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23/11/2018

Fiocruz celebra 10 anos de pioneirismo do Elsa-Brasil

Informe Ensp


A cerimônia de comemoração pelos 10 anos do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) foi marcada por agradecimentos, divulgação de dados e confraternização. No dia 12 de novembro, dirigentes, voluntários e público em geral reuniram-se, para reafirmar que a utopia se transformou em realidade, como disseram Rosane Harter Giep e Maria de Jesus Mendes da Fonseca, coordenadora e vice-coordenadora, respectivamente, do estudo. O destaque vai para os determinantes avaliados, como discriminação racial, segregação residencial e mobilidade social. Durante a cerimônia comemorativa, o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Hermano Castro, voluntário do Elsa-Brasil, disse que o estudo funciona como sinal de alerta e as orientações dos profissionais são muito válidas. E como gestor, ele disse ter sido um passo importante, pois antes não se tinha ideia de como as doenças comportavam-se numa população de trabalhadores de saúde. “Projeto como esse gera informação e agrega valor”, completou.

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, destacou a importância do grau de inovação dos artigos científicos produzidos com dados do Elsa-Brasil, utilizando conceitos sociais. “Ouvindo as falas de todos, penso que a viabilidade do estudo está no comprometimento da equipe e na capacidade dos gestores olharem esses dados gerados e transformá-los em políticas públicas. Apesar desse momento de grandes incertezas, tenho convicção no compromisso histórico e no trabalho intenso para manter o estudo”.

Vários outros dirigentes deram seu depoimento. Antônio Ivo de Carvalho, ex-diretor da Ensp/Fiocruz, declarou sentir-se honrado por ser participante e beneficiário com essa pesquisa sobre a saúde brasileira. “Estou feliz de partilhar desse momento, mesmo diante das nuvens cinzentas que estamos vivendo”, ressalvou. Reinaldo Guimarães, ex vice-presidente da Fiocruz, observou que a imensa maioria feminina que conduz o Elsa-Brasil é a razão do seu sucesso. Ele também enalteceu o papel dos pesquisadores, esclarecendo que muitos projetos têm financiamento, mas naufragam. 

A ex-coordenadora do Elsa-Brasil, Dóra Chor, salientou a referência internacional do projeto e apresentou os resultados alcançados até agora, que atingiram as metas desejadas. “A Onda 1, primeira etapa do estudo, que ocorreu entre 2008 e 2010; e a Onda 2 (2012-2014) geraram informações que permitiram a produção de 227 artigos científicos já publicados sem contar as teses, dissertações e trabalhos de conclusão de curso”.

Chor fez uma síntese dos resultados mais importantes do Elsa-Brasil. Sobre o diabetes, ela informou que cerca de 20% dos participantes estavam diabéticos na Onda 1, sendo que quase metade deles não sabiam dessa condição. “Uma maior proporção apresentou resultados laboratoriais de um estado pré-diabético. Esses dados refletem a epidemia de diabetes observada globalmente. Além dos fatores de risco conhecidos, dados iniciais sugerem que ingerir adoçantes artificiais para quem tem peso normal não seria uma boa opção, pois aumentaria risco de diabetes”.

A pesquisadora também falou sobre a obesidade. Ao analisar a evolução do peso corporal dos participantes entre as Ondas 1 e 2, observou-se que o ganho de peso está diretamente ligado ao diabetes tipo 2, hipertensão e colesterol alto, doenças responsáveis pelos maiores índices de mortalidade e morbidade do Brasil. “Os mais jovens (até 55 anos) foram os que mais ganharam peso”.

Quanto à hipertensão, Chor disse que um terço dos participantes foram classificados como hipertensos na Onda 1, mas 20% desconheciam essa condição. “De todos os hipertensos, 60% apresentavam a pressão arterial não controlada, apesar de utilizarem medicamentos anti-hipertensivos. Foram demonstradas desigualdades no controle da hipertensão, onde os hipertensos com menor escolaridade e aqueles auto-declarados pardos ou pretos apresentaram menor proporção de controle”.

