase tardia, quando já há comprometimento crônico e complicações, com grave prejuízo às pessoas, suas famílias e comunidades, além de elevado custo ao sistema de saúde”. 

Segundo Monteiro da Cruz, em 2010 um total de 34.629 gestantes tiveram diagnóstico de infecção, e estima-se que 589 crianças nasceram com infecção congênita. Com base em dados dos últimos cinco anos, a estimativa é de que, atualmente, 7,4 milhões de brasileiros estejam infectados e 4 mil mortes sejam causadas pela doença de Chagas anualmente.
Nesse cenário epidemiológico, a Portaria Nº1061, de 18 de maio de 2020, é estratégica e determina que os serviços de saúde, além de oferecer diagnóstico e tratamento, façam a notificação compulsória da doença de Chagas. Com estas informações será possível implementar um banco de dados e ter indicadores que permitam fazer análises epidemiológicas mais precisas para fortalecer a política de controle da doença no Brasil. 

Segundo Monteiro da Cruz, a expectativa do Ministério da Saúde é poder identificar a população jovem infectada, mapear possíveis áreas silenciosas para transmissão, monitorar a reativação da enfermidade em casos de infecção por HIV, ter a real prevalência e a taxa de transmissão vertical (de mãe para filho), a ampliação dos tratamentos, o planejamento da aquisição de medicamentos e a monitoração da população através de programas de rastreamento.

João Carlos Pinto Dias, pesquisador da Fiocruz Minas, fala sobre o projeto IntegraChagas Brasil, coordenado pelo INI/Fiocruz

 

Além do projeto IntegraChagas, o Ministério da Saúde também financia a criação do curso EAD de Doença de Chagas para profissionais da Atenção Primária, repassou recursos a grupos de vigilância em 319 municípios para fortalecer ações de prevenção, controle e eliminação da doença, e aposta em parcerias internacionais, como a anunciada com a Unitaid, no CUIDA Chagas.

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