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16/10/2020

Fiocruz avalia impactos das queimadas na saúde no Pantanal

Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)


O fogo que atinge o Pantanal há semanas ameaça não apenas a fauna e a flora, mas também a saúde humana da população local, em especial brigadistas e comunidades. No mês de setembro, os focos de incêndio no bioma bateram seu recorde histórico. Além dos efeitos imediatos do fogo e da fumaça, a perda da biodiversidade e a redução de recursos para as espécies sobreviventes podem gerar a dispersão de animais para áreas não queimadas, como as ocupadas pelas moradias e atividades humanas, e facilitar a emergência de novas doenças. Diante disso, a Fiocruz enviou uma equipe de pesquisadores ao Mato Grosso, com a finalidade de fazer uma primeira observação da situação e conhecer a dimensão dos impactos das queimadas na saúde, além de visitar grupos de pesquisa que têm tradição em estudos da região.

Fiocruz enviou uma equipe de pesquisadores ao Mato Grosso, com a finalidade de fazer uma primeira observação da situação e conhecer a dimensão dos impactos das queimadas na saúde (foto: Peter Ilicciev)

 

A proposta de trabalho dos pesquisadores se divide em três linhas de ação. A primeira busca estabelecer parcerias locais para planejar a avaliação do comprometimento na saúde daqueles que atuam na linha de frente de combate ao fogo, expostos aos poluentes, à fumaça e ao calor extremo, com queimaduras na pele ou no pulmão. A segunda linha busca monitorar surtos de doenças infecciosas em animais, com a participação da sociedade, setores e órgãos de governo, estabelecendo vigilância para a possível emergência ou reemergência de agentes infecciosos e outros agravos. A terceira busca estimular o planejamento, a integração e a implantação de uma Rede Pantaneira de Informação e Dados de Amostras Biológicas, com objetivo de coletar materiais para estudos diversos e multicêntricos, formação de novos profissionais e manutenção de amostras testemunhos para o futuro. A perspectiva utilizada pelo trabalho é a saúde única, que considera a saúde humana, animal e ambiental como indissociáveis.

“Poucos fenômenos se comparam com a capacidade dos grandes incêndios florestais em transformar totalmente um ecossistema natural, em um curto espaço de tempo, alterando de maneira catastrófica o uso do solo e, consequentemente, o estoque de recursos naturais”, explica a nota técnica elaborada por cientistas da Fiocruz e instituições parceiras. Para a pesquisadora da Fiocruz que coordenou a viagem ao local, Marcia Chame, “a dimensão dessas queimadas realmente é enorme, tanto pela extensão do fogo, quanto pela sua intensidade e duração”.  

Clique na imagem para ler a nota técnica. 

 

Os meses de incêndios sem precedentes podem levar várias espécies à extinção, colocando em risco a biodiversidade única da maior área alagada das Américas. Áreas naturais de grande biodiversidade, entre outros benefícios, exercem o efeito de diluição na transmissão de patógenos. Além da perda ambiental, isto pode significar o surgimento de novas doenças ainda desconhecidas ou a reemergência de vírus que têm animais como hospedeiros, como o da raiva ou os hantavírus, por exemplo. Estima-se que 60% das doenças que afetam os humanos tenham origem animal.

Áreas naturais de grande biodiversidade, entre outros benefícios, exercem o efeito de diluição na transmissão de patógenos (foto: Peter Ilicciev)

 

No Brasil, são conhecidos cerca de 40 vírus de importância médica transmitidos por insetos. Destes, 85% são mantidos em ciclos silvestres em áreas florestais. Investigações anteriores da Fiocruz em colaboração com outras instituições encontraram evidências sorológicas de pelo menos 16 arbovírus de importância médica no Pantanal do Mato Grosso do Sul (MS). Além disso, foram detectados seis novos vírus até então desconhecidos da ciência e de importância médica ainda a ser determinada.

A população local ainda está sendo exposta a concentrações muito altas de materiais extremamente tóxicos presentes na fumaça, como material particulado (MP 2.4 e MP 10), monóxido de carbono (CO), metais, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) e outros. Estes compostos podem provocar queimaduras, asfixias e irritação das mucosas, além de causar inúmeras doenças respiratórias, circulatórias, doenças dermatológicas que têm como primeira manifestação as lesões de pele. A situação é ainda mais preocupante para os grupos vulneráveis e mais expostos, como os brigadistas, crianças e idosos, gestantes e aqueles que se encontram nos pequenos povoados. Nos animais vivos não há dimensão deste impacto.