Segundo o Elsa-Brasil, o ambiente de trabalho é o local onde os fatores de risco podem ser potencializados ou as estratégias que incentivam hábitos de vida mais saudáveis podem ser eficazes. “Os trabalhadores com níveis mais elevados de estresse no trabalho apresentam excesso de peso mais frequente e maiores valores de cintura-quadril, maiores chances de compulsão alimentar, fumam mais, praticam menos atividade física no tempo de lazer, têm queixas mais frequentes de enxaqueca, e níveis de pressão arterial mais altos”.

Ainda de acordo com resultados do Elsa-Brasil, o conflito trabalho-família e a falta de tempo afetam, principalmente, as mulheres com nível mais alto de escolaridade e estão relacionados à ocorrência de enxaqueca e à pior avaliação da saúde. Outro determinante é o trabalho noturno, que pode levar a alterações hormonais e de comportamentos relacionados à saúde (fumar, atividade física, tipo de dieta). A chance de diabetes entre mulheres com trabalho noturno  foi cerca de 40% maior do que as trabalhadoras diurnas; e para homens a chance foi de 6% maior.

Determinantes como discriminação racial, segregação residencial e mobilidade social também foram medidos pelo Elsa-Brasil. Pelo efeito de estresse crônico, a discriminação afeta a saúde. No Elsa-Brasil, onde 52% se declararam brancos, 28% pardos e 16% pretos, há estudos mostrando que os participantes pretos são cerca de 40 vezes mais propensos de referirem discriminação racial do que os brancos; e a maior ocorrência de doença renal crônica em participantes pretos e pardos foi em grande parte explicada pela experiência de discriminação racial. 

Os pesquisadores verificaram que existe forte relação entre morar em local com espaços públicos adequados para a prática de atividades físicas e a prática de exercícios dos participantes. Além disso, a percepção de insegurança e violência no local da moradia associou-se à maior ocorrência de depressão e ansiedade. A segregação residencial é definida como separação geográfica dos indivíduos de acordo com a classe social e/ou raça/cor nas cidades.

Mobilidade social, da mesma forma, foi medida pelo Elsa-Brasil. Cerca de 60% dos participantes melhoraram sua posição social entre a primeira ocupação na vida e a ocupação da Onda 1, e cerca de 20% apresentaram mobilidade descendente. Esses últimos tiveram aumento mais frequente da pressão arterial entre as Ondas 1 e 2 do que aqueles com mobilidade ascendente. A mobilidade descendente também se mostrou associada aos casos novos de diabetes, sobretudo entre os homens.
 
Apesar do comprometimento dos participantes, a coordenação do Elsa-Brasil ressalva que o estudo ainda não alcançou todo seu potencial, portanto o acompanhamento ao longo do tempo é fundamental para explicar as doenças crônicas não-transmissíveis no Brasil.
 
Elsa-Brasil

Investigação multicêntrica de coorte composta por 15 mil funcionários de seis instituições públicas de ensino superior e pesquisa das regiões Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil, o Elsa-Brasil tem o propósito de investigar a incidência e os fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares e o diabetes.

O Elsa-Brasil começou a ser planejado em 2004, quando pesquisadores da Fiocruz e de outras instituições de ensino superior do país se reuniram pela primeira vez para falar da possibilidade de implantar uma pesquisa de longo prazo sobre as doenças cardiovasculares, o diabetes e a obesidade, condições que contribuem com a maior parte da mortalidade brasileira. Foram quatro anos de planejamento até seu lançamento, em 2008. O estudo foi possível graças ao financiamento dos Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. 

Em cada centro integrante do estudo, os sujeitos da pesquisa – com idade entre 35 e 74 anos – fazem exames e entrevistas nas quais são avaliados aspectos como condições de vida, diferenças sociais, relação com o trabalho, gênero e especificidades da dieta da população brasileira. Além de fomentar o desenvolvimento de novas investigações, o estudo é fundamental para a adequação de políticas públicas de saúde às necessidades nacionais. 

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