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18/12/2015

Fiocruz celebra cooperação internacional em neurociência

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)


Após 25 anos de colaboração científica bem-sucedida em diversos temas, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto de Saúde e Ciências Médicas da França (Inserm, na sigla em francês) planejam aprofundar sua parceria no campo da neurociência. Realizado para celebrar o jubileu de prata da cooperação, o Simpósio Fiocruz-Inserm: Foco em Neurociência apontou temas de interesse das duas instituições que podem ser explorados em projetos futuros. O encontro reuniu 120 pesquisadores e estudantes, no campus da Fiocruz, no Rio de Janeiro, nos dias 9 e 10 de dezembro. Além de palestras sobre estudos em andamento no Brasil e na França, o evento contou com uma reunião para traçar um plano estratégico para os próximos cinco anos.

Na abertura do evento, o diretor do IOC/Fiocruz, Wilson Savino, ressaltou a importância da neurociência para o enfrentamento de problemas de saúde pública (Fotos: Gutemberg Brito (IOC/Fiocruz))

 

De acordo com o organizador do seminário e diretor do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Wilson Savino, entre as ações previstas para 2016 estão a criação de, pelo menos, um novo Laboratório Internacional Associado Fiocruz-Inserm e a realização de cursos internacionais de curta duração. Já para 2017, é esperada a abertura de edital do Inserm, na França, para contratação de jovens pesquisadores que atuarão em laboratórios da Fiocruz. Um dos coordenadores do Programa Fiocruz de Neurociência (FioNeuro), Savino destacou a importância da parceria para o projeto de criação de um futuro Instituto de Neurociência da Fiocruz. “A colaboração do Inserm vai contribuir para a construção de um núcleo de neurociência na Fiocruz. Pelo alto comparecimento ao Simpósio, vemos que há um real interesse de pesquisadores e estudantes por esta área, que é essencial para o Brasil”, afirmou ele.

A importância das doenças neurológicas e psiquiátricas no país foi ressaltada pelo presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha. Segundo ele, a depressão já é a doença que mais provoca perda de atividade entre mulheres e, em 20 anos, a doença de Alzheimer deve ser a principal causa de morte na região Sul do país. “Neste momento, uma das nossas prioridades é a neurociência e contamos com a colaboração do Inserm, com o qual temos fortes laços há 25 anos. Essa área representa uma fronteira científica e tem alto impacto em saúde pública. A Fiocruz está avançando no campo de doenças não infecciosas para responder às demandas do país”, disse Gadelha.

Líder da delegação francesa no evento, o coordenador do Instituto Temático Multiorganismo em Neurociência da França, Etienne Hirsch, enfatizou o histórico de parceria entre o Inserm e a Fiocruz e o potencial de complementaridade nos estudos em neurociência. “Nosso objetivo é reforçar a colaboração entre o Inserm e a Fiocruz. Neste Simpósio, todas as apresentações e discussões científicas foram de alta qualidade e pudemos identificar áreas de interesse para cooperação, desde a pesquisa sobre neurociência celular e molecular até os estudos sobre modelagem computacional e cognição”, avaliou.

Segundo a coordenadora do programa FioNeuro, Cecília Hedin Pereira, os temas abordados no Simpósio – neurociência celular e molecular; fisiologia dos sistemas sensório e motor; neurociência cognitiva; neurociência computacional; neuroinflamação e doenças neurodegenerativas – são estratégicos para o desenvolvimento da neurociência na Fiocruz. “Para construir um Instituto de Neurociência queremos avançar em pesquisas básicas e conectar estes estudos aos aspectos clínicos. A cooperação científica é uma das ações para aumentar nossa capacidade técnica e tecnológica nesta área em busca de uma neurociência de primeiro nível”, comentou a pesquisadora, que já prevê para 2016 o primeiro Simpósio Fiocruz em Neurociência.

Da formação do cérebro à neurodegeneração

Problemas no desenvolvimento fetal que podem resultar em malformações cerebrais e contribuir para a ocorrência de doenças psiquiátricas foram abordados na primeira sessão científica do seminário. Em sua apresentação, a coordenadora do FioNeuro destacou o papel da molécula relina, uma proteína que influencia a distribuição de diferentes tipos de neurônios no cérebro. Segundo Cecília, alterações na produção desta molécula – por exemplo, causadas por mutações genéticas – podem levar ao desarranjo das camadas do córtex cerebral, provocando um tipo de malformação chamado de lisencefalia e quadros de epilepsia, entre outras doenças. Outro problema genético que afeta o desenvolvimento cerebral foi discutido pela pesquisadora Fiona Francis, vice-diretora do Institut du Fer à Moulin. A neurocientista detalhou uma mutação do gene EML1 que afeta as células responsáveis por orientar a migração dos neurônios durante a formação do órgão. Segundo ela, esse problema é associado a casos graves de uma malformação conhecida como heterotopia. “Nesses casos, vemos que alguns neurônios não chegam à zona cinzenta do cérebro, permanecendo presos na chamada zona branca”, descreveu Fiona.

Wilson Savino e Hugo Caire apresentaram pesquisas sobre processos imunológicos que atingem o sistema nervoso central durante doenças infeciosas
 

Assim como as mutações genéticas, fatores externos podem alterar o desenvolvimento do cérebro, como apontou a pesquisadora Carmem Gottfried, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Um estudo apresentado por ela demonstrou que quadros semelhantes ao autismo observados em modelos animais após a administração de ácido valpróico – um medicamento antiepilético que também está associado ao problema em pacientes – podem ser prevenidos pelo resveratrol – uma substância encontrada na casca e nas sementes de uvas. “O resveratrol possui ação antioxidante e anti-inflamatória. Sabemos que ele tem efeito neuroprotetor, mas ainda precisamos investigar como a molécula atuou neste caso”, ponderou a pesquisadora. Em outra linha de pesquisa, a cientista Rosa Cossart, do Institut de Neurobiologie de la Mediterranée (Inmed), apresentou trabalhos que apontam para a importância do período inicial da formação do cérebro. Em estudos sobre o hipocampo, área considerada sede da memória, a pesquisadora encontrou indícios de que os primeiros neurônios gerados desempenham um papel central na formação da rede de conexões neuronais e permanecem como os mais ativos também na vida adulta.

Na sessão científica dedicada à neuroinflamação e às doenças neurodegenerativas, pesquisadores destacaram o impacto de processos imunológicos sobre o sistema nervoso central e o potencial de novos tratamentos. A participação da resposta imune na doença de Alzheimer foi detalhada pelo pesquisador Guillaume Dorothée, do Hôpital Saint-Antoine. Segundo ele, dois mecanismos estão envolvidos no agravo: o depósito de uma proteína chamada amilóide-? no cérebro e a ativação de células de defesa contra essa proteína. Em modelos animais, foi observado que estimular componentes reguladores do sistema imune pode restaurar funções cognitivas perdidas com a doença. “Entender o papel do sistema imunológico no desenvolvimento da doença de Alzheimer pode ajudar a encontrar novas abordagens terapêuticas”, declarou o pesquisador. O diretor do Centre de Physiopathologie de Toulouse Purpan, Roland Liblau, explicou que o cérebro é um órgão imunologicamente privilegiado, mas não está a salvo de agressões provocadas por micro-organismos e pelas próprias células de defesa do corpo. “Das encefalites infecciosas à esclerose múltipla, é crescente o número de doenças mediadas pela imunidade que atingem o sistema nervoso central”, comentou o imunologista, que apresentou estudos sobre o papel de células de defesa no desenvolvimento de quadros de narcolepsia e cataplexia.

O desenvolvimento de uma síndrome neurológica chamada de paraparesia espástica tropical em pacientes infectados pelo vírus HTLV-1 foi discutido pelo diretor do IOC. Savino explicou que a doença tem uma evolução lenta e afeta apenas uma pequena parte dos pacientes infectados. “Estes pacientes apresentam um processo inflamatório crônico, mas os fatores que estimulam a migração dos linfócitos [células de defesa] para o sistema nervoso central ainda não são bem compreendidos”, afirmou o imunologista. Na palestra, ele apresentou resultados de testes in vitro, realizados em culturas de células, que indicam que os linfócitos infectados pelo HTLV-1 interagem de forma mais intensa com os astrócitos, podendo levar à morte destas células cerebrais. Já o vice-diretor de Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do IOC, Hugo Caire de Castro Faria Neto, abordou pesquisas que buscam prevenir o déficit cognitivo causado pela malária cerebral. De acordo com ele, essa forma grave da infecção pelo Plasmodium falciparum é frequentemente letal, e os pacientes que sobrevivem podem apresentar prejuízo da linguagem, memória e atenção. Em estudos com modelos animais, foi observado que a administração do antibiótico minociclina pode contribuir para impedir essas lesões. “Esse fármaco não atua contra o P. falciparum, mas tem forte efeito anti-inflamatório. Isso sugere que ao reduzir a neuroinflamação, podemos ter uma forma de proteção contra os danos cognitivos”, avaliou Hugo.

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