Os meses de incêndios sem precedentes podem levar várias espécies à extinção, colocando em risco a biodiversidade única da maior área alagada das Américas (foto: Peter Ilicciev)
 
 

"Uma das nossas linhas de ação é a avaliação de impacto na saúde dos brigadistas, que são a linha de frente do combate ao fogo. Estas pessoas estão expostas a riscos que podem ser irreversíveis. Nossa proposta é fazer, em um primeiro momento, um estudo piloto, com uma pequena amostra, para verificar a condição de saúde da população, incluindo brigadistas, que esteve mais diretamente afetada pelo fogo, a fumaça e o calor”, explica a pesquisadora da Fiocruz, Sandra Hacon, responsável pelo eixo de saúde humana. “Em um segundo momento, precisamos também entender os efeitos de médio e longo prazo nas populações locais, principalmente os mais vulneráveis, verificando indicadores de doenças respiratórias e saúde materno-infantil”, complementa.

O clima e as queimadas se influenciam mutuamente. Por um lado, a falta de chuvas, a baixa umidade relativa do ar e as elevadas temperaturas aumentam a capacidade de inflamabilidade da vegetação, favorecendo grandes extensões de incêndios. Por outro, as grandes queimadas degradam o solo e lançam minerais e materiais tóxicos na água e gases na atmosfera, o que intensifica a seca e as mudanças climáticas, com o aumento da temperatura. Esse conjunto de fatores favorece a frequência e a intensidade do fogo em longo prazo.

Os pesquisadores em campo registraram e documentaram a situação geral para compartilhamento com outros grupos de pesquisa e análise de impactos de perda de biodiversidade na região (foto: Peter Ilicciev)

 

Os pesquisadores em campo registraram e documentaram a situação geral para compartilhamento com outros grupos de pesquisa e análise de impactos de perda de biodiversidade na região. O grupo percorreu a área de Cuiabá, Cáceres, Poconé e Barão de Melgaço. No percurso, foram visitadas comunidades locais e ribeirinhas e áreas de frente de trabalho do Comando de Combate às Queimadas da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema/MT) e a base da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Sesc-Pantanal, onde a Fiocruz já desenvolveu projeto multidisciplinar e mantém com o José Luiz Cordeiro (Fiocruz Ceará), em parceria com o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estudo sobre as paisagens pantaneiras. O grupo se reuniu com parceiros locais, secretarias de saúde e a população atingida.

Durante as atividades, a comunidade local foi apresentada e orientada ao uso o Sistema de Informação em Saúde Silvestre (SISS-Geo), que permite o registro imediato e sistemático da mortalidade de animais nas áreas já queimadas, além de animais vivos. A plataforma SISS-Geo utiliza os registros georreferenciados fornecidos com a colaboração da sociedade para criar modelos de alerta e previsão de zoonoses. A ideia é que oficinas sejam oferecidas à população para que os usuários sejam habilitados a usar o sistema de forma contínua e integrem a vigilância participativa em saúde.

Para a pesquisadora da Fiocruz que coordenou a viagem ao local, Marcia Chame, “a dimensão dessas queimadas realmente é enorme, tanto pela extensão do fogo, quanto pela sua intensidade e duração” (foto: Peter Ilicciev)

 

“A partir dos dados fornecidos pela população pelo aplicativo, podemos gerar alertas precoces de ocorrências de agravos na fauna silvestre, especialmente os com potencial de acometimento humano, e modelos de previsão de oportunidades ecológicas para emergência de doenças. Os dados são abertos e os resultados disponibilizados para a sociedade, o que permite a vigilância antecipada para zoonoses”, explica Marcia Chame, que também é coordenadora do Centro de Informação em Saúde Silvestre (Ciss-Fiocruz). 

As ações e estudos da Fiocruz no Pantanal estão sendo elaborados em parceria com a Pós-graduação em Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), o Sesc-Pantanal, o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT).

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