Fiocruz detecta influenza A em pinguins na Antártica

Publicado em - Atualizado em
Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)
Compartilhar:
X

Um estudo de pesquisadores da Fiocruz detectou a presença do H11N2, um subtipo do vírus influenza A, em pinguins nas Ilhas Shetland do Sul, na Antártica. A informação corrobora a descoberta anterior desse subtipo no continente Antártico. Publicado na revista Microbiology Spectrum, o artigo Detecção de Influenza A (H11N2) em amostras fecais de pinguins-de-adélia (Pygoscelis adeliae) e de-barbicha (Pygoscelis antarcticus), Ilha dos Pinguins, Antártica, sugere “sua circulação contínua no continente” e “reforça a necessidade da vigilância constante da gripe aviária” na Antártica.

Estudo do Fioantar corrobora detecção do H11N2 em pinguins na região, subtipo não descrito no Brasil (foto: Peter Ilicciev)

 

Para os pesquisadores do Fioantar, o projeto da Fiocruz na Antártica, é possível que esse subtipo seja endêmico. E, embora não cause doenças graves nos pinguins, não se sabe como agiria em outros animais. A escassez de estudos sobre o vírus influenza em aves na América do Sul também dificulta traçar a origem do H11N2, explica Maria Ogrzewalska, pesquisadora do Fioantar e do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). “É importante em termos de vigilância saber o que está acontecendo lá, mas também temos a necessidade de saber o que acontece aqui, onde temos uma biodiversidade enorme em aves”, comenta Maria.

Um total de 95 amostras de fezes de aves foram coletadas nas expedições de 2019/20 do Fioantar em colônias de pinguins das Ilhas Shetland do Sul e testadas com exames RT-PCR. Cinco em sete amostras da Ilha Pinguim foram positivas para vírus de gripe aviária. A análise de genomas de quatro delas revelou a presença do H11N2 em pinguins-de-adélia e pinguins-de-barbicha pela primeira vez na ilha. O mesmo subtipo havia sido detectado na década de 2010 em outros pontos do arquipélago e da península Antártica. 

Amostras ambientais

O vírus influenza tipo A é classificado em vários subtipos, caracterizados por duas proteínas presentes na superfície da partícula viral: hemaglutinina e neuraminidase. É daí que vêm o “H” e o “N” presente na nomenclatura destes microorganismos. Circulando na população humana, há os subtipos H1N1 e o H3N2, por exemplo. Nas aves há uma grande quantidade de subtipos virais, alguns sabidamente causadores de doença grave em animais de granja levando a grandes prejuízos econômicos. Esses subtipos podem ainda provocar mortalidade em massa de aves com consequências para conservação de espécies ameaçadas. Amostras de influenza provenientes de aves silvestres, especialmente aves aquáticas migratórias, foram a origem no passado das cepas pandêmicas causando milhões de casos e óbitos em todo o mundo, como a gripe espanhola de 1918, a gripe asiática de 1957, a gripe de Hong Kong de 1968 e, mais recentemente, a gripe suína de 2009. 

“O conhecimento desse vírus é importante porque ele ainda não foi identificado aqui, no Brasil. É importante para o acervo porque vai dando uma noção da diversidade do influenza e do que pode estar circulando naquelas espécies animais”, explica o virologista Fernando Couto Motta, pesquisador do Fioantar e do mesmo laboratório do IOC/Fiocruz. “Vivemos um momento de muita alteração no ambiente antártico e periantártico. O conhecimento do que existe lá permite que, numa situação em que ocorra um desequilíbrio, possamos entender o tamanho desse desequilíbrio e suas consequências”.

A cada primavera, mais de 100 milhões de aves (principalmente pinguins, mas também skuas e gaivotas, entre outros) se reproduzem ao redor da costa rochosa da Antártida e nas ilhas. Elas se reúnem em grandes colônias, compartilhando habitat. Durante o inverno, muitas migram para a América do Sul, África, ou áreas mais distantes, como Austrália e Nova Zelândia.

O artigo enfatiza “a necessidade do monitoramento uma vez que os vírus aviários podem ter implicações para a saúde da fauna endêmica e potencial risco de introdução de um vírus altamente patogênico no continente”. 

Próximos passos

Para os pesquisadores, os próximos passos incluem continuar a buscar não só influenza, mas também outros vírus de interesse, como coronavírus, e lançar mão da metagenômica. “Uma coisa é fazer uma investigação direcionada, ter uma lista de vírus e buscar se algum deles está presente nas amostras. Outra é a metagenômica, tentar fazer a identificação do material genético sem conhecimento preliminar. É o que se pode chamar de sequenciamento genético agnóstico: sequencia tudo e depois tenta identificar o que está aí. Esse trabalho demanda mais recursos e tempo de processamento”, comenta Fernando. “Esses estudos refletem o esforço da Fiocruz e do país em estar ali, investigando a microbiota presente na fauna antártica”.

Além de Maria e Fernando, participaram do estudo os pesquisadores Paola Cristina Resende, Tulio Fumian, Ana Carolina da Fonseca Mendonça, Luciana Reis Appolinario, Martha Lima Brandão, Marcia Chame, Ighor Leonardo Arantes Gomes e Marilda Mendonça Siqueira.

Fioantar

O Fioantar integra o Programa Antártico Brasileiro, conduzido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm), da Marinha do Brasil. O projeto foi aprovado em edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), em dezembro de 2018, com duração prevista de quatro anos, de 2019 a 2023. 

Com caráter multidisciplinar, ele atua em duas linhas principais. A primeira é investigar novos patógenos - como vírus, fungos e bactérias - presentes no ambiente antártico e, com isso, reforçar a vigilância e prevenção epidemiológica. Para isso, a Fiocruz reuniu pesquisadores de oito laboratórios diferentes, profissionais da área de produção e inovação em saúde, de relações internacionais em saúde, bem como de comunicação, para que a população possa acompanhar os resultados e desafios do projeto.

Outra importante linha da pesquisa é a bioprospecção: os pesquisadores tentam identificar quais desses organismos têm potencial para o desenvolvimento de novas tecnologias e produtos em saúde, como medicamentos e insumos. 

Em 2020, as expedições científicas foram interrompidas por conta da pandemia de Covid-19. Elas foram retomadas no ano passado, sob fortes medidas de segurança.