21/11/2016
Alexandre Matos (Farmanguinhos/Fiocruz)
O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) tem buscado novas soluções terapêuticas para combater antigos inimigos de saúde pública. O grupo de Síntese de Fármacos da unidade, coordenado pela farmacêutica Núbia Boechat, vem trabalhando no desenvolvimento de novas moléculas híbridas, isto é, contendo mais de um princípio ativo em sua estrutura. Um dos estudos demonstrou efeitos promissores contra a malária e, recentemente, os resultados foram publicados na revista científica Bioorganic & Medicinal Chemistry. Devido à sua importância, o trabalho ganhou a capa desse periódico científico.
Parte da equipe de Síntese de Fármacos de Famanguinhos/Fiocruz, que vem trabalhando no desenvolvimento de novas moléculas híbridas (foto: Peter Ilicciev)
Segundo Núbia Boechat, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza o uso de mais de um fármaco para tratar doenças infectocontagiosas. Porém, tal como ocorre no tratamento de Aids, a administração de coquetéis dificulta a adesão do paciente à terapia, já que é preciso tomar muitos comprimidos. “Por isto é que se tem investido nas formulações denominadas de Dose Fixa Combinada (DFC). Isso diminui a possibilidade de resistência do parasito aos componentes, uma vez que o medicamento em DFC age em diferentes mecanismos de ação”, explica a pesquisadora.
Apesar de ser considerado um avanço, o desenvolvimento de medicamentos em DFC é complexo. “É preciso usar dois fármacos numa única formulação, observando-se sempre a interação medicamentosa, bem como a biodisponibilidade dos componentes ao mesmo tempo. Em função disso, é também uma tecnologia farmacêutica mais complicada”, ressalta.
Como alternativa a essas formulações, Núbia argumenta que o desenvolvimento de moléculas híbridas, quem vêm sendo criadas pela equipe de Síntese de Fármacos, é uma evolução tecnológica na indústria farmacêutica. “Em vez de colocar dois fármacos distintos em um único comprimido, as moléculas já são criadas com os dois princípios ativos, que vão atuar em mecanismos de ação diferentes, ou seja, atacar dois alvos dentro do organismo”, esclarece.
Uso de estatinas
Em outro trabalho, após uma revisão da literatura científica, o grupo constatou que a atorvastatina, uma das mais utilizadas estatinas para controlar o colesterol, tem também a função anti-inflamatória. A pesquisadora revela que a atorvastatina vem sendo testada como adjuvante no tratamento da malária cerebral, a forma mais severa da doença, associada a outros medicamentos antimaláricos.
“A partir dessa descoberta, criamos moléculas híbridas com atorvastatina e alguns antimaláricos. O resultado foi fantástico. Publicamos, então, um artigo no primeiro semestre deste ano, na versão Letters para garantirmos a descoberta. Agora, estamos nos aprofundando nos estudos dessas moléculas para alcançarmos mais resultados”, destaca.
Desde 2008, a área vem desenvolvendo várias moléculas híbridas especificamente para o tratamento de malária. Atualmente, os pesquisadores da Síntese trabalham com quatro fármacos para malária (artesunato, cloroquina, mefloquina e primaquina), com os quais são feitas modificações em suas estruturas.
Outro trabalho também publicado na Bioorganic é Síntese de novos derivados quinolínicos com potencial atividade contra Plasmodium falciparum. Neste caso, os pesquisadores de Farmanguinhos criaram moléculas híbridas com os princípios ativos sulfadoxina e cloroquina. “Os resultados têm sido satisfatórios, apresentando menos efeitos adversos”, ressalta Núbia Boechat, que coordena o grupo de pesquisa. As informações foram disponibilizados, em 2015, na Malaria Nexus, que é uma plataforma de conhecimento online, que capta e disponibiliza a especialistas todos os melhores trabalhos sobre esta doença negligenciada no mundo.
Núbia informa que o estudo mais avançado contra a malária é o Mefas, sigla para o sal híbrido contendo artesunato (AS) e mefloquina (MQ). “A partir do desenvolvimento do ASMQ (medicamento em dose fixa combinada), nós da Síntese de Fármacos fizemos uma molécula híbrida com os dois fármacos, que nós chamamos de Mefas. Atualmente o projeto está na fase de biodisponibilidade, na qual está sendo avaliada sua farmacocinética. Dependendo do resultado, gostaríamos de fazer os ensaios clínicos, eliminando as etapas anteriores, uma vez que ele é feito a partir de duas moléculas que já têm a toxicologia conhecida”, argumenta Núbia. Segundo ela, o sal híbrido tem produzido menos efeitos adversos do que o medicamento em DFC